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As redes de transporte informal nas cidades africanas oferecem serviços equitativos para todos que precisam delas? Como é de se esperar, a resposta muitas vezes é não. Os operadores frequentemente preferem dirigir nas rotas mais seguras e centrais, priorizando inadvertidamente os passageiros que se deslocam para empregos formais no centro da cidade e evitando as comunidades mais remotas e de baixa renda. As redes de transporte informal também tendem a criar sistemas radiais e centralizados que tornam as viagens entre bairros, mercados e outros locais especialmente inconvenientes e demoradas, impactando desproporcionalmente as mulheres e os trabalhadores informais. Então como podemos apoiar e melhorar os serviços de transporte informal?
Para testar algumas dessas questões e imaginar soluções, pesquisadores do Departamento de Planejamento Urbano e Regional da Universidade da Califórnia, Berkeley (incluindo eu) e do Laboratório de Ação Urbana da Universidade de Makerere, com o apoio do International Growth Center, colaboraram com a Federação de Operadores de Táxi de Uganda e o Sindicato dos Trabalhadores Gerais e de Transporte de Uganda para iniciar uma nova rota de transporte informal. Juntos, projetamos a nova rota com gerentes dos pontos de parada do transporte informal, operadores e motoristas. E então, nós a experimentamos.
A rota foi desenvolvida para evitar o congestionado centro da cidade e fornecer uma conexão direta e não radial entre bairros residenciais, mercados, centros de saúde e zonas de empregos. Anteriormente, para se deslocar entre essas áreas, os passageiros precisavam pegar um mototáxi (“boda boda”) caro, caminhar ou fazer várias conexões, aumentando o tempo e o custo.
Após a aprovação da proposta em fevereiro de 2023, o projeto financiou 10 veículos para operar na nova rota por três semanas. No início, subsidiamos 100% dos custos operacionais – aluguel de veículos, combustível, segurança, remuneração do motorista e do cobrador – e depois reduzimos gradualmente o subsídio à medida que mais passageiros eram atraídos para a rota. Após o término do projeto, uma seção da rota continuou operando de forma independente e ainda está em operação mais de um ano depois. Por um total de aproximadamente $5.000 dólares, conseguimos criar uma nova conexão na cidade, atendendo milhares de pessoas.
Nossos primeiros passageiros imediatamente nos alertaram sobre uma lacuna em nossa própria proposta: faltava conexão com um mercado atacadista local. Os operadores de transporte da nova rota rapidamente estabeleceram um pequeno desvio e, em seguida, uma parada permanente. Muitos dos passageiros que utilizam essa rota são mulheres que trabalham com comércio de pequeno porte e ambulantes, que fazem várias viagens por semana ao mercado atacadista para buscar mercadorias. Esses vendedores anteriormente dependiam de longas e arriscadas caminhadas matinais, então eles adotaram a nova rota com entusiasmo. Apesar da profunda familiaridade dos operadores com o bairro, por que nenhum serviço havia sido estabelecido até agora?
Os operadores informais não são os culpados; eles operam com orçamentos apertados, sem apoio público, muitas vezes enfrentando críticas e marginalização das autoridades. Além de rendas baixas e imprevisíveis, os operadores informais enfrentam condições de trabalho árduas, problemas de saúde física e mental e longas jornadas de trabalho. O transporte público é quase sempre não lucrativo em cidades ricas ao redor do mundo, e ainda assim se espera que os trabalhadores do transporte informal, sem acesso a crédito ou capital, proporcionem justiça social e de mobilidade em megacidades de rápido crescimento.
Iniciar uma nova rota é complicado, caro e arriscado, então coordenar, alocar e implementar os recursos adequados com sucesso não acontece sem risco e sacrifício. Mas esse ritmo de mudança é lento demais para cidades em rápido crescimento com necessidades de mobilidade diversas. No caso desse projeto, um pequeno investimento inicial combinado com a criação de um diálogo aberto entre operadores, a equipe de pesquisa e outras partes interessadas nos permitiu apoiar os negócios dos motoristas informais e melhorar o acesso para uma população necessitada.
Um ano depois, uma parte da nova rota (o desvio e a parada do mercado atacadista solicitados pelos moradores) opera regularmente de dois a cinco microônibus por dia e continua a crescer. Esses microônibus operam tanto na nova rota quanto na rota principal, reduzindo o risco para os operadores de transporte informal utilizarem a nova rota até que mais passageiros a conheçam, diminuindo as filas para os motoristas na rota principal e proporcionando flexibilidade para acomodar o aumento de passageiros nos dias de semana. Um único investimento de curto prazo foi capaz de “semear” um novo serviço ao cobrir o risco da operação inicial.
Para as cidades, mas também para as comunidades e até para os operadores, essa abordagem pode ajudar a entender as necessidades de mobilidade atuais e fornecer os serviços necessários de forma rápida, colaborativa e sem interrupções. Estabelecer uma nova rota informal pode parecer complicado, mas a testagem inicial de potenciais novas rotas requer apenas cooperação e um pequeno orçamento. Quando novas rotas são posteriormente estabelecidas e bem-sucedidas, elas podem revelar necessidades adicionais de mobilidade que os operadores estão agora em melhor posição para atender, apoiando, ao invés de prejudicar, os meios de sobrevivência dos trabalhadores do transporte informal. Juntas, as cidades podem construir confiança e compreensão das paisagens complexas que os motoristas e gestores de transporte informal precisam navegar, bem como das necessidades – particularmente as necessidades não atendidas – de passageiros e comunidades.
Tamara Kerzhner é pós-doutoranda na School of Cities da Universidade de Toronto e vencedora do Prêmio Memorial Lee Schipper 2021.
Artigo originalmente publicado em The City Fix, em julho de 2024.
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