Podcast #105 | Arborização urbana
Confira nossa conversa com a engenheira florestal Isabela Guardia sobre arborização urbana.
Conflitos, disputas e antagonismos são frequentes na dinâmica da vida em sociedade, sendo necessário conciliar diferentes interesses e necessidades da melhor forma possível.
20 de setembro de 2021Conflitos, disputas e antagonismos são frequentes na dinâmica da vida em sociedade, sendo necessário conciliar diferentes interesses e necessidades da melhor forma possível. Hoje, conflitos urbanos são reduzidos a dois polos. De um lado, aqueles que se opõem a novos projetos, comumente chamados de NIMBYs (acrônimo em inglês “Not In My BackYard”, ou “não no meu quintal”), mas que também podem ser vistos como “defensores do bairro”.
Do outro, proponentes dos projetos, sejam do poder público ou da iniciativa privada, e pessoas ou grupos que, embora não envolvidos diretamente com a proposta, são favor que ocorram. Esses últimos também chamados de YIMBYs (acrônimo de “Yes In My Backyard”).
Contudo, existe uma outra face, pouco mencionada. As decisões referentes à oferta de habitação, comércio, mobilidade, lazer de uma região da cidade possuem reflexo além de seus limites territoriais e daqueles que participaram da discussão.
Há pessoas cujo acesso a oportunidades também deve ter sua importância reconhecida, mesmo que não estejam presentes em audiências, consultas públicas, processos judiciais ou não tenham acesso a políticos, influenciadores ou à imprensa.
Vários fatores podem ser elencados para justificar a ausência de participação dessa face da sociedade, desde a dinâmica da rotina do dia a dia até o senso de pertencimento a uma determinada pauta, bem como a falta de um conhecimento mais profundo sobre o que está em discussão.
É o caso de conflitos envolvendo novos projetos habitacionais, em que os principais beneficiados são pessoas que ainda não residem no bairro, enquanto os atuais moradores do entorno podem não compartilhar da mesma necessidade de aumentar o estoque residencial da cidade — o que, em larga escala, tem consequências futuras para a mobilidade e custo habitacional de todos.
Ainda, é comum o uso do argumento da falta de participação social, inclusive quando ela de fato existiu, em situações onde há insatisfação com o seu resultado.
Sugestões apresentadas dentro de processos participativos podem ser recusadas por problemas legais, falta de viabilidade técnica e financeira, por não considerar quem não participa do processo, entre outros motivos.
No entanto, como a noção de “participação social” é subjetiva, argumentar que ela não foi completa não é difícil. A seguir, a ilustração com alguns exemplos envolvendo a articulação de grupos na cidade de São Paulo e os eventuais danos a quem não foi considerado:
A polêmica envolvendo a escolha do local de construção da Estação Angélica do metrô em Higienópolis, área densa, central e nobre de São Paulo, talvez seja um dos casos mais conhecidos da história recente da cidade.
Moradores se opuseram à estação, argumentando que o metrô iria aumentar o fluxo de pessoas, principalmente nos dias de jogos, já que o Estádio do Pacaembu é próximo ao local inicialmente escolhido e provocaria “ocorrências indesejáveis”.
Uma moradora chegou a afirmar à Folha de São Paulo que o meio de transporte costuma atrair “drogados, mendigos e uma gente diferenciada” para seus arredores.
Após a polêmica, um parecer técnico da Companhia do Metropolitano de São Paulo, do metrô de São Paulo, apontou que a estação deveria ser construída cerca de 200 metros distante do local inicialmente apontado. Apesar disso, a companhia afirmou que a decisão foi técnica.
Um abaixo-assinado organizado pelos moradores pedindo a mudança de lugar da estação coletou cerca de 3.500 assinaturas. A previsão era que 25 mil pessoas usassem a estação diariamente.
Alguns anos antes, houve uma polêmica que acabou pouco lembrada: a desistência do então governador Geraldo Alckmin de construir a estação Três Poderes da Linha 4-Amarela do metrô, que também contaria com terminal de ônibus.
Inserida nos mapas da rede divulgados entre 1990 e 2000, e constando no projeto da linha em 1997, ela projetava receber 50 mil passageiros por dia.
De acordo com nota do Metrô à época, dois fatores foram decisivos: a manifestação de moradores das imediações, que alegaram futuros transtornos com a construção da estação, bem como a exclusão do terminal de ônibus junto à estação do metrô (também relacionada ao apelo dos moradores).
Ao Estadão, em 2003, uma integrante da Associação dos Moradores do Jardim Christie apresentou sua preocupação: “Nos planos do metrô, a Estação Três Poderes está localizada em uma área estritamente residencial de classe A e, portanto, não atenderia a população local, pois os moradores certamente continuariam utilizando o carro. Além disso, está prevista a construção de um terminal de ônibus junto à estação, o que atrairia um tipo de comércio que mudará totalmente o perfil da região.”
Para o jornal, a urbanista de um coletivo ainda atuante nas discussões urbanas da cidade declarou que “mesmo nas zonas comerciais, não seria aconselhável suprir a carência por transporte e, ao mesmo tempo, levar adensamento”.
Ainda, a Folha divulgou em 2005 que o movimento contra a construção da estação do metrô teve a assinatura de 520 moradores da Zona Oeste, número irrisório perto dos usuários previstos.
A exclusão da estação abriu um intervalo de 2,4 km entre as estações Butantã e Morumbi, a maior distância entre estações da linha. Normalmente, o Metrô busca uma distância de 1 km entre cada parada de forma a otimizar o uso e o custo da rede.
A região da Avenida Paulista reúne uma série de qualidades que a fazem ser destino de pessoas das mais diversas origens e propósitos. No entanto, são limitados os espaços verdes de convivência ao ar livre.
Para aproveitar parte desse potencial, o complexo de uso misto Cidade Matarazzo, situado na área tombada do antigo Hospital Humberto I, propôs à Prefeitura de São Paulo a oportunidade de realizar a requalificação do espaço público entre o complexo e a Avenida Paulista.
A proposta consistia na implantação de uma passagem subterrânea em um trecho de cerca de 100 metros de extensão da Rua São Carlos do Pinhal (paralela à Paulista), para o tráfego de carros e ônibus, o que permitiria a construção de calçadão exclusivo para pedestres na parte superior.
Além disso, as vias do entorno receberiam nova iluminação, atividades culturais gratuitas e abertas, piso drenante, paisagismo, sanitários públicos, wi-fi gratuito e enterramento das redes de energia e comunicação.
A benfeitoria estimada em R$ 130 milhões seria integralmente custeada pela iniciativa privada, que ficaria responsável pela manutenção da área durante mais 30 anos.
O licenciamento da proposta conseguiu aprovação na prefeitura, incluindo a atenuação dos impactos previstos no trânsito da região durante as obras.
Entretanto, em dezembro de 2019, associações de moradores do entorno conseguiram que o início da obra fosse embargado por uma liminar judicial.
Segundo elas, houve falta de transparência por parte da prefeitura ao viabilizar o chamamento público para o projeto, além do túnel para carros, permitindo que pedestres circulem pelo espaço acima, ser considerado prejudicial aos moradores da região.
Além da presunção de regularidade que o licenciamento público carrega, o advogado do complexo informou terem havido “no mínimo cinco audiências com a população”, sendo difícil prever quantas audiências adicionais seriam necessárias para satisfazer os vizinhos contrários à proposta.
O fim da disputa ocorreu em março de 2021, quando — passados 16 meses da suspensão temporária de obras decorrente do embargo judicial — o proponente desistiu da iniciativa.
A demora do processo judicial tornou insustentável a compatibilização do projeto com o cronograma de obras e inaugurações do restante do empreendimento.
A triste ironia do desfecho da história é que a intervenção proposta pelo complexo na área pública — judicializada pela suposta falta de diálogo — seria aquela com acesso mais democrático possível, não apenas para os moradores do entorno, como para os do restante da cidade, independentemente da faixa de renda.
Enquanto isso, a área privada do complexo, que inclui a primeira loja de departamentos da inglesa Browns fora do Reino Unido, espaços comerciais de diversas grifes e pontos gastronômicos, tende a ser melhor aproveitada por um público restrito, englobando parte dos moradores vizinhos.
Em junho de 2021, a Prefeitura de São Paulo concluiu o polêmico gradeamento da Praça Pôr do Sol, no Alto de Pinheiros, região nobre da cidade.
O lugar é tradicionalmente frequentado como ponto de lazer e turismo por moradores de diferentes regiões da cidade e de fora dela, com variado perfil etário e de renda.
Em abril de 2020, o local foi cercado por tapumes sob a justificativa de evitar aglomerações durante a pandemia. Contudo, em fevereiro de 2021, a praça ganhava grades definitivas em seu entorno, concluídas a um custo público de R$ 652 mil.
O pedido de fechamento da praça foi acatado em razão de uma demanda antiga de associações de moradores do bairro, os quais reclamam que a praça reunia centenas de pessoas durante a noite e a madrugada, com música alta.
A intenção da Prefeitura é, apenas após a passagem da pandemia, consultar a população do entorno para que se expressem sobre a manutenção ou retirada do fechamento.
Embora tenha sido utilizada como demonstração de participação popular, a solução de consultar apenas a população do entorno para discutir uma matéria de interesse não apenas do bairro, mas de grupos distintos pela cidade, é equivocada.
Não é o caso, através dos exemplos apresentados, desqualificar qualquer oposição local a uma medida ou proposta.
É preciso reconhecer a existência de excessos e erros por parte de iniciativas do poder público ou privado, seja na definição de ciclovias ao número proposto de vagas de garagem de um empreendimento; de prédios residenciais a corporativos; de intervenções em edificações históricas à construção de torres modernas.
Retirar a possibilidade de acompanhamento e participação pela sociedade civil poderia provocar resultados tão desastrosos quanto os atuais.
No entanto, é preciso aprimorar a análise do que está posto em questionamento. Por mais que sejam bem-intencionados, os exemplos revelam graves falhas de representatividade no que chamamos de participação popular.
Em muitos casos, decisões são colocadas em cheque conforme a demonstração de força e participação de alguns grupos, sem que sejam considerados aquelas cujo reconhecimento é difícil ou impossível de se fazer presente.
Segundo Victor Carvalho Pinto, especialista em direito urbanístico, existe uma visão equivocada do que seja a gestão democrática da cidade, que pretende submeter o poder público a “deliberações” de moradores ou de delegados por eles eleitos em assembleias.
Em sua opinião, o deve acontecer são consultas públicas sobre planos e projetos, abertas à manifestação de qualquer cidadão. Cabe à prefeitura responder a todas as manifestações, mas não há obrigação de acatar qualquer delas.
O caso do Parque das Flores, por exemplo, mostra como audiências públicas são necessárias para expor projetos e ouvir a comunidade, mas não devem ser utilizadas meramente como método para atrasar seu prosseguimento ou levar à perda da viabilidade de alguma iniciativa.
Uma visão “condominial” da cidade impressa por uma pequena parcela da população, que ignora o impacto de suas objeções locais em relação ao todo da cidade e metrópole, está presente nas disputas envolvendo desde a produção habitacional a aspectos da mobilidade urbana e precisam ser questionadas.
Atribuir pronomes possessivos como “nossa rua” e “nosso bairro”, ainda que reflitam sentimentos legítimos, desconsideram os resultados para aqueles que estão além da rua ou do bairro, mas que possuem a mesma legitimidade como cidadãos da mesma cidade.
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O buraco é mais em baixo.
Seria tão simples se coubesse a simplificacao grosseira de conflitos de interesses entre NIMBYs e YIMBYs.
Não, isso é uma questão com um pano de fundo político relevante.