Como Copenhagen se tornou a joia do urbanismo mundial | Parte 1
Conhecida como “a cidade mais feliz do mundo”, a capital da Dinamarca é uma referência em qualidade de vida urbana. Mas nem sempre foi assim.
A criação da "Faixa 4" do Minha Casa Minha Vida só reforça as contradições que o programa sempre teve.
8 de maio de 2025Em 2025, o governo federal anunciou a criação da chamada “Faixa 4” do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), que promete beneficiar famílias com rendas mensais entre R$ 8 mil e R$ 12 mil. É impossível não notar a contradição: o programa, segundo o próprio Ministério das Cidades, visa “contribuir para a redução das desigualdades sociais”, mas vai gastar R$ 30 bilhões em recursos para atender uma faixa de renda que está dentro dos 10% mais ricos do país. Infelizmente, essa é só mais uma entre as muitas contradições que envolvem o Minha Casa Minha Vida.
Lançado em 2009, o MCMV foi incluído nos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), criado 2 anos antes, que tinha como objetivo o incentivo ao crescimento econômico e a melhoria das condições de vida da população brasileira. Assim como o antigo Banco Nacional de Habitação (BNH), criado durante o regime militar, o programa MCMV se mostrou ser “uma estratégia de dinamização da indústria da construção civil, concebida para promover uma reação econômica e para ampliar e solidificar uma base social e política”, como cita a professora Raquel Rolnik.
Dessa forma, o discurso de oferecer moradia digna à população de baixa renda e diminuir desigualdades sociais é, desde o início do programa, ofuscado diante da priorização dos interesses políticos e da construção civil. Os resultados disso ao longo dos anos são evidentes.
Leia mais: O Minha Casa, Minha Vida não é suficiente para o desafio da habitação
Um dos principais sinais é o foco no quantitativo em detrimento da qualidade da moradia. A lógica de produzir a maior quantidade de unidades habitacionais possível pelo menor custo possível culminou na escolha por terrenos distantes dos centros urbanos, que são mais baratos. Isso afastou as pessoas – especialmente as de rendas mais baixas – dos serviços e oportunidades, agravando também problemas de mobilidade urbana. O baixo valor da terra afastada vem com um alto custo de perda de qualidade de vida para as famílias, o que pode acentuar desigualdades. É o que explica o estudo “Morar Longe: o Programa Minha Casa Minha Vida e a expansão das Regiões Metropolitanas”, da FGV com o Instituto Escolhas.
Vale ressaltar que ao longo desse período pouco foi feito para a urbanização de favelas, por exemplo, uma medida que leva infraestrutura para onde as pessoas já estão ao invés de tentar transferi-las para áreas mais distantes.
Os números denunciam o cenário paradoxal que o MCMV criou. As reformulações no programa seguem levando as incorporadoras a uma “fase de ouro”, com lucros crescentes. Ainda, pressionado pelo setor da construção, o governo recentemente diminuiu recursos para o financiamento de imóveis usados, aumentando o de imóveis novos, o que pode afastar mais famílias das áreas já providas de infraestrutura e serviços. A construção civil é um ator importante na política habitacional, porém, beneficiá-la por meio de algo que é ruim para os moradores e para a cidade mostra um ofuscamento do suposto objetivo.
Enquanto isso, a acessibilidade habitacional da população está longe de uma “fase de ouro”. Em 2009, quando o programa foi lançado, o déficit habitacional no Brasil era de 5,9 milhões de domicílios. O dado mais recente, de 2022, mostra um déficit maior, de 6,2 milhões de unidades, afetando principalmente famílias da “Faixa 1”. É impossível não questionar: as 7,7 milhões de moradias que foram contratadas desde o início do programa não deveriam ter contribuído para a redução desse déficit?
O foco do MCMV na quantidade produzida pode beneficiar a construção civil e deixar o discurso político mais impactante, mas ele não parece estar se refletindo na qualidade de vida das pessoas. O programa tem mostrado que a sua intenção tem mais a ver com uma política de aceleração econômica. A acessibilidade habitacional, a redução de desigualdades e a oferta de moradia digna a quem mais precisa estão sendo, infelizmente, deixadas de lado.
Leia mais: Repensando o MCMV: estratégias para um urbanismo de qualidade
Além disso, a atual expansão do MCMV, que se baseia em oferecer juros abaixo da taxa de mercado, surge em um momento delicado de desequilíbrio fiscal das contas públicas. Isso é resultado da expansão de gastos e consequente inflação de preços que, por sua vez, gerou o gatilho para o aumento dos juros pelo Banco Central. Em um cenário de juros altos, o financiamento de imóveis se torna mais caro, desacelerando o setor da construção civil. Ironicamente, a nova “Faixa 4”, que surge para contornar esse desequilíbrio, pode piorar o cenário fiscal brasileiro e incentivar juros de mercado ainda mais altos.
A decisão de direcionar gastos públicos para a camada mais rica da população brasileira só reforça o quadro de desigualdade habitacional e vai na contramão do que o programa deveria ser. A criação da “Faixa 4” evidencia que o caminho do MCMV, que já nasceu tortuoso, está longe de se endireitar.
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O MCMV é um programa com problemas mas sem ele?
O autor deveria ser propositivo, as críticas focadas na renda são políticas e não combinam com a proposta técnica de urbanismo.
O MCVM é um programa focado em emprego e renda. O desequilíbrio de renda no Brasil não será resolvido com habitação.
Os autores são claramente contra as empresas que produzem habitação. E tem lucro (??????). Fala serio!