Exercício de cidadania: 10 anos da Associação Parque Minhocão
Associação Parque Minhocão busca transformar o Elevado Presidente João Goulart em São Paulo em um parque urbano, enfrentando desafios.
Ao contrário do que parece, as aglomerações de pessoas são inerentemente boas, não ruins.
28 de dezembro de 2012Muitos tentam nos convencer que as grandes aglomerações de pessoas — cidades — geram as mazelas da humanidade: pobreza, poluição, destruição da natureza e desigualdade social. Talvez o início da organização deste pensamento tenha vindo desde o século XVIII, com o conceito do “bom selvagem”, criado por europeus que já viviam em sociedades urbanizadas e idealizavam comunidades americanas que pouco haviam interferido no meio natural. Friedrich Engels, parceiro na elaboração das teorias marxistas, também tangencia o ideal anti-urbano na metade do século 19 ao escrever um livro denunciando as condições da classe trabalhadora nas cidades inglesas, as primeiras a engajarem na revolução industrial. Tratando-se da avaliação do primeiro grande catalisador de êxodo rural pelo mundo, a obra é considerada uma das mais influentes no sentido de despertar o interesse do estudo do urbanismo.
Maioria das teorias urbanas que foram elaboradas, estudadas e executadas até hoje caminharam no sentido de criar espaços para a permanência de humanos que tentam fugir da noção de cidade como uma densa aglomeração de pessoas, desde Ray Unwin, influente urbanista inglês que projetou o Jardim América, em São Paulo, aos modernistas da ala de Le Corbusier, pregando a densidade com torres isoladas em meio a um grande parque: ideias implementadas em Brasília por Lúcio Costa.
Virgina Lee Burton, escritora do best-seller infantil “The Little House” nos anos 50, que ainda foi adaptado para um filme da Disney, é considerada por muitos uma fonte influente do movimento ambientalista anti-urbano norteamericano, com a história de uma casinha que, ao ser englobada por arranha-céus, sofre com poluição e barulho constantes. O sucesso da história nas salas de aula de primário rendeu uma adaptação para um curta-metragem da Disney.
No Brasil, as raízes desta mesma corrente ambientalista vêm desde antes da ditadura militar, reagindo à políticas que tentavam “estimular a economia” em grande parte com desenvolvimento urbano financiado pela inflação monetária e a promoção de de grandes obras públicas — notadamente grandes rodovias intra e interurbanas, a ocupação de territórios no interior do país e até mesmo a construção de cidades inteiras — o notável caso de Brasília. Este contexto histórico e cultural levou o observador local a ver as cidades e o desenvolvimento de cidades ligado à problemas sociais.
Da mesma forma, principalmente após a industrialização, o êxodo rural sempre foi visto como algo ruim por maioria da população brasileira com consciência social: o que é ensinado nas escolas desde as primeiras séries é que os pobres agricultores sofreram muito migrando para as cidades e sobrevivendo com o que chamamos de “subemprego”, como catadores de lixo, camelôs e flanelinhas.
Alguns ainda ensinam que deveríamos apoiar políticas públicas que subsidiem pequenos agricultores que tem baixa produtividade, evitando a emigração dessa população para as cidades. Entretanto, não devemos esquecer que esta é a teoria usada pela ditadura comunista da China da atualidade, onde o governo literalmente tira a liberdade seus cidadãos mais pobres (normalmente das áreas rurais) de se mudarem para centros urbanos para evitar uma “urbanização desplanejada”, e somente os politicamente influentes acabam usufruindo deste direito.
Não havendo políticas de restrição física para migração dentro do país, como na China, o trânsito de cidadãos entre a zona rural e as cidades é livre, e felizmente no nosso país cada um tem o direito de decidir qual município considera um ambiente melhor para se viver. Sim, a chegada na cidade é difícil para muitos, mas é uma decisão tomada pela dificuldade ainda maior de se viver no campo onde, sem tecnologias suficientes, estas pessoas vivem à mercê do tempo e da qualidade do solo para sua sobrevivência — quando tem a sorte de serem proprietárias de uma parcela de terra.
Depois de alguns anos de explosão demográfica nas cidades brasileiras, muitos dos imigrantes urbanos começaram a mandar dinheiro de volta para suas casas, o que incentivou ainda mais o êxodo rural durante a época da ditadura, que já criava incentivos artificiais de industrialização em algumas regiões enquanto planejava as cidades de cima para baixo.
Ainda por cima, nossos governantes tinham como projeto o automóvel individual como principal meio de transporte — um bem extremamente inacessível para aqueles que vinham de fora. Conflitos, pobreza, criminalidade e poluição aumentam rapidamente e os moradores urbanos começam a culpar os imigrantes rurais e a rápida urbanização, desconhecendo o planejamento urbano corrupto e centralizado que administrava todo este processo de urbanização.
As leis vigentes obrigam os novos moradores a ficarem nas periferias pela dificuldade de construção adicional nos centros, longe dos seus trabalhos e dos olhos do governo, que ainda faz vista grossa à construção de infraestrutura e de regulações construtivas, interferindo apenas quando há interesse em grandes projetos e investimentos nessas regiões. Fazendo um paralelo claro com as cidades britânicas de mais de 100 anos atrás, não é o êxodo rural em si ou as cidades em si o problema, mas sim a forma que as cidades receberam as pessoas que vieram do campo.
A revista Veja, em 2001, representou, de certa forma, um reflexo da opinião geral da elite urbana brasileira com o título “O cerco da periferia”, com desenho das construções informais das periferias esmagando um centro de edifícios envidraçados.
A matéria, criticando a rápida urbanização, também vê a entrada de migrantes não só é ruim para quem está entrando mas também ruim para quem já estava lá. É a falta de uma visão global do observador local, já que essa reunião de pessoas de algumas décadas atrás que transformou São Paulo na pujança que é hoje. Mesmo com todos seus problemas as suas periferias não param de crescer, com pessoas vindo de lugares ainda mais pobres e mais violentos.
A urbanista brasileira Raquel Rolnik observa, em entrevista para a revista Fórum, como o movimento ambientalista brasileiro ainda está intimamente ligado ao arcaico urbanismo anti-urbano:
“Há um certo mito de que a cidade será ecologicamente equilibrada se tiver densidade muito baixa. Só que isso é uma enorme falácia do ponto de vista ambiental e sobretudo para o aquecimento global. Por quê? Porque uma cidade muito espalhada gera uma necessidade de deslocamento muito grande, e o deslocamento na cidade é o grande consumidor de energia. Essa é uma das questões-chave para o aquecimento global.“
“Os maiores problemas do ponto de vista da emissão de gases na cidade, mais que a poluição industrial, são as emissões de poluentes pelos automóveis, ônibus, caminhões. Então, temos dois problemas, que são o grande consumo de energia de uma cidade mais dispersa e a questão da emissão dos gases na atmosfera, que geram o efeito estufa e o desequilíbrio climático. Portanto, muito mais eficiente do ponto de vista ambiental será uma cidade mais compacta, com alta densidade, que deixa as áreas naturais intactas e não se espalha sobre elas. Essa é uma discussão muito importante que o movimento ambientalista não faz.”
Continuando este raciocínio, ao contrário do que parece na superfície, aglomerações de pessoas são inerentemente boas, não ruins. Moradores de zonas rurais se mudam não só para aumentar seus salários mas para ter mais opções de emprego, já que moradores de zonas rurais certamente tem outras qualidades e interesses diferente de trabalhar na terra ou em fábricas isoladas, que podem ser valorizados apenas se inseridos em zonas urbanas.
Opções de entretenimento também se multiplicam em áreas com grandes densidades, algo que, apesar de parecer supérfluo, é o que buscamos fazer em todo tempo que não estamos trabalhando. Mas talvez o ponto mais significativo para a vida de muitos em grandes cidades é o da tolerância. A convivência diária obrigatória e a realização de trocas pacificas entre pessoas das mais diversas realidades torna as pessoas mais abertas à diversidade em ambientes urbanos.
Grupos sociais que foram historicamente discriminados no país, como por exemplo homossexuais, negros, ateus, anarquistas e usuários de substâncias consideradas ilícitas, como a maconha, conseguem reunir grupos grandes suficientes para manifestarem-se, discutirem suas ideias e mudarem a opinião pública a seu respeito. O reflexo disso são eventos como a Passeata Gay, a Feira Preta, os outdoors da ATEA, a fundação do Partido Libertários e a Marcha da Maconha, reunindo milhares de pessoas nas grandes metrópoles.
O tempo nos mostrou que as cidades são o ambiente natural do ser humano. Desde 2008, mais da metade da população mundial vive em cidades, e diariamente cerca de 180.000 pessoas se mudam de áreas rurais para cidades.
No Brasil, mais de 86% da população vive em cidades. Podemos considerar cidades algo inevitável da nossa vida em sociedade e, assim, tentar encontrar maneiras para que elas cresçam sem os problemas que enfrentamos hoje e no passado.
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