Podcast #105 | Arborização urbana
Confira nossa conversa com a engenheira florestal Isabela Guardia sobre arborização urbana.
7 anos após a promulgação do Estatuto da Metrópole, as Regiões Metropolitanas ainda se deparam com o desafio de se reestruturarem em um modelo de gestão compartilhada do Transporte Público.
3 de outubro de 2022No Brasil, as regiões metropolitanas, ou RMs, se configuram como uma das estruturas urbanas mais importantes do país, com mais de 100 milhões de pessoas residindo nelas. Contudo, durante décadas, elas encontraram dificuldades de serem administradas em função da falta de clareza sobre como fazer a gestão dos serviços que são compartilhados por mais de um município.
Uma das principais consequências foi a criação de um impasse sobre como deveria ser a gestão dos sistemas de transporte público urbano na região metropolitana. Isso porque, em 1988, a Constituição Federal definiu a titularidade do serviço urbano como de competência municipal e do serviço intermunicipal dos governos estaduais. Ou seja, caberia às prefeituras a gerência e a operação dos sistemas nos limites dos municípios, e aos estados ficaria a missão de gerir a conexão entre as cidades.
Embora o arranjo possa parecer óbvio e plausível, a constituição não deixou claro quem deveria fazer a gerência dos sistemas intermunicipais de características urbanas, o transporte metropolitano. Em um país onde os centros urbanos tiveram um acelerado crescimento populacional nas últimas décadas, diversas famílias foram morar em “cidades dormitório”, e passaram a se deslocar diariamente para outras cidades em busca de trabalho ou estudo, dependendo assim, do chamado transporte metropolitano.
Esse deslocamento, mesmo sendo intermunicipal (competência dos estados), tem frequência, demanda e movimentação diária de características urbanas (competência dos municípios), o que cria o impasse sobre quem seria o ente mais responsável pela gestão do serviço.
A Política Nacional de Mobilidade Urbana, em 2012, definiu esse tipo de viagem metropolitana como um “serviço de transporte público coletivo entre Municípios que tenham contiguidade nos seus perímetros urbanos”, denominando-o de transporte público coletivo intermunicipal de caráter urbano. Dizendo também que é uma atribuição dos Estados: “prestar, diretamente ou por delegação ou gestão associada, os serviços de transporte público coletivo intermunicipais de caráter urbano (…)”.
Porém, em 2015, a promulgação do Estatuto da Metrópole definiu que regiões metropolitanas deveriam se organizar em estruturas de administração, com a participação da Sociedade Civil e dos Municípios, para planejamento, financiamento e gestão de suas funções públicas de interesse comum, incluindo o transporte público.
Mesmo assim, 7 anos após a promulgação do Estatuto, poucos arranjos foram realizados no modelo definido pela Lei. Em tese, na maioria das regiões metropolitanas, o serviço continuou sendo gerenciado pelos governos estaduais, enquanto que os municípios mantiveram suas estruturas próprias de gestão dos seus sistemas a nível local.
Como na Região Metropolitana de São Paulo, onde o transporte metropolitano é operado pela Secretaria dos Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo (STM/SP), que controla o planejamento e a operação dos RMs, enquanto que, na capital, o transporte é gerenciado pela São Paulo Transporte S/A (SPTrans).
A complexidade desse arranjo, com duas modalidades distintas operando em um mesmo território, acabou criando alguns problemas, como a falta de integração física, tarifária e operacional, e a falta de participação social na tomada de decisão.
Uma das principais consequências é o aumento do custo para operação que acaba retornando com um maior custo financeiro e de tempo de deslocamento para os usuários.
Por exemplo, é comum passageiros de outras cidades, ao irem para a capital, terem que descer de um sistema e entrar em outro pagando uma nova tarifa, como também ter que utilizar múltiplos cartões de transporte de diferentes sistemas.
É possível citar também casos como o de São Paulo, em 2020, onde a prefeitura cancelou a autorização para circulação de 12 linhas administradas pela EMTU/SP, e também impediu a criação de novas linhas para a região metropolitana, alegando que os serviços iriam competir com o sistema municipal da capital.
Em outros estados do país, há situações não muito diferentes, principalmente quando divergências políticas entre governos estaduais e municipais criam barreiras institucionais para a criação de políticas de integração entre os sistemas.
Geralmente, os governos municipais, por serem estruturas de gestão bem menores do que os estaduais, acabam tendo maior capacidade de centralização de recursos, e maior poder de gestão do sistema urbano.
Além disso, as prefeituras têm maior facilidade para promover políticas públicas integradas com outras áreas, graças a instrumentos de planejamento urbano como os Planos Diretores e os Planos de Mobilidade Urbana.
No caso das administrações estaduais, é possível que se tenha arranjos que possibilitem uma melhor oferta do serviço para o usuário e uma integração com os sistemas urbanos, principalmente a partir da utilização de instrumentos presentes no Estatuto da Metrópole, como o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI), os planos setoriais interfederativos; os convênios de cooperação e os contratos de gestão. Porém, a necessidade de se estabelecer um diálogo contínuo com os municípios torna a situação muito mais complexa do que a gestão apenas no nível local.
Soma-se a isso o fato de que muitos governos estaduais não contam nem com órgãos de transporte metropolitano, o que torna ainda mais difícil estabelecer uma política contínua de integração e planejamento.
A título de exemplo, em Minas Gerais, o desmonte de estruturas públicas de gestão da mobilidade metropolitana, ainda no início da década de 1990, fez com o que o serviço fosse alocado na pasta do Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER/MG), a qual compete a gestão das estradas de rodagem do estado.
Enquanto que, em Alagoas, o órgão responsável pelo Transporte Metropolitano na atualidade é a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas (ARSAL). Em ambos os casos, em virtude das dificuldades técnicas, as políticas de integração ou são inexistentes ou são muito limitadas.
Em 2006, o Ministério das Cidades realizou um diagnóstico e identificou problemas ligados aos aspectos legais e operacionais na gestão do transporte metropolitano do país, como a falta de integração entre o serviço metropolitano e municipal, e a falta de planejamento integrado das RMs.
Em 2020, um levantamento do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) constatou que nas principais regiões metropolitanas do país, somente Goiânia e Recife tinham nos seus respectivos contratos de prestação de serviço um sistema que englobasse também os municípios vizinhos.
No caso do Grande Recife Consórcio de Transporte, antiga EMTU/Recife, o consórcio gerencia o sistema não somente da capital, como de toda a região metropolitana, sendo a sua estrutura vinculada à esfera administrativa estadual.
Mas isso só foi possível porque desde a década de 1980 o governo estadual assumiu a titularidade do serviço, o que evitou conflitos institucionais com a capital, que não chegou a constituir um sistema próprio como em outras capitais.
Seria aceitável também citar outros exemplos de regiões metropolitanas que tentam estruturar um único modelo de planejamento de gestão dos seus sistemas de transporte público, como a região metropolitana de Vitória, a partir do Sistema Transcol, e de Curitiba, em que o serviço metropolitano foi repassado à capital entre 1994 e 2015.
Embora desde aquele período o sistema tenha sido repassado novamente para o governo do Paraná, na atualidade, convênios entre a prefeitura e o estado permitem o compartilhamento de alguns terminais e estações da capital, e a assinatura de um protocolo de intenções entre a prefeitura, o estado e o governo federal busca construir um único modelo de sistema para o futuro.
Além de tudo o que foi mencionado, ainda existem dois importantes desafios que dificultam a instituição de uma governança metropolitana no transporte público. O primeiro deles diz respeito ao compartilhamento da gestão entre o estado, os municípios e a sociedade civil, e o segundo diz respeito ao financiamento compartilhado por todos os entes do planejamento e a operação do sistema.
Ambos os casos são obrigações presentes no Estatuto da Metrópole, que junto com a elaboração do PDUI, formaria as chamadas “gestões plenas” das regiões metropolitanas.
No que se refere ao compartilhamento da gestão dos serviços de interesse comum entre os municípios, tanto o Estatuto da Metrópole quanto o Supremo Tribunal Federal definem que não se pode existir concentração de poder e de financiamento em um único ente, seja ele o Estado ou os Municípios.
Assim, as regiões metropolitanas deveriam formalizar estruturas de gestão compartilhada, com instâncias deliberativas (Conselhos), envolvendo os governos estaduais, municipais e a sociedade civil. Entendimento esse que se manteve presente no Estatuto da Metrópole, acompanhado da necessidade de compartilhamento de investimentos entre os municípios e os governos estaduais.
Para o caso do compartilhamento de investimentos, entende-se aqui como quem deve pagar a conta. Ou seja, segundo entendimento da legislação, o financiamento não deve ser centralizado em um único ente, e sim compartilhado por todos, de modo que não ocorra uma centralização de poder seja por parte dos governos estaduais ou dos municípios.
Todavia, os governos estaduais acabaram assumindo todo o financiamento do serviço, enquanto que os municípios apresentaram resistência em aderir a um modelo de gestão compartilhada, principalmente por causa da necessidade de ter que financiar a operação do sistema e auxiliar na tomada de decisão.
Como exemplo, podemos regressar para o caso do Consórcio do Grande Recife, onde na atualidade mesmo contando com a participação de todos os municípios, apenas Recife e Olinda ratificaram sua adesão. Porém, ambos nunca realizaram aporte no sistema, sendo todo o financiamento realizado até o presente momento pelo governo estadual.
Por fim, superados todos esses desafios, é preciso observar também a Integração com as demais políticas setoriais presentes na região metropolitana, sejam elas regionais ou municipais. Nesse caso, a elaboração do instrumento máximo de planejamento metropolitano, o PDUI, torna-se algo essencial.
Esse instrumento, segundo o Estatuto da Metrópole, “estabelece, com base em processo permanente de planejamento, viabilização econômico-financeira e gestão, as diretrizes para o desenvolvimento territorial estratégico e os projetos estruturantes da região metropolitana e aglomeração urbana”.
Em paralelo, é preciso também acompanhar as revisões dos planos diretores municipais e olhar com mais atenção ainda os planos de mobilidade dos municípios. Estes planos, obrigatórios para todos os municípios das regiões metropolitanas, devem seguir macrodiretrizes de planejamento urbano e serem compatibilizados com o PDUI, quando este estiver aprovado.
Isso demanda também o fortalecimento das estruturas técnicas-consultivas de planejamento metropolitano, pois só elas são capazes de integrar as diversas políticas setoriais existentes no país nas RMs, desde o Estatuto da Cidade, até a Política Nacional de Mobilidade Urbana e o Estatuto da Metrópole.
Diante de tantos desafios, questiona-se então se é possível vislumbrar nas regiões metropolitanas, a curto prazo, um cenário de total integração no sistema de transporte público. Começaremos a ter ideia dessa resposta a partir do dia 2 de outubro de 2022, quando os brasileiros irão às urnas para eleger 27 novos governadores.
Porque se existe uma conclusão importante para esse texto é a relevância do papel dos governos estaduais na estruturação da política de transportes regional nas regiões metropolitanas do país.
E como já apontado por José Antônio Apparecido Junior e Victor Carvalho Pinto, planejamento urbano não pode ser assunto apenas dos municípios ou da União — falta presença firme do poder estadual.
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiarConfira nossa conversa com a engenheira florestal Isabela Guardia sobre arborização urbana.
Na perspectiva do desenvolvimento econômico, vemos que alguns aspectos da configuração urbana de São Paulo são excludentes.
Banheiros públicos são investimentos essenciais para garantir a qualidade dos espaços públicos nas cidades.
A pesquisa em Belo Horizonte mostra que muitas resistências comuns às ciclovias são, na verdade, equivocadas e sem fundamento.
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Com o objetivo de impulsionar a revitalização do centro, o governo de São Paulo anunciou a transferência da sua sede do Morumbi para Campos Elíseos. Apesar de ter pontos positivos, a ideia apresenta equívocos.
Confira nossa conversa com Diogo Lemos sobre segurança viária e motocicletas.
Ricky Ribeiro, fundador do Mobilize Brasil, descreve sua aventura para percorrer 1 km e chegar até a seção eleitoral: postes, falta de rampas, calçadas estreitas, entulhos...
Conhecida por seu inovador sistema de transportes, Curitiba apresenta hoje dados que não refletem essa reputação. Neste artigo, procuramos entender o porquê.
COMENTÁRIOS