O potencial dos Emirados Árabes de reinventar a urbanização
Imagem: Eugene Kaspersky/Flickr.

O potencial dos Emirados Árabes de reinventar a urbanização

Rem Koolhaas discute o fenômeno dos arranha-céus e o potencial dos Emirados Árabes Unidos de reinventar a urbanização.

29 de junho de 2022

Rem Koolhaas, co-fundador do Office for Metropolitan Architecture (OMA), ganhador do Prêmio Pritzker em 2000 e um dos mais proeminentes teóricos do urbanismo hoje em dia, foi um dos primeiros a questionar o fenômeno dos arranha-céus e sua influência na transformação da cidade. Particularmente intrigado com a região do Golfo Pérsico e as ambições urbanas desta área, em 2009, durante a 9.ª edição da Bienal de Sharjah, fez uma palestra sobre o potencial de reinventar a urbanização nos Emirados Árabes Unidos.

Por ocasião do jubileu de ouro dos Emirados Árabes Unidos, marcando 50 anos desde que foram fundados em 1971, 50U, publicado pela Archis, explora os diferentes desenvolvimentos no Golfo, esta região que “testemunhou a transformação de uma cidade parcialmente nômade, parcialmente baseada na comunidade em uma sociedade metropolitana globalmente ativa”. Depois de Al Manakh, em 2007, seguido em 2010 por Al Manakh Cont’d, 50U conta a história dos Emirados Árabes Unidos por meio de 50 retratos de pessoas, plantas e lugares. O livro também compartilha um trecho da palestra de Koolhaas em 2009 que reflete sobre as condições contemporâneas, focando especificamente em sua leitura de Dubai, seu envolvimento arquitetônico e suas previsões urbanas futuras.

Vista aérea de Dubai
Vista aérea de Dubai, 2018. (Imagem: Riccardo Rossi/Flickr)

A seguir, uma versão resumida da palestra de Rem Koolhaas, proferida em 17 de março de 2009, onde ele discutiu o fenômeno dos arranha-céus e o potencial dos Emirados Árabes Unidos de reinventar a urbanização.

Eu vim aqui pela primeira vez em 2004. Pediram-nos para fazer uma grande construção no local que está marcado pela bandeira. Então, dois anos atrás, foi o exato momento… que fiquei muito preocupado com a missão da arquitetura e os seus usos. Eu realmente fiquei quase desesperado… que a incrível pressão da economia de mercado estava forçando a própria arquitetura a condições cada vez mais extravagantes. Aparentemente, Dubai parecia ser o epicentro dessa extravagância. Então, eu vim com sentimentos profundamente ambivalentes. Parecia que a ideia da cidade e da própria metrópole quase se transformou em uma caricatura, não uma entidade coerente, mas talvez uma colcha de retalhos de parques temáticos. E esses temas se tornariam os personagens falsos e cada vez mais bizarros que talvez fossem em parte míticos e em parte reais.

Minha primeira tentativa de construção em Dubai foi usar Dubai, usar suas expectativas de absurdo e ir contra elas, propor um edifício muito simples, singular, puro — realmente um novo começo. O edifício tinha 200 metros de largura e 300 metros de altura. Era aparentemente absurdo que a era do ícone ou a era da arquitetura cada vez mais bizarra tivesse acabado.

Minha teoria ou expectativa era que o edifício funcionaria particularmente melhor no contexto de Dubai porque seria possível utilizar o contraste com as outras diferenças para alcançar sua beleza intocada e, ao mesmo tempo, excentricidade, talvez, e, portanto, sua clara importância — uma nova declaração em um momento estranho na arquitetura.

Isso já faz quatro anos.

Há dois anos publicamos um livro, Al Manakh, sobre Dubai e toda a região do Golfo, porque, como nesta palestra, Dubai é uma metáfora para a região do Golfo como um todo. Simplesmente decidimos olhar e nos envolver com o mundo árabe; conversar com o mundo árabe e compreender algumas das mais superficiais, ou algumas das mais comuns, análises ocidentais de Dubai.

Al Manakh
Publicação Al Manakh. (Imagem: OMA)

Não há pessoa mais eloquente sobre o mal de Dubai do que Mark Davis. Seu livro Evil Paradises, que é parcialmente sobre Dubai, foi publicado mais ou menos simultaneamente com Al Manakh. Em seu ensaio, ele descreve Dubai, como você provavelmente sabe, como um pesadelo, onde “Walt Disney encontra Albert Speer nas margens da Arábia”. É esse tipo de leitura superficial da possibilidade de Dubai que cada vez mais tentamos contradizer. Nesse sentido, estamos realmente em uma posição bastante estranha de alguém que, é claro, não é árabe, que não tem grandes lealdades árabes e que, no entanto, está argumentando contra algumas do que vejo como interpretações perigosamente superficiais de um fenômeno imediatamente ambíguo e multifacetado, tanto no bom quanto no mau sentido, de Dubai.

Meu envolvimento no Golfo de certa forma foi uma série de fracassos, ou uma série de esforços, talvez um pouco prematuros. Uma das próximas coisas em que trabalhamos após este edifício foi olhar para a ideia de preservação em Dubai. Parece uma palavra louca. Como se fala de preservação em uma cidade que tem pouco mais de trinta anos? Mas, por exemplo, as moradias originais dos trabalhadores claramente em algum momento seriam movidas. A cidade estava, de certa forma, em ruínas. Nada muito extravagante ou especial, em termos de arquitetura, mas ainda no sentido de um ambiente árabe interessante e funcional, muito significativo e totalmente em contradição com o trabalho glamoroso associado a Dubai.

Analisamos como poderíamos de alguma forma manter esse tipo de Dubai. O que fizemos foi ver como seria possível trabalhar simplesmente nos “remendos” antigos, fazer tipos de empreendimentos relativamente discretos e, em troca disso, tentar manter aquela textura íntima e única. Mas, novamente, nós calculamos mal. Era um pouco cedo demais. Sempre há expatriados e consultores dispostos a fazer o que for necessário para materializar as mudanças aparentemente inevitáveis — e esse foi o caso. Então, em outubro de 2008, descobrimos na feira de imóveis que nosso local de intervenção havia sido radicalmente demolido para dar espaço a este projeto — um estranho arranha-céu de três partes, incrivelmente alto. A tentativa de manter aquela parte de Dubai estava equivocada.

Como parte de nossa leitura, o que me fascinou — sobre Dubai — é o quão dominante é nossa leitura. Por “nossa” quero dizer o Ocidente. Dubai aconteceu; participamos de sua construção. Fomos cúmplices de sua extravagância. Mas também fomos os primeiros a denunciar seu absurdo. O que temo, agora que declaramos o “fim do jogo”, é que também seremos os primeiros a dizer a Dubai para não ser mais ela mesma, a dizer que Dubai acabou e a declarar um fim prematuro, não apenas para uma experiência, mas também para uma verdadeira mudança cultural que vem ocorrendo dentro e por baixo de tudo isso, que ainda merece apresentar suas próprias conclusões. Acho um pouco estranho citar Anna Wintour, editora da Vogue, nesse contexto, como se ela fosse uma pensadora política, mas não deixa de ser significativo que Nova York agora veja Dubai como a definição do que não pode mais ser feito. E eu realmente encorajo todos aqui nessa sala a não acreditar muito nesse tipo de material, mas sim, no que Dubai eventualmente terá a nos oferecer.

Talvez uma das coisas mais significativas que podemos fazer é olhar para Dubai de perto, além do hype e do exagero, e talvez então identificar um certo tipo de beleza que está presente aqui. Eu simplesmente desafio qualquer um a definir todas as fontes deste trabalho, mas, ao mesmo tempo ver que há definitivamente uma estética em ação, que talvez não possamos abraçar, mas que devemos levar a sério.

Publicado originalmente em ArchDaily em junho de 2022. Traduzido por Camilla Ghisleni.

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