Envelhecimento solitário: é possível influenciar a socialização por meio do planejamento urbano?
Foto: Lúcio Bernardo Jr/Agência Brasília

Envelhecimento solitário: é possível influenciar a socialização por meio do planejamento urbano?

Em meio ao envelhecimento da população, precisamos pensar em como promover qualidade de vida e interações sociais nas cidades.

20 de janeiro de 2025

O envelhecimento populacional é uma das mudanças sociais mais marcantes do século 21, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil. Projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que, até 2029, o número de pessoas com 60 anos ou mais superará o de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos. Esse crescimento traz desafios significativos para a gestão do planejamento urbano, incluindo questões de solidão, mobilidade, segurança e acesso desigual a serviços básicos.

Para atender às demandas de uma população mais longeva, é necessário que o planejamento urbano integre aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Documentos como o Estatuto da Pessoa Idosa (2003) e a Política de Envelhecimento Saudável da Organização Mundial da Saúde (2020-2030) oferecem diretrizes para transformar as cidades em espaços inclusivos que promovam qualidade de vida.

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Solidão, condições habitacionais e saúde mental 

A solidão é uma realidade para muitos, afetando cerca de 33% da população mundial. No Brasil, cerca de 50% da população considera-se acometida pela solidão, e a faixa etária de 60 anos ou mais é a mais afetada, especialmente aqueles que vivem sozinhos. Conforme o IBGE, o número de domicílios unipessoais cresceu de 12,2% em 2010 para 18,9% em 2022, sendo que 28,7% deles são ocupados por pessoas idosas morando sozinhas, representando 5,6 milhões de brasileiros. O sentimento de solidão está associado a um aumento de quase 1/3 do risco de sofrer doenças cardiovasculares, como problemas de coração e derrames cerebrais, bem como o desenvolvimento de depressão, ansiedade, estresse crônico e quadros demenciais. Atualmente, cerca de 34% da população idosa brasileira apresenta sintomas depressivos, e 16% relataram solidão frequente.

Essa situação, além de influenciar negativamente o bem-estar emocional, passa a ser considerada uma questão de saúde pública. Residências afastadas de serviços essenciais, como comércios e unidades de saúde, agravam o isolamento social, especialmente em áreas urbanas com infraestrutura inadequada. Isso reforça a necessidade de um planejamento urbano que combate o espraiamento e incentiva a ocupação em áreas bem servidas de infraestrutura e com mistura de usos.

Caminhabilidade urbana, segurança e inclusão

    A caminhabilidade, ou a capacidade de os pedestres se deslocarem com conforto e segurança, é crucial para a qualidade de vida nas cidades e para as interações sociais espontâneas. Alterações físicas associadas ao envelhecimento, como redução da massa muscular e mudanças na visão, cognição, audição, olfato e equilíbrio, dificultam a mobilidade. Esses fatores elevam o risco de quedas, principal causa de hospitalizações entre pessoas com mais de 65 anos.

    No contexto da acessibilidade urbana, as calçadas devem ser projetadas com pavimentos regulares, antiderrapantes, resistentes às intempéries e livres de obstáculos, para assegurar o pleno uso por todos, especialmente por aqueles com mobilidade reduzida. Este grupo inclui não apenas pessoas idosas, mas também indivíduos com limitações temporárias ou permanentes de movimentação, flexibilidade, coordenação motora ou percepção. 

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    Calçadas mal conservadas e mobiliário urbano inadequado exacerbam as dificuldades de mobilidade e aumentam o risco de acidentes. Dados alarmantes apontam que quedas são a terceira principal causa de morte entre idosos no Brasil. O Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos revelou que 25% da população idosa em áreas urbanas sofre quedas anualmente, frequentemente resultando em fraturas e hospitalizações. 

    Calçada danificada e com obstáculos em São Paulo. Foto: Mílton Jung/FLickr

    Outro problema significativo é o tempo de travessia semafórica, geralmente inadequado à velocidade média de caminhada dos idosos, que é de aproximadamente 0,75 m/s, enquanto o padrão utilizado em cidades como São Paulo é de 1,2 m/s. Essa discrepância aumenta os riscos de acidentes de trânsito envolvendo a população idosa, uma tendência preocupante que tem crescido desde 2020. Em 2023, por exemplo, foram registradas 6.274 mortes de pessoas com 60 anos ou mais no Brasil, a maioria por atropelamentos, evidenciando a necessidade de ajustes no tempo semafórico e na qualidade da infraestrutura para pedestres. 

    Estratégias para uma cidade responsiva à longevidade

      Na obra “Cidade Caminhável”, o urbanista Jeff Speck propõe quatro condições para criar cidades caminháveis. Ao adaptá-las ao público longevo, pode-se dizer que a cidade precisa ser:

      . Proveitosa: Serviços essenciais devem ser acessíveis por caminhadas curtas e seguras, promovendo autonomia e maior independência aos moradores locais.

      . Segura: Infraestruturas devem minimizar riscos, incluindo calçadas niveladas e travessias seguras.

      . Confortável: Ambientes com sombras, bancos e áreas verdes oferecem conforto físico e psicológico.

      . Interessante: Espaços com fachadas ativas, elementos de interação social e festejos comunitários que sejam capazes de incentivar a participação cívica da pessoa idosa. 

      O urbanista Jan Gehl, em “Cidades Para Pessoas“, reforça que o planejamento urbano deve focar na perspectiva humana, criando locais de convivência que promovam interações sociais. Experiências globais evidenciam abordagens eficazes na promoção da coesão social e inclusão, como a diversidade de usos do solo, a promoção de espaços públicos de qualidade, que incentivam interações sociais espontâneas, e um sistema de transporte público eficiente e bem conectado.

      Exemplos práticos

      Em Curitiba, os semáforos inteligentes ajustam os tempos de travessia com base no fluxo e nos horários de pico, priorizando pedestres e o transporte público. Essa iniciativa permite que os idosos, que se movem em um ritmo mais lento, realizem travessias de maneira segura, reduzindo os riscos de atropelamento e promovendo maior autonomia no deslocamento.

      Instalação de semáforo inteligente em Curitiba. Foto: Prefeitura de Curitiba

      A cidade de Fortaleza implementou uma política de redução dos limites de velocidade em avenidas críticas para 50 km/h. A medida resultou em uma redução significativa de 68,1% nos acidentes fatais nas vias onde foi aplicada. Essa estratégia tem demonstrado ser eficaz na proteção de pedestres vulneráveis, especialmente idosos, ao diminuir a gravidade dos sinistros de trânsito.

      Os “Woonerven”, “Woonerf” ou “Ruas Vivas”, são um exemplo de inovação urbana originário da Holanda. Esses espaços compartilhados, projetados para priorizar pedestres e reduzir o tráfego de veículos, apresentam características como calçadas que não são rigidamente demarcadas, pavimentos diferenciados e entradas destacadas. A redução da velocidade dos veículos ocorre por fatores físicos, tornando o ambiente mais seguro e favorável à convivência comunitária.

      Barcelona implementou os “superblocos” (superblocks), uma abordagem que reorganiza o tráfego urbano para criar áreas onde pedestres e ciclistas têm prioridade. Os superblocos oferecem espaços amplos para interação social, promovendo a caminhabilidade e reduzindo a poluição sonora e do ar. Essa estratégia beneficia a população idosa ao criar ambientes mais tranquilos e acessíveis.

      Medellín, na Colômbia, destacou-se por redesenhar ruas e melhorar a conectividade entre bairros. Projetos como a instalação de escadas rolantes em áreas de difícil acesso têm integrado comunidades marginalizadas ao restante da cidade, promovendo maior coesão social e superando barreiras de segregação espacial.

      No Brasil, o programa “Cidade Amiga da Pessoa Idosa“, promovido pela OMS, tem avançado em algumas cidades, mas ainda enfrenta limitações de escala. O foco do programa é adaptar as cidades para atender melhor às necessidades da população idosa, promovendo acessibilidade e inclusão social.

      Leia mais: Design Ativo: como as cidades podem promover saúde e inclusão

      Atitudes para o presente

      Envelhecer em uma cidade requer mais do que soluções pontuais. É necessário uma gestão de planejamento urbano integrado que priorize socialização, mobilidade segura e bem-estar emocional. A conformação de bairros acessíveis, com infraestrutura adequada e suporte comunitário, são minimamente necessários para permitir que as pessoas idosas vivam com autonomia, independência, segurança e dignidade. Dessa forma, o planejamento urbano pode transformar a experiência de envelhecer em contextos urbanos ainda marcados pela solidão.

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      • Interessante o artigo de Ciro Ferrer. Compartilhei o tema em grupo de pessoas 60+ ,referindo o autor e local da publicação.
        Interessante refletir sobre a caminhabilidade.
        Sempre fui ativa ,porém com o passar dos anos ,tem sido um perigo andar sozinha pelas ruas . Parece que a cidade é feita de escadas,degraus altos ,aclives, declives e o tempo do semáforo nas largas avenidas é incompatível com um andar seguro.

      • Escrevo no Instagram sobre atividades 60+.
        Brilharaos60mais.
        Estou a disposição para desenvolver trabalhos e projetos voltados aos 60+