O que o Parque Ibirapuera em São Paulo tem a ver com o Nobel de Economia?
Na perspectiva do desenvolvimento econômico, vemos que alguns aspectos da configuração urbana de São Paulo são excludentes.
As pessoas veem habitações densas ao seu redor em cidades caras e acreditam que deve haver uma relação causal. Será?
1 de junho de 2023Em maio de 2023, Scott Alexander escreveu um post intitulado “Mude minha opinião: a densidade aumenta o preço da moradia local, mas diminui os preços globais”.
Em seu texto, Alexander destaca uma correlação real (ainda que enganosa) entre a densidade urbana e os preços das moradias.
“As duas cidades mais densas dos Estados Unidos, ou seja, as cidades com maior oferta habitacional por quilômetro quadrado, são Nova York e São Francisco. Essas também são a 1.ª e a 3.ª cidades mais caras dos EUA… Então, empiricamente, conforme nos movemos ao longo do espectro de densidade de uma planície vazia em Dakota do Norte para Manhattan, os preços das moradias sobem.”
Ele continua argumentando que há mais pessoas que preferem morar em grandes cidades do que unidades habitacionais disponíveis. Dada a escassez de moradia nas grandes cidades, esse descompasso entre oferta e demanda é bastante evidente.
No entanto, ele vai além ao sugerir que essa preferência por densidade é o que está impulsionando a demanda.
“Por exemplo, se minha cidade natal de Oakland (500.000 habitantes) se tornasse dez vezes mais densa, construiria 4,5 milhões de novas unidades e acabaria tão densa quanto Manhattan ou Londres. Mas Manhattan e Londres têm os preços imobiliários mais altos em seus respectivos países, principalmente por causa de sua densidade e das oportunidades que a densidade oferece.”
Se uma determinada cidade construísse mais moradias e crescesse, argumenta ele, ela teria a preferência de um conjunto de norte-americanos com mobilidade que querem viver em cidades grandes e densas e, portanto, mais caras.
A oferta global de moradias aumentaria (diminuindo assim os preços como um todo), mas a cidade na qual as novas moradias foram construídas se tornaria proporcionalmente mais atraente, anulando quaisquer benefícios locais que poderiam tornar o custo mais acessível. É assim que ele explica a correlação entre densidade e preços da habitação.
Há algum sentido no argumento de Alexander. Minha própria pesquisa na UC Berkeley descobriu que de fato há um preço maior para moradias em bairros densos e caminháveis em relação aos valores medianos das propriedades na área metropolitana. No nível do bairro, as pessoas preferem a densidade! No entanto, quando estamos falando sobre diferenças nos custos de habitação entre as áreas metropolitanas, esses efeitos são, na melhor das hipóteses, marginais.
Agradeço a humildade epistêmica de Alexander sobre o assunto (“Diga-me por que estou errado!”), portanto, aceitarei o pedido dele. Suspeito que seu argumento seja derivado de um viés de saliência comum. As pessoas veem habitações densas ao seu redor em cidades caras e acreditam que deve haver uma relação causal. Felizmente, podemos usar dados para nos ajudar a superar esses vieses.
Vamos aos dados!
Olhando para os dados ACS de 2017–2021 para todas as American Core-Based Statistical Areas (CBSAs), podemos ver que de fato há alguma correlação entre densidade e preço da moradia, mas não é particularmente forte.
Alexander entendeu a relação causal ao contrário. O dinheiro não segue a habitação; a habitação segue o dinheiro. O dinheiro usado para adquirir residências tem que vir de algum lugar…
Sim, a peça crítica que falta na análise de Alexander são os empregos. As planícies de Dakota do Norte não carecem apenas de habitação; elas estão carentes de empregos. Se surgissem muitos empregos bem remunerados, a renda que eles gerariam iria para a habitação. Se a oferta de moradias fosse limitada, seu valor aumentaria.
Na verdade, isso é exatamente o que aconteceu em Dakota do Norte durante o boom de petróleo da Bakken Formation na década de 2010. Trabalhadores da indústria petrolífera que viajaram para colher os benefícios de uma maior produção de petróleo encontraram casas e apartamentos sendo alugados por US$ 3.000 por mês. Muitos tiveram que morar em trailers.
Embora o preço da moradia seja o resultado de muitos fatores, existem três fatores principais:
1. O número de empregos disponíveis;
2. Os salários desses empregos;
3. A quantidade de moradia disponível para esses trabalhadores.
Com o objetivo de demonstrar essa relação, podemos combinar as variáveis 1 e 2 na renda agregada, que é a renda total de todos os empregos em uma área metropolitana. Como esperado, a renda agregada e a oferta total de moradias estão intimamente correlacionadas.
Áreas metropolitanas acima da linha ajustada têm muitos empregos ou empregos com salários mais altos em relação ao número de unidades habitacionais disponíveis. Deste lado da linha, encontramos San Jose, San Francisco e Washington DC.
Metros abaixo da linha ajustada têm muitas habitações em relação à sua renda agregada. Deste lado, encontramos Detroit, Tampa e Phoenix.
Já existe um padrão surgindo aqui, mas vamos deixar isso mais claro.
Se transformarmos essas duas métricas em uma proporção — renda agregada por unidade habitacional — podemos plotar isso em relação aos valores médios das residências.
O que encontramos é uma correlação significativamente mais forte! A renda agregada por unidade habitacional prevê aproximadamente 56% da variação nos valores medianos no nível metropolitano. Agora temos uma explicação de por que San Jose é mais cara do que San Francisco, apesar de ter menor densidade habitacional (pode-se dizer que é por causa de sua menor densidade habitacional).
Enquanto isso, nossos outliers são exceções que confirmam a regra.
Lugares como Key West, na Flórida, Kahului, no Havaí e Ocean City, em Nova Jersey, têm altos valores imobiliários em relação às suas rendas agregadas por unidade habitacional porque a renda que impulsiona esses valores vem de empregos em outros lugares — esses são mercados de casas de férias.
Por outro lado, temos locais com baixo valor de propriedade em relação à renda agregada por unidade habitacional. Los Alamos, no Novo México, se destaca aqui. Los Alamos é efetivamente uma cidade que gira em torno do Los Alamos National Laboratory (onde a bomba atômica foi inventada durante a Segunda Guerra Mundial).
De acordo com seu site, o Los Alamos National Laboratory emprega 14.150 pessoas. A população de Los Alamos é de apenas 13.000 habitantes (alguns se deslocam da vizinha Santa Fé). Esses são empregos bem remunerados, mas como há apenas um empregador na cidade, o grupo de compradores em potencial é muito pequeno e, portanto, os valores das propriedades são excepcionalmente baixos.
Vamos deixar esses outliers de lado executando os dados mais uma vez, mas incluindo apenas as áreas metropolitanas com uma população maior que 1 milhão.
Com certeza, a correlação fica ainda mais forte! Um valor-r de 0,9 sugere que mais de 81% dos valores médios das residências nas grandes áreas metropolitanas podem ser atribuídos à renda agregada por unidade habitacional.
OK, comparar as áreas metropolitanas umas com as outras esclarece a importância dos empregos e da oferta de moradia nos resultados entre as regiões, mas o que realmente queremos saber é se construir mais moradias em uma determinada área metropolitana (para além do crescimento de empregos e salários) reduziria o custo de habitação.
Infelizmente, isso não aconteceu em nenhuma grande área metropolitana na última década, então não temos um grande estudo de caso (sim, é por isso que todas as cidades estão se tornando inacessíveis). Mas podemos ver que há uma forte relação entre a mudança na renda agregada por unidade habitacional e a mudança no valor médio imobiliário ao longo do tempo, assim como ocorre nas cidades por um determinado período de tempo.
Este modelo é ainda mais forte para prever mudanças nos aluguéis; 74% dessas mudanças podem ser explicadas por mudanças na renda agregada por unidade habitacional.
Para uma análise muito mais rigorosa dessa relação dentro de uma única cidade ao longo do tempo, consulte o brilhante trabalho de Erica Fischer coletando e analisando 30 anos de anúncios de aluguel em San Francisco:
Embora possa ajudar a reduzir o custo da moradia, não acredito que alguém queira que a renda agregada de sua cidade caia. Por mais acessíveis que sejam, a história de cidades como Detroit e St. Louis não é feliz.
Isso nos deixa com uma grande alavanca: a oferta de moradias. A única maneira real de reduzir os custos de moradia é construir mais moradias para que essa renda agregada flua para elas.
“Construir mais moradias” não é uma política única, mas um conjunto coerente de políticas que começa a enfrentar o desafio em várias frentes regulatórias. Esse conjunto inclui eliminar o zoneamento unifamiliar (como recentemente promulgado em Minneapolis e Portland), abolir as quantidades mínimas de estacionamento e atualizar os códigos de construção para permitir o uso mais eficiente de lajes de piso em prédios de apartamentos com uma única escada.
Também envolve experimentar o imposto sobre o valor da terra como um método para incentivar o desenvolvimento e reduzir a especulação imobiliária. Fatores menos óbvios, como a política de imigração, desempenham um papel nos custos de construção.
Talvez mais centralmente, o conjunto de políticas “Construir mais moradias” deve incluir reformas que abordem a vetocracia que governa o desenvolvimento habitacional nos Estados Unidos, que coopta a análise ambiental e os mecanismos de supervisão da comunidade para garantir que muito pouco seja construído nas cidades americanas. Como escreve apropriadamente Jerusalem Demsas, nossas comunidades tornaram-se “como uma associação de proprietários infernal, apoiada pela força da lei”.
Como as coisas ficaram tão ruins? Como ex-planejador urbano, dói-me reconhecer que, na origem desta crise, encontramos a abdicação ativa do poder da profissão de planejamento urbano após a reação contra a renovação urbana do meio do século XX.
Como Thomas Campanella escreveu no Places Journal, “o planejamento na América foi reduzido à pequenez e timidez, e em grande parte por suas próprias mãos”. Enfrentar a crise habitacional exigirá que os planejadores se apresentem como os adultos na sala, tornando-se uma força vigorosa, porém responsável, para o bem maior, em vez de administradores do egoísmo do proprietário.
Não há razão para não termos cidades ricas e acessíveis. Nós só temos que aumentar o denominador da renda agregada por família.
Voltemos à Alexander.
“Não vejo por que a capacidade de Oakland contar uma história diferente de como atingiu os níveis de densidade de Manhattan/Londres (“foi porque éramos YIMBYs e deliberadamente cultivamos a densidade para obter preços mais baixos”) tornaria o resultado final diferente da Manhattan ou Londres real.”
Na verdade, a narrativa YIMBY faria uma grande diferença no resultado final! A história de Manhattan e Londres é a de uma oferta de moradias que não acompanhou o crescimento dramático de empregos bem remunerados.
Suas densidades habitacionais mascaram uma densidade ainda maior de empregos. Quando os empregos aumentam, pode ser difícil manter alta a oferta de moradias, mas não é impossível. Uma narrativa em que a oferta de moradias acompanha o crescimento do emprego cria um mercado imobiliário mais parecido com o de Tóquio.
O argumento de Alexander ignora o papel crítico dos empregos e da renda na equação do preço da habitação. Os dados nos mostram que é em grande parte a proporção entre a renda agregada e a oferta de moradias que realmente está impulsionando os preços das moradias. A chave para nossa crise habitacional é garantir que a oferta de moradias acompanhe os mercados de trabalho locais.
Scott Alexander, espero ter feito você mudar de ideia.
Publicado originalmente em Kasey Klimes em maio de 2023.
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COMENTÁRIOS
Sobre o sofisticado artigo de Kasey Klimes. contraponho um trecho do meu livro “A Produção da Moradia como Política Pública” disponível na AMAZON desde 2019: Na realidade, o simplismo da definição de um problema tão complexo e o imediatismo da inferência de sua solução, ao se reduzir ao esforço de produzir e distribuir unidades residenciais, pode complicar e acrescentar aspectos contraditórios, na prática.
O problema habitacional tem outros níveis de definição, quanto aos aspectos já suficientemente enfatizados de sua relação de dependência com a organização das atividades econômicas, que viabilizam os empregos e os salários da população ativa, por um lado e o incremento do comércio imobiliário, por outro. Ele estaria relacionado à velocidade do crescimento e ao nível de expansão dos núcleos populacionais urbanos e rurais. Na medida dessa expansão, multiplicam-se as carências quantitativas (déficit) e qualitativas, não somente por conta dos acréscimos de população e de novas áreas às cidades, mas principalmente por meio das transformações que ocorrem em seus espaços residenciais ao nível da relação entre a valorização dos imóveis e a segregação de populações de renda menor para áreas de péssima qualificação, cada vez mais numerosas.
A mediação econômica que estabiliza e reproduz a coincidência entre a hierarquia social das habitações e o zoneamento residencial urbano, adquire papel preponderante no problema. Ela se realiza na reprodução do alojamento por meio das rendas propiciadas por sua comercialização, em cada localização diferente, nas cidades. Essas rendas se expressam por meio dos preços dos terrenos e os investimentos de capital nas edificações (e seu consequente padrão de qualidade) são coerentes com tais preços.
A produção e a reprodução do quadro urbano construído é, pois, resultado, não de uma relação simples de causa e efeito, mas de um jogo econômico na produção do alojamento que modela pouco a pouco os padrões físico-espaciais dos diferentes setores residenciais urbanos e, por consequência a forma da estratificação urbana.
Assim, o problema habitacional se redefine. O que ocorre no espaço urbano não é uma somatória de casos isolados de alojamentos de má qualidade, nem é a falta da propriedade privada de habitações. Ele se redefine através do movimento da estratificação que ocorre no processo de crescimento urbano, por meio da produção do alojamento. Como as populações pobres são cada vez mais numerosas, a estratificação, enquanto segregação de determinadas camadas sociais, se intensifica com a produção de áreas urbanas de péssima qualificação técnica e nas quais de manifestam todas as conotações do chamado “problema habitacional”. Por outro lado, a locação residencial passa a ser componente de um processo sócio-espacial de onde emerge com expressiva importância o papel do mercado dos imóveis residenciais em geral e dos terrenos, em particular.
A valorização dos centros das cidades, ou de determinados setores residenciais, se constata pelos altos valores adquiridos pelos terrenos e pelos alugueis, implicando numa pressão sobre os salários médios da população moradora e sobre o próprio padrão dos imóveis atuais (os preços dos terrenos representado de 30ª a 70% do preço dos imóveis construídos num mesmo setor).
Esse fato leva a uma substituição da população por outra de salários mais altos e, ao mesmo tempo, a paulatina alteração dos padrões das edificações. Como a grande parcela da população vive com rendas familiares abaixo de três salários mínimos, a tendência desse processo geral de valorização faz com que um número cada vez maior de famílias se submeta a formas adaptadas ou irregulares de moradia (invasões, sublocação, congestionamentos em compartimentos ou de várias casas em um mesmo lote, etc.).
Esta situação tem implicações no controle do uso do solo urbano, quanto à produção e distribuição de lotes residenciais e seu uso para habitação a ao movimento do comércio imobiliário, quanto aos níveis sempre crescentes dos preços cobrados pelo alojamento residencial. Enquanto houver condições para que esses preços sejam de monopólio, o mecanismo da renda auferida, por meio da comercialização da habitação, ocasionará permanentemente a segregação urbana, produzindo e reproduzindo o problema habitacional. Evidentemente, nesse contexto, a capacidade maior ou menor de produzir um número cada vez maior de habitações contará como uma das condições para atenuar o problema, jamais para resolvê-lo.
A complexidade do problema assim definido leva a deduzir que seu tratamento deverá atingir, simultaneamente o componente da produção e distribuição das unidades residenciais, os controles da produção e do uso dos terrenos para habitação e o movimento do comércio imobiliário ao nível da especulação e do monopólio.
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