Como banheiros públicos ajudam a promover dignidade, inclusão e caminhabilidade
Banheiros públicos são investimentos essenciais para garantir a qualidade dos espaços públicos nas cidades.
Hayek e Jacobs nos convencem de que um planejador, por mais treinado e preparado que seja, não têm condições de assimilar e interpretar toda a informação da sociedade a ponto de tomar uma decisão eficiente em seu favor.
19 de fevereiro de 2011Desde a primeira vez que ouvi falaram sobre a relação entre Jane Jacobs e Friedrich Hayek na palestra do Sanford Ikeda sobre planejamento urbano fiquei intrigado e, já tendo lido “Morte e Vida das Grandes Cidades Americanas”, de Jacobs, somente na semana passada tive tempo de ler o célebre artigo “The Use of Knowledge in Society”, de Hayek.
A relação entre o pensamento de ambos é incrível. Friedrich Hayek e Jane Jacobs, nestas leituras, se interessam pela dispersão do conhecimento, e tentam (e conseguem) convencer o leitor de que um planejador ou um grupo de planejadores centralizado, por mais treinado e preparado que seja, não têm condições de assimilar e interpretar toda a informação da sociedade a ponto de tomar uma decisão eficiente em seu favor. Para exemplificar, coloco abaixo algumas passagens de ambos textos. Para quem já leu algum dos autores (ou ambos), tente adivinhar o autor de cada trecho (a resposta estará no final do artigo*):
[1] “Não há conhecimento que substitua o conhecimento do local do planejamento, não importa se ele é criativo, coordenado ou antecipatório.”
[2] “Sob a aparente desordem da cidade tradicional, existe, nos lugares em que ela funciona a contento, uma ordem surpreendente que garante a manutenção da segurança e a liberdade. É uma ordem complexa… Essa ordem compõe-se de movimento e mudança, e, embora se trate de vida, não de arte, podemos chamá-la, na fantasia, de forma artística da cidade e compará-la com a dança — não a uma dança mecânica, com os figurantes erguendo a perna ao mesmo tempo, rodopiando em sincronia, curvando-se juntos, mas a uma balé complexo, em que cada indivíduo e grupos têm todos papéis distintos, que por milagre se reforçam mutuamente e compõem um todo ordenado.”
[3] “A ordem complexa que apresentam — manifestação da liberdade de inúmeras pessoas de fazer e levar adiante seus inúmeros projetos — é sob muitos aspectos um grande milagre. Não devemos relutar em tornar mais compreensível esse acervo vivo de usos interdependentes, essa liberdade, essa vida por aquilo que eles são, nem ser inconscientes acerca do que representam.”
[4] “Geralmente, eles [lojistas] precisam recorrer a um abastecimento de mão-de-obra mais diversificados de fora da empresa; atendem a um mercado menor, se é que ele existe, e devem estar atentos às rápidas mudanças desse mercado.”
[5] “A maior parte da diversidade urbana é criação de uma quantidade inacreditável de pessoas diversas e de organizações privadas diversas, que têm concepções e propósitos bastante diversos e planejam e criam fora do âmbito formal da ação pública.”
[6] “É por causa disso [conhecimento de circunstâncias particulares de tempo e lugar] que praticamente todo indivíduo tem alguma vantagem sobre todos os outros porque ele possui uma informação única que pode ter um uso produtivo, porém que somente podem ser utilizada se as decisões forem delegadas a ele ou se forem feitas com a sua cooperação ativa.”
[7] “O problema econômico da sociedade não é meramente um problema de como alocar recursos ‘dados’ — se ‘dados’ significa dado a uma única mente que deliberadamente resolve o problema colocado por estas ‘informações’. É um problema de como assegurar o melhor uso para recursos que qualquer membro da sociedade conhece, para fins cuja importância apenas estes indivíduos conhecem.”
[8] “Esta não é uma disputa de se planejamento deve ser feito ou não. É uma disputa de se o planejamento deve ser feito de forma centralizada, por uma autoridade para todo sistema econômico, ou se deve ser dividida entre vários indivíduos. Planejamento na forma específica como que é usada na controvérsia contemporânea necessariamente quer dizer planejamento centralizado de todo sistema econômico de acordo com um único plano. Competição, por outro lado, significa planejamento descentralizado por várias pessoas distintas.”
Lendo os trechos acima percebemos que tanto Friedrich Hayek como Jane Jacobs mostram um tremendo entendimento da sociedade, sendo ambos críticos de sistemas autoritários de planejamento que ignoram as vontades individuais e a importância do conhecimento disperso na sociedade. Ambos autores escreveram sobre as falhas dos regimes de planejamento centralizado: Hayek sobre a impossibilidade do socialismo sem o sistema de preços e Jacobs sobre o desastre do urbanismo modernista da metade do século XX. Sendo assim, suas obras se tornaram leituras indispensáveis a qualquer um que se interesse por economia e sociologia, e tanto um quando o outro são cada vez mais respeitadas pelo pensamento mainstream.
Atualmente, a questão que mais merece a atenção destas ideias é a Internet, a maior rede de informação descentralizada que tem tido inúmeras tentativas de controle por entidades estatais, desde os Estados Unidos, com as crescentes invasões de privacidade do usuário sob a prerrogativa de proteção nacional, ao Egito, que recentemente bloqueou a internet sob ordem ditatorial para tentar impedir os movimentos que em seguida tiraram Mubarak do poder. Com certeza é um momento em que as ideias de Hayek e Jacobs devem voltar às prateleiras ou, neste caso, às telas. Senão, em breve poderemos dizer tchau ao Google, à Wikipédia, ao Facebook, ao Creative Commons, ao Tripadvisor e a muitas outras empresas praticamente indispensáveis no nosso dia a dia que se baseiam na atuação dispersa de indivíduos atuando de forma totalmente voluntária.
*As citações de 1–5 pertencem a Jacobs, as de 6–8 a Friedrich Hayek.
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