Aprendendo com o urbanismo de Curitiba | Dias 3 e 4
Encerrando esta série, relatamos os últimos dias da Missão Urbanística Caos Planejado, conhecendo espaços públicos, o sistema de transporte coletivo e a atuação da iniciativa privada em Curitiba.
Quer saber se uma cidade está prosperando? Comece com uma ida ao banheiro.
6 de novembro de 2025Sejamos honestos: banheiros públicos não são espaços glamourosos. Raramente aparecem como destaque em planos diretores ou projetos urbanos, e muitas cidades os tratam apenas como uma necessidade utilitária ao invés de uma amenidade em parques, terminais de transporte ou outros espaços de convivência. Mas essas instalações têm um impacto significativo na forma como moradores e visitantes percebem a cidade: elas influenciam diretamente a sensação de acolhimento e, em alguns casos, tornam-se um atrativo por si só, convidando as pessoas a permanecerem mais tempo no local.
Os banheiros públicos são, na verdade, uma das ferramentas mais subestimadas do planejamento urbano — e, ao mesmo tempo, um dos indicadores mais simples de vitalidade urbana. Se uma cidade consegue manter seus banheiros limpos, seguros e funcionais, é sinal de que provavelmente está acertando em muitas outras coisas também. Por outro lado, banheiros negligenciados transmitem uma mensagem clara de que os espaços públicos não são prioridade, ou sinalizam aos cidadãos que eles não devem permanecer ali.
Em um momento em que as cidades buscam priorizar investimentos em revitalização, caminhabilidade e placemaking, acreditamos que o humilde banheiro público merece voltar a ter uma atenção especial.
Leia mais: Como banheiros públicos ajudam a promover dignidade, inclusão e caminhabilidade
Em nossos projetos de parques, áreas de entretenimento e outros espaços públicos em todos os Estados Unidos, observamos uma lição recorrente: banheiros transmitem mensagens poderosas aos usuários. Quando são bem geridos e agradáveis, comunicam aos visitantes e moradores que o entorno é seguro, digno e bem cuidado.
Os banheiros criam fortes primeiras impressões. São tão importantes (ou até mais) em novos projetos quanto na requalificação de espaços existentes. O recém-inaugurado Gatton Park, ao longo do Town Branch, em Lexington, Kentucky, por exemplo, colocou intencionalmente como meta construir os melhores banheiros públicos da região, para sinalizar que os visitantes teriam uma experiência de parque de alto padrão.
Outro estudo de caso de requalificação é o Bryant Park, em Nova York. Antes degradado e pouco frequentado, o parque hoje é um dos espaços verdes urbanos mais bem-sucedidos do país. Embora boa parte do sucesso se deva a um conjunto de estratégias de redesenho, programação e gestão, os banheiros tiveram um papel importante na catalisação e sustentação dessa revitalização no longo prazo.

Os visitantes do Bryant Park encontram banheiros consistentemente limpos, bem abastecidos e decorados com flores frescas. Há funcionários no local para garantir a manutenção dessas condições e gerenciar o fluxo de pessoas, criando uma experiência fluida para os usuários. O resultado é notável: muitas pessoas visitam o parque especificamente para usar os banheiros e acabam ficando mais tempo, aproveitando o Wi-Fi gratuito ou as amenidades e atividades culturais. Os banheiros do parque aparecem frequentemente em listas e fóruns de “melhores banheiros públicos dos EUA”.
Esse exemplo está longe de ser trivial: ele é um modelo de como serviços essenciais, quando bem administrados e tratados com cuidado, podem mudar a percepção pública e transformar espaços urbanos para que as pessoas continuem querendo voltar várias vezes.
Nem todas as estratégias para banheiros públicos são bem-sucedidas ou financeiramente eficientes. Em São Francisco, a prefeitura ganhou destaque nas manchetes ao gastar quase 2 milhões de dólares em um único banheiro público. Apesar das boas intenções, a iniciativa viralizou e gerou indignação entre contribuintes e comentaristas em todo o país. Esse caso se tornou um exemplo de alerta: infraestruturas superdimensionadas ou superfaturadas podem corroer a confiança pública ao invés de fortalecê-la. Nessa situação, o ceticismo foi muito grande, e mesmo após a prefeitura conseguir reduzir o custo para cerca de 300 mil dólares, o estrago na reputação já estava feito.
A lição aqui é clara: criar e manter banheiros públicos de forma eficaz não precisa ser algo exagerado. Isso é fundamental, porque manter funcionários em tempo integral ou flores frescas é inviável para a maioria das cidades. Gestores e planejadores urbanos devem priorizar instalações funcionais, seguras e fáceis de manter, com planos claros de operação e manutenção. Sem esses elementos, até o melhor dos banheiros vai fracassar.
Um bom exemplo de como investimentos modestos, porém bem pensados, podem funcionar é o do Westwood Park, em Los Angeles, próximo ao campus da UCLA. A cidade precisava atender à demanda por banheiros próximos a um parquinho e a campos de futebol, mas enfrentava resistência pública por causa de preocupações com pessoas em situação de rua e custos de manutenção. A solução foi instalar um banheiro público automatizado, que nesse caso não foi só acessível, mas também sustentável para a equipe do parque manter. A instalação equilibra as necessidades da comunidade com a realidade operacional da manutenção no longo prazo, recebendo ótima avaliação dos moradores.
Olhando para fora dos Estados Unidos, países como o Japão oferecem modelos inovadores de design de banheiros públicos que fortalecem a confiança pública. Em Tóquio, os banheiros são tratados como uma infraestrutura pública essencial, recebendo a mesma atenção que o transporte coletivo ou o desenho das ruas. As instalações são meticulosamente mantidas, com amenidades, conforto sensorial e tecnologia avançada, estabelecendo um padrão universal de limpeza e facilidade de uso. Esses exemplos reforçam as importantes vantagens de tratar banheiros como um bem público compartilhado, e não como uma mera obrigação.

A Agora Partners colaborou recentemente com líderes municipais no distrito turístico de Old Sacramento, na Califórnia, para reavaliar a estratégia dos banheiros públicos. A iniciativa fazia parte de um esforço mais amplo de reposicionamento de imóveis públicos, incluindo edifícios comerciais e áreas abertas, com o objetivo de fortalecer o ecossistema de varejo local e avançar nas metas de desenvolvimento econômico da cidade.
O projeto reforçou uma convicção importante: banheiros não são instalações isoladas — eles são oportunidades para prolongar o tempo de permanência das pessoas nos espaços e aumentar o engajamento com o destino. Ao garantir que turistas e moradores tenham acesso a banheiros limpos e seguros, a prefeitura estimula o uso mais intenso e prolongado dos espaços, e as pessoas exploram o comércio, a gastronomia e as atrações culturais.
Leia mais: Por que precisamos de espaços de convivência e como criá-los
Esse trabalho inicial em Sacramento também ilustra a importância de aliar estratégias de design, operação e governança. Não é que os banheiros, por si só, consigam resolver os problemas dos espaços públicos — as instalações físicas são apenas uma parte da equação. Questões como funcionários, manutenção e monitoramento constante para garantir padrões consistentes são cruciais, assim como a escolha de materiais e equipamentos adequados para criar uma experiência de qualidade. Mas essa iniciativa fornece um lembrete importante que os urbanistas devem internalizar: as operações sustentáveis precisam estar incorporadas às decisões de projeto desde o início para garantir o seu sucesso.
Os exemplos acima têm um ponto em comum: reconhecem que criar banheiros públicos bem-sucedidos vai muito além da conveniência. Trata-se, antes de tudo, de construir e manter a confiança pública. Quando as cidades tratam seus espaços públicos com o respeito e a atenção que eles merecem, elas transmitem uma mensagem clara de que as pessoas que os utilizam são valorizadas.
Isso traz implicações diretas para o trabalho dos urbanistas:
Leia mais: Dias Perfeitos e a ode aos banheiros públicos de Tóquio
Por tempo demais, os banheiros públicos foram negligenciados nas conversas sobre planejamento urbano, vistos como um fardo e não como um ativo público essencial. Mas, à medida que as cidades competem para atrair moradores, trabalhadores e visitantes, esses espaços representam uma infraestrutura estratégica para gerar confiança, fortalecer a segurança urbana e até impulsionar o desenvolvimento econômico.
Cidades que investem em banheiros limpos, seguros e bem projetados não estão apenas oferecendo um serviço básico: estão criando as condições para espaços públicos vibrantes, onde as pessoas podem ficar mais tempo, se conectar e participar de forma mais significativa da vida urbana.
A verdade é simples: se você quer saber se uma cidade está prosperando, talvez o melhor lugar para começar seja visitando seus banheiros públicos.
Artigo publicado originalmente em Planetizen, em setembro de 2025.
Para saber mais sobre como o planejamento urbano deve focar na qualidade dos espaços públicos, conheça o curso “Do Planejamento ao Caos“.
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiarEncerrando esta série, relatamos os últimos dias da Missão Urbanística Caos Planejado, conhecendo espaços públicos, o sistema de transporte coletivo e a atuação da iniciativa privada em Curitiba.
No segundo dia da Missão Urbanística do Caos Planejado, visitamos o IPPUC, órgão responsável pelo planejamento da cidade, e conhecemos mais sobre a história e o legado de Jaime Lerner na cidade.
Confira os principais aprendizados da nossa Missão Urbanística, viagem de estudos urbanos do Caos Planejado para Curitiba. No primeiro dia, conhecemos o projeto Bio Favela e visitamos algumas comunidades da cidade.
Quando todos perdem tempo, alguém precisa repensar o sistema.
"O Brasil ainda não se deu conta do tamanho do impacto dos carros autônomos".
Precisamos de mais algumas cidades de verdade. Como podemos consegui-las?
O holandês Aldo van Eyck levantou mais de 700 parques infantis enquanto esteve na gestão pública de Amsterdã. As intervenções eram simples e completamente integradas ao entorno.
Leia e assine o manifesto em defesa dos arquitetos(as) e urbanistas populares que atuam nas cidades brasileiras.
Helsinque, capital da Finlândia, recentemente alcançou um feito inédito: passar um ano inteiro sem registrar nenhuma morte no trânsito. O que podemos aprender com isso no Brasil?
COMENTÁRIOS