Porto Alegre precisa de mais dois shoppings?
Imagem: Divulgacão/Iguatemi.

Porto Alegre precisa de mais dois shoppings?

Ao mesmo tempo, será que proibir novos shoppings não seria agir sobre a consequência, não a causa dos problemas que as cidades enfrentam?

24 de maio de 2013

Mais dois shoppings serão construídos em Porto Alegre. Alguns vizinhos das regiões comemoram, outros críticos da cidade odeiam. Por que não construir mais museus, praças e teatros ao invés de puros “templos de consumo”?

Eu também não gosto de shoppings. Primeiro, por motivos pessoais, shoppings sempre me parecem ser mais focados para mulheres. Roupas e acessórios femininos, maquiagens, jóias e objetos de decoração provavelmente formam maioria das lojas. Praças de alimentação também normalmente são barulhentas, desconfortáveis e servem comidas pouco saudáveis. Fora os cinemas, shoppings tem pouca utilidade pra mim.

Além disso, sem muito esforço sei prever exatamente como vai ser o interior destes novos shoppings. Serão voltados para dentro, com pouca abertura para o mundo externo. O acesso será de carro, através de um enorme edifício garagem ou de um grande pátio de estacionamento. A iluminação será uma luz branca um tanto desconfortável (provavelmente LED hoje em dia) e o chão será claro e brilhoso, tom areia quase branco. As lojas estarão dispostas em ambos lados de largos corredores e, quando possível, eles terão uma abertura no centro, facilitando a visualização de lojas em outros andares e uma área com pé direito enorme no andar térreo. O shopping também colocará grandes banners de promoções criadas para datas “especiais”, sempre em transição: Páscoa, dia das mães, dos namorados, dos pais, das crianças, Natal. No topo terão clarabóias que permitirão a entrada de luz natural, mas os shoppings serão totalmente fechados e climatizados. Terá uma praça de alimentação barulhenta e desconfortável, maioria das lojas serão femininas e os cinemas serão no último andar.

Assim, fica claro que shoppings normalmente são avaliados não pela sua qualidade arquitetônica, mas pelo seu pool de lojas: o consumidor brasileiro é extremamente objetivo nesse sentido e apenas marcas com produtos de alto valor estão dispostas a pagar um prêmio por um projeto inovador, pois os clientes também valorizam estes espaços. Antes da abertura do Iguatemi JK em São Paulo pouco se falou da tentativa do empreendimento em criar um espaço diferente (embora siga os mesmos padrões citados acima), mas sim das grifes que ele abrigaria.

Em um sentido estritamente funcional, shoppings normalmente cumprem a função de ruas comerciais e dos cinemas de rua em cidades onde estas atividades não existem ou deixaram de existir, normalmente criando um ambiente mais restritivo — mas também mais seguro — que o mundo externo. Entretanto, ruas comerciais normalmente emergem espontaneamente: lojas, restaurantes e serviços agregando-se próximos uns aos outros para aproveitar a demanda de consumidores que já estão procurando aquele local, em um processo que se retroalimenta, gerando mais demanda. Não são espaços construídos estritamente para o consumo, mas um espaço urbano que se adapta à medida que mudam as expectativas das pessoas, podendo eventualmente até mesmo, com tempo, deixar de ser uma rua comercial. Estas ruas me atraem mais por serem diferentes umas da outras, cada um com suas surpresas e particularidades e em constante mudança. Além disso, mesmo não sendo restritivas como os shoppings acabam sendo mais seguras que o resto da cidade: a movimentação de gente e a segurança dos próprios estabelecimentos cria externalidades positivas, qualificando o espaço urbano.

Mas as cidades brasileiras não permitem que maioria das suas ruas sejam comerciais neste sentido. Primeiramente, são cidades que planejam para o automóvel: passagem de viadutos e túneis, vagas de garagem obrigatórias em obras, ruas e vagas de estacionamento público gratuitas, segregação de atividades residenciais e comerciais, limitações de densidade demográfica e restrições de empreender em transporte coletivo todas contribuem para que andemos menos a pé e de transporte coletivo e mais de carro. Assim como o interior dos shoppings, ruas comerciais são feitas para pedestres, e assim se tornam economicamente inviáveis em uma cidade feita para carros.

Recuos laterais e frontais entre edificações, obrigatórias em maioria dos planos diretores brasileiros contemporâneos, também eliminam a possibilidade de comércio de rua que estamos acostumados de presenciar em cidades que tanto admiramos. Ao proibir edifícios próximos uns aos outros e da calçada, a configuração de uma sequência de estabelecimentos de fácil acesso ao pedestre — base de referência para o espaço do shopping — é proibida no ambiente urbano.

As leis de zoneamento segregando atividades também influenciam diretamente na formação de ruas comerciais já que impossibilitam sua emergência em bairros que talvez fossem propícios para sua existência. No passado, planejadores dificilmente saberiam que a Fifth Avenue em Nova Iorque seria um símbolo de comércio, nem mesmo projetaram o uso da Rua da Praia em Porto Alegre, apesar de parecer óbvio para quem faz a avaliação hoje, olhando para trás. Muitos planejadores contemporâneos, na tentativa de corrigir este problema sem atentar-se às causas, também se equivocam ao defenderem justamente o oposto — a exigência de comércio no térreo — obrigando desta configuração mesmo quando ela não é a mais adequada para o bairro.

Shoppings, assim, atendem uma demanda latente por aglomerações de comércio e serviços que é restrita pela nossa política urbana local. O comércio e os desejos humanos por especiarias, objetos de moda, design ou puramente sinalização social sempre existiram e vão continuar existindo: é uma característica humana e intrínseca à vida em sociedade. Estes “templos do consumo” são apenas o resultado de empreendedores que viram uma maneira de atender essa demanda dentro das limitações impostas pelo poder público, e assim eles surgem em Porto Alegre.

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