Design Ativo: como as cidades podem promover saúde e inclusão
Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades

Design Ativo: como as cidades podem promover saúde e inclusão

Conheça a estratégia que visa incentivar o movimento e a atividade física no cotidiano das pessoas por meio do planejamento do espaço urbano.

16 de dezembro de 2024

A urbanização crescente e o envelhecimento populacional têm colocado as cidades no centro das discussões sobre qualidade de vida, saúde pública e acessibilidade. Nesse contexto, o conceito de Design Ativo, desenvolvido inicialmente nos Estados Unidos em 2010, surge como uma estratégia para reconfigurar o ambiente urbano de forma a incentivar a prática de atividades físicas e, consequentemente, combater os desafios relacionados ao sedentarismo e às doenças crônicas não transmissíveis. 

No Brasil, a necessidade de aplicar esses princípios é evidente, considerando o crescimento da população idosa, a alta taxa de urbanização e os índices alarmantes de inatividade física. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que 15,8% dos brasileiros têm 60 anos ou mais, proporção que ultrapassará o número de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos até 2030. Além disso, 87,4% da população reside em áreas urbanas, onde seis em cada dez brasileiros não atingem os níveis mínimos de atividade física recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 150 a 300 minutos de atividade aeróbica moderada a vigorosa por semana. Tal cenário acentua os riscos de mortalidade precoce e a incidência de doenças como diabetes, obesidade e depressão, gerando impactos significativos na saúde pública e na produtividade.

Leia mais: Cidade ativa: o que Amsterdã pode ensinar sobre saúde e mobilidade?

Transformando cidades em ambientes ativos

O Design Ativo propõe facilitar o movimento humano no cotidiano, promovendo saúde física, mental e social. Para isso, diretrizes como as elaboradas no documento Active Design Guidelines: Promoting Physical Activity and Health in Design, da cidade de Nova York, servem de referência na criação de ruas, edificações e espaços urbanos acessíveis e inclusivos. Além disso, o documento converge com as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana e do Ministério das Cidades, que enfatizam tanto os transportes públicos quanto os deslocamentos ativos. 

Os principais pilares dessa abordagem incluem:

1. Organização espacial e transporte vertical

A configuração do espaço urbano e dos edifícios desempenha papel crucial na promoção de deslocamentos dinâmicos. O posicionamento central e atraente de escadas e rampas incentiva seu uso, enquanto elevadores e escadas rolantes são relegados a posições secundárias, preservando a acessibilidade para aqueles com necessidades específicas. Esses elementos devem incorporar rampas suaves, pisos antiderrapantes e sinalização tátil, garantindo segurança e equidade. 

No contexto brasileiro, Fortaleza se destaca como referência em iniciativas de mobilidade urbana alinhadas aos princípios do Design Ativo. Entre 2012 e 2024, a infraestrutura cicloviária da cidade apresentou um crescimento expressivo de 529%, totalizando 427,9 km de ciclovias, ciclofaixas, ciclorrotas ou passeios compartilhados distribuídos pelas diversas regionais da capital. Segundo o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil), Fortaleza lidera entre as capitais brasileiras no índice de proximidade da população às infraestruturas cicloviárias, com 51% dos habitantes residindo a menos de 300 metros de alguma via ciclável.

Ciclovia em Fortaleza. Foto: Mariana Gil/WRI Cidades Sustentáveis

A redução de limites de velocidade nas vias e o fortalecimento de espaços exclusivos para pedestres também tornam o ambiente urbano mais seguro e convidativo, levando em consideração que os sinistros de trânsitos no país foram de 29.435 mil, resultando em 85.549 mil pessoas envolvidas e 2.906 mil mortes nas rodovias federais de janeiro a junho de 2024.

2. Iluminação e qualidade sensorial

A iluminação desempenha um papel crucial na funcionalidade e na qualidade dos espaços urbanos. A luz natural, frequentemente integrada a elementos biofílicos – como áreas verdes e jardins –, não apenas orienta o deslocamento, mas também contribui significativamente para o bem-estar psicológico dos usuários. Em ambientes internos, como metrôs, a presença de iluminação adequada em corredores e escadas os torna mais atrativos e seguros, incentivando sua utilização.

Infraestruturas complementares, como bicicletários e bebedouros estrategicamente posicionados, desempenham um papel importante na promoção de hábitos ativos. Essas intervenções, quando incorporadas ao planejamento urbano, qualificam a experiência dos pedestres e ciclistas, incentivando um número maior de pessoas a adotar práticas saudáveis, como caminhar ou pedalar. Além disso, o conforto acústico e visual são essenciais para aprimorar a experiência urbana e promover uma utilização contínua dos espaços.

3. Mobiliário e espaços de convivência

O mobiliário urbano, além de sua função básica, atua como ferramenta de incentivo ao movimento e à interação social. Bancos dispostos em parques e praças, por exemplo, promovem encontros e fortalecem a coesão comunitária. Áreas de descanso distribuídas em longos percursos favorecem a circulação ativa e ampliam a acessibilidade.

Calçada com bancos em uma rua de Fortaleza. Foto: Mariana Gil/WRI Cidades Sustentáveis

4. Conforto térmico e qualidade do ar

O controle do microclima urbano também é necessário para criar condições adequadas ao movimento. Em ambientes externos, soluções como arborização e fachadas verdes ajudam a mitigar o calor e melhorar a qualidade do ar. Estudos indicam que um aumento de 30% na cobertura arbórea pode reduzir a temperatura local em até 0,4°C.

Pesquisas realizadas por Paulo Saldiva indicam que apenas 1h de exposição ao trânsito em São Paulo equivale à inalação de poluentes comparável ao consumo de cinco cigarros. Essa realidade expõe a necessidade de priorizar estratégias que reduzam as emissões de veículos motorizados, como o fortalecimento do transporte público e a promoção de modais ativos.

5. Aprendizagem e desenvolvimento cognitivo

A conexão entre atividade física e funções cognitivas destaca a relevância do Design Ativo na construção de uma urbanidade que fomenta tanto o movimento quanto o aprendizado contínuo. Evidências científicas demonstram que exercícios espontâneos aprimoram processos atencionais, memorização e retenção de informações, especialmente em ambientes arborizados ao ar livre. Pesquisas reiteram esses achados, indicando que a prática regular de atividades físicas ao longo da vida está associada ao fortalecimento da reserva cognitiva e à redução do risco de demências, como a Doença de Alzheimer, em idades avançadas. Assim, os ambientes urbanos transformam-se em catalisadores de estímulos cognitivos e interações sociais, capazes de promover criatividade, exploração e qualidade de vida em todas as idades. 

Leia mais: Como tornar uma cidade amigável para os idosos?

Oportunidades e desafios

O Design Ativo redefine as cidades ao transcender a funcionalidade tradicional, integrando movimento, saúde e inclusão de maneira articulada e sustentável. Ao combinar estética, acessibilidade e estratégias ambientalmente responsáveis, essa abordagem posiciona o espaço urbano como um catalisador de transformação social e melhoria da qualidade de vida. No contexto brasileiro, onde o envelhecimento populacional e o sedentarismo se apresentam como desafios críticos, a adoção desses princípios promove não apenas o bem-estar físico e mental, mas também a construção de um futuro urbano mais inclusivo, dinâmico e equitativo.

É fundamental reconhecer, entretanto, que cada cidade possui demandas específicas, contextos estruturais distintos e escalas variadas. Nesse sentido, atualizações das diretrizes urbanísticas, aprimoramentos nos processos de concepção, execução e manutenção de infraestruturas, além da ampliação de intervenções de Design Ativo adaptadas às necessidades locais, são imprescindíveis para garantir a efetividade e a resiliência dessas iniciativas.

Ciro Férrer Herbster Albuquerque é arquiteto e urbanista, pós-graduado em Neurociência, Gerontologia e Neuroarquitetura. É mestrando no Programa de Arquitetura, Urbanismo e Design, Linha de Pesquisa de Planejamento Urbano e Direito à Cidade, do PPGAU+D, na Universidade Federal do Ceará (UFC).

Sua ajuda é importante para nossas cidades.
Seja um apoiador do Caos Planejado.

Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.

Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.

Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.

Quero apoiar

LEIA TAMBÉM

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.