Por que Nova York está em uma “emergência habitacional” há 80 anos?
Entenda a história da persistente crise de acessibilidade habitacional em Nova York e as possíveis soluções para o problema.
Confira como as grandes cidades encaram a pichação e entenda quais são as maneiras alternativas de se lidar com essa questão.
12 de maio de 2018Qual é a diferença entre pichação e graffiti? Do ponto de vista da lei, pichação é a pintura feita sem a autorização do proprietário ou gestor do imóvel, enquanto o graffiti é a prática autorizada. Do ponto dos indivíduos, entretanto, a fronteira entre as duas classificações é bastante porosa — em geral, os grafiteiros são ou já foram pichadores em algum momento, motivo pelo qual prefiro usar os termos aglutinados: pichação/graffiti e pichadores/grafiteiros. Em linhas gerais, para o Estado o que está em jogo na classificação é a questão do direito à propriedade. Para os pichadores/grafiteiros, são as questões estéticas e de reconhecimento.
Também podemos enxergar a pichação/graffiti de uma ótica mais ampla: a vida urbana. Em “As Grandes Cidades e a Vida do Espírito”, livro clássico na área de antropologia urbana, George Simmel encara as grandes cidades como o palco principal do espírito calculador, do hábito de planejar o dia. Segundo Simmel, um dos grandes desafios dos habitantes das grandes cidades é demonstrar suas peculiaridades, sua personalidade, frente à indiferença e impessoalidade dos afazeres cotidianos. Isso se apresenta em fenômenos urbanos contemporâneos específicos, principalmente aqueles que com frequência são considerados “exóticos”, “bizarros” ou “sem sentido”, como, por exemplo, a pichação. No documentário “Pixo”, sobre a pichação em São Paulo, um dos pichadores suporta a tese de Simmel ao dizer que “a pichação é a arte que carrega toda a energia da metrópole: tem o egoísmo, a perversidade, o querer atingir o inatingível, ser o melhor”.
Ao observar e conversar com pichadores/grafiteiros de Santa Maria, cheguei à conclusão de que é possível pontuar, mesmo que genericamente, as motivações para a prática da pichação/graffiti em quatro tendências:
1 – Busca por adrenalina, os prazeres da transgressão;
2 – Busca por amizade, reconhecimento, status e marcação de território;
3 – Vontade de expressar-se e/ou protestar;
4 – Aspiração profissional e/ou fonte de renda.
Nas três primeiras, há um grande investimento de tempo e esforço físico, além dos riscos físicos (quando se trata de escaladas em grandes prédios) e possíveis problemas com a polícia. Além disso, como bem sabemos, grande parte da opinião pública abomina as pichações, e o poder público tende a lidar com a questão por meio da coerção policial. Em certos casos, como pude observar em Santa Maria, operações especiais anti-pichação (Operação Cidade Limpa, em 2012, e Operação Rabisco, em 2013) levadas a cabo pela polícia — com mandados de busca e apreensão na casa dos suspeitos — acabam tendo efeito reverso, fortalecendo ou instigando os grupos de pichadores. No período entre 2012 e 2015 a cidade de Santa Maria acompanhou o boom da pichação e passou a figurar entre as mais pichadas do país.
Já a quarta maior motivação dos pichadores/grafiteiros, aspiração profissional e/ou fonte de renda, mostra que há nichos de mercado em torno da prática. Abre-se, assim, espaço para outros olhares e maneiras de lidar com a questão. Foi seguindo uma lógica mais econômica que de coerção policial que, em meados de 2015, aconteceu a Operação Solvente e a Campanha Santa Maria do Bem, que implementaram a lei que aumentou o valor das multas aplicadas aos pichadores, de R$100 para em torno de R$3.000, podendo chegar a mais de R$5.000 em casos de reincidência. Ao mesmo tempo, as campanhas aumentaram o número de indivíduos e instituições dispostos a remunerar os pichadores/grafiteiros para fazerem pinturas e desenhos autorizados. Essas medidas resultaram, de fato, no enfraquecimento da prática ilegal. Soma-se a isso o fato de que os pichadores/grafiteiros mais consagrados, com o passar dos anos de prática, começaram a dar preferência às atividades remuneradas do que à transgressão.
São várias as possibilidades de lidar com a pichação/graffiti além da coerção estatal. Paris e Berlim são bons exemplos de cidades em que as cores e os riscos espalhados pelos muros flertam com o mercado, sendo ressignificados como street art e incorporados pelos moradores, conferindo identidade a certos bairros.
O L’Aerosol, na capital francesa, funciona como uma espécie de templo da cultura urbana. Local de exposições para profissionais e amadores, este espaço cultural abriga também um museu dedicado ao graffiti/pichação, promove oficinas de graffiti para um público de todas as idades e conta ainda com uma estrutura que inclui food trucks, mesas de jogos e pistas — tudo isso dentro da estética street art. Já no bairro de Belleville, também em Paris, os muros e fachadas estão liberados para receberem as cores e rabiscos, compondo o ambiente e agregando valor turístico e imobiliário à região. No bairro Kreuzberg, em Berlim, graffiti/pichação também é uma modalidade de turismo urbano, recebendo até cursos de fotografia especializados nas pichações/graffitis.
Possibilidades não faltam. Bares, pubs e cafés podem ter “paredes mutantes”, destinadas a serem riscadas pelos frequentadores. Modalidades de turismo urbano podem incluir as principais pichações/graffiti como atração em seus itinerários. Aplicativos de celular voltados para registro, compartilhamento de fotos e mapeamento de lugares pichados/grafitados; marcas de roupas e acessórios que se utilizem de imagens de pichações/graffiti consagradas da cidade como estampa.
No caso das cidades brasileiras em que o fenômeno da pichação é intenso (São Paulo, Campinas, Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, Pelotas, Santa Maria), essas possibilidades heterodoxas de lidar com os rabiscos e cores seguem em aberto, ainda pouco exploradas, à espera da criatividade e da ousadia de empreendedores atentos às oportunidades sinalizadas por esse caos planejado das cidades. Empreendimento arriscado e controverso, certamente, mas afinal de contas por que não apostar naquilo que a vida urbana tem de mais ambivalente?
Rodrigo Nathan Romanus Dantas é mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e desenvolve pesquisas na área de Antropologia Urbana. Seu texto, reproduzido aqui, foi um dos vencedores do Concurso de Artigos do Caos Planejado.
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiarEntenda a história da persistente crise de acessibilidade habitacional em Nova York e as possíveis soluções para o problema.
O programa de Ruas para Crianças tem transformado a realidade do bairro do Jordão, em Recife, melhorando ruas e criando espaços públicos.
Se os condutores jovens são os que mais causam acidentes e os mais aptos a usar outros tipos de transporte, quais poderiam ser os efeitos de um aumento da idade mínima para dirigir?
Entenda quais são as soluções de planejamento, governança, parcerias e implementação técnica de projetos que fazem da Holanda uma referência em adaptação climática.
A pesquisa do Instituto Corrida Amiga revela vários desafios e falhas nos tempos para a travessia de pedestres nas cidades, que são, muitas vezes, insuficientes.
Adis Abeba, capital da Etiópia, tenta transformar sua mobilidade urbana por meio do desenvolvimento de corredores de transporte, incentivando o andar a pé, a bicicleta e o transporte coletivo.
Confira nossa conversa com Osmar Lima sobre os desafios da gestão do patrimônio de imóveis públicos no Brasil.
Após o mês do movimento de conscientização para a redução de acidentes de trânsito, precisamos refletir sobre como temos lidado com esse problema.
Em seu desenvolvimento urbano, Manaus virou as costas para suas águas. Isso se tornou um problema para o seu presente e o seu futuro.
COMENTÁRIOS