Curitiba: 50 anos de lições do primeiro BRT do mundo
O famoso BRT de Curitiba serviu como referência para outras cidades do mundo, mas também teve que enfrentar desafios e atualizações ao longo dos anos.
Cidades do mundo inteiro estão enfrentando dificuldades ao confrontarem regulações do século XX com tecnologias do século XXI.
12 de fevereiro de 2015Para diminuir o histórico incentivo ao automóvel, a Prefeitura de São Paulo aumentou drasticamente o número de faixas exclusivas para ônibus. Por outro lado, autorizou recentemente o aumento da tarifa do transporte público, congelada desde as manifestações de 2013.
Ao perder espaço na via, o motorista paulistano mostrou descontentamento. A crítica é até compreensível, já que faixas exclusivas não são a única forma de melhorar o transporte coletivo. Pesquisa realizada pelo engenheiro de transportes Renato Arbex indica que apenas redesenhando as rotas dos ônibus é possível, com menos veículos, eliminar as baldeações e reduzir o tempo de viagem para 99% dos passageiros.
Há também formas mais inteligentes de gerir o espaço nas vias. Tanto Estocolmo, na Suécia, como Cingapura, por exemplo, implementaram pedágios urbanos que variam de preço regulando o fluxo da via de acordo com a sua demanda. Com o trânsito fluindo, a faixa exclusiva se torna menos necessária.
O MPL (Movimento Passe Livre), que liderou as manifestações de 2013, se opôs aos R$ 0,50 adicionais na tarifa. Mas a proposta do MPL de zerar a tarifa e “municipalizar” as linhas de ônibus, hoje operadas por concessões privadas, levaria à superlotação de um sistema já saturado nos horários de pico. A prefeitura, sem experiência nem incentivos para gerir bem uma nova estatal e ainda abrindo mão do valor das tarifas, gastaria muito mais do que os R$ 1,6 bilhão que subsidiam os operadores privados.
Mesmo assim, a crítica do MPL ao modelo de concessões é válida: se os operadores são protegidos de concorrência e seu lucro garantido pela prefeitura, os benefícios de operação pelo setor privado para aumentar a eficiência se corrompem. O foco do debate deveria ser a restrição a novas tecnologias e a transportes alternativos capazes de aumentar as opções de mobilidade urbana.
O táxi-lotação, que permitiria a divisão da corrida do táxi por até quatro passageiros com rotas definidas, foi recentemente vetado pela Prefeitura de São Paulo, enquanto a solução é o foco de um dos principais projetos da Prefeitura de Nova York. O objetivo lá é aproveitar melhor os táxis existentes, que costumam ter um único passageiro.
Outras alternativas novas, como os aplicativos de encomenda de caronas por smartphone, permitem um ganho real em mobilidade. Lyft e Uber, serviços deste tipo, estão consolidados em várias cidades, levando muitos dos seus usuários a aposentarem seus carros. Em São Paulo, entretanto, o Uber opera ilegalmente, enquanto sua versão carioca, o Zaznu, foi desativado por dificuldades regulatórias.
San Francisco, nos EUA, é uma das cidades mais abertas à inovação em transporte, permitindo o teste de dezenas de novas opções de mobilidade criadas por empreendedores. Além dos aplicativos de compartilhamento de caronas, é possível que micro-ônibus criem rotas de acordo com a demanda dos usuários e que ônibus fretados paguem taxas para usar as paradas públicas.
São poucas as cidades, no entanto, que permitem esse tipo de mudança. Não apenas São Paulo, mas cidades do mundo inteiro estão enfrentando dificuldades ao confrontarem regulações do século 20 com tecnologias do século 21. A opinião pública também deve ter consciência de que as soluções já existem e precisa deixar de reivindicar mudanças sobre um modelo já ultrapassado.
Tanto o setor público como os cidadãos que criticam a atual situação devem se dar conta de que a mobilidade urbana não tem uma única solução, mas, sim, várias. O que precisamos é de um ambiente que permita que elas ocorram.
Publicado originalmente na Folha de S. Paulo em 12 de fevereiro de 2015.
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