Podcast #105 | Arborização urbana
Confira nossa conversa com a engenheira florestal Isabela Guardia sobre arborização urbana.
Há aspectos interessantes na proposta de lei para dificultar o processo de criação e desmembramento de cidades, mas há coisas que poderiam melhorar.
27 de agosto de 2018Em meio a discussões sobre a redução do tamanho do Estado brasileiro, em qualquer uma das três esferas administrativas (federal, estadual e municipal), chama atenção o movimento para aprovar na Câmara dos Deputados, em regime de urgência, o Projeto de Lei Complementar PLP 137/2015. Esse projeto, já aprovado pelo Senado, trata dos procedimentos para criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios.
Encontra-se aspectos interessantes na proposta de lei que devem dificultar o processo de criação e desmembramento de cidades. No entanto, há quesitos que poderiam ter uma abordagem diferente com intuito de facilitar a incorporação e fusão de diversos municípios já existentes e que hoje não encontram condições de caminhar sozinhos.
O artigo 6º da lei aponta que a condição necessária para criação de um novo município deve seguir, dentre outras regras, o limite mínimo de população — tanto para o novo como para aquele que sofreu o desmembramento. Esse limite varia de acordo com as regiões: para o norte e centro-oeste, 6 mil habitantes; nordeste, 12 mil; e sul e sudeste, 20 mil. Vamos nos aprofundar especificamente nesse ponto.
A definição dos limites populacionais se aplica apenas para criação dos municípios. Após ter sido criado um município, para que o mesmo perca essa condição e seja incorporado ou se funda com outro município, o critério é outro: é necessário enviar requerimento para a Assembleia Legislativa do respectivo estado, contendo assinatura de pelo menos 3% dos eleitores de cada um dos municípios envolvidos. Apesar de não ser difícil ter 3% dos eleitores de uma cidade, o fato é que dificilmente veremos a população de dois municípios fazendo um esforço para se unir e eliminar as estruturas do executivo e do legislativo que são duplicadas.
Veja que, com base nessa lei, podemos criar um município na região centro-oeste que tenha mais de 6 mil habitantes. Se daqui a alguns anos a população dali se reduzir para 3 mil, a lei faculta que esse município continue emancipado, mantendo uma estrutura de prefeitura, legislativo e tudo mais envolvido. Esse custo é bastante elevado para a sociedade, sob o discurso de que, com a emancipação, estar-se-ia promovendo o crescimento da cidade, que antes, como bairro, sofria com o descaso da prefeitura no fornecimento de determinados serviços, como educação, saúde, segurança e infraestrutura.
Acontece que essa avaliação de causalidade entre os fatores está errada. Não é emancipando e tendo autorização para desenvolver uma nova estrutura de gestão que a cidade vai melhorar sua qualidade de vida. A causa do problema está na má gestão da prefeitura e do legislativo anterior. Em resumo: na ineficiência do setor público. Além disso, mesmo depois de emancipados, os municípios menores ficam dependentes dos repasses de recursos de seu Estado e da União, e poucos conseguem fazer gestão fiscal própria.
A fotografia do cenário demográfico no Brasil mostra que temos municípios com número de habitantes equivalente ao de um condomínio de apartamentos nas grandes cidades. São 457 cidades com menos de 3 mil habitantes e outras 1.215 com uma população entre 5 mil e 10 mil habitantes. A maioria delas continua com dificuldade de acesso a diversas estruturas básicas de saneamento, escolas e estradas e precisam pagar ambulâncias para levar os pacientes para a cidade vizinha.
Se considerarmos o critério populacional que está proposto no projeto de lei para criar municípios, chegamos a um total de 2.956 prefeituras que não encontram em sua cidade uma população mínima. Se aplicássemos esse mesmo critério para fusão e incorporação, a situação na região sul seria a mais complicada, pois com um limite de 20 mil habitantes teríamos de incorporar 76% de todas as cidades da região, reduzindo o total de 1.191 cidades para apenas 288. O percentual de ajuste nas cidades do norte seria o menor (20% de incorporação), já que nessa região o limite cai para 6 mil habitantes. Mas, em todas as regiões do Brasil, se aplicarmos esse critério, teríamos de reduzir o número de cidades, e não aumentar.
A ideia que motiva o limite de criação ou manutenção de cidades pequenas está no fato de que recebem repasses de impostos tanto do Estado como da União. Ou seja, oneram cada um dos contribuintes residentes em outras localidades. Fossem essas completamente autônomas, não haveria problema em se ter uma cidade pequena com sua própria estrutura de gestão. Mas o fato é que mandamos todo ano R$ 32 bilhões para essas cidades, o que dá uma média de R$ 1,5 mil por habitantes. Considerando que essas cidades menores possuem um total de 9 vereadores cada uma (a lei determina apenas valores máximos, sendo o primeiro para municípios com até 15 mil habitantes), então estamos mantendo pelo menos 26,6 mil vereadores que não seriam necessários. Isso a um custo de R$ 1,3 bilhão por ano somente com salários. Se somarmos o salário do prefeito e toda a estrutura de apoio nessas cidades, como motoristas e segurança, chegamos a R$ 18,8 bilhões por ano em pagamento de pessoal e encargos. Esse valor se contrasta com os R$ 1,6 bilhão investidos no ano de 2017 pelo total destas prefeituras que não atingem o critério mínimo de população.
No momento atual, seria muito mais produtivo para essas cidades menores se fechássemos suas prefeituras e câmaras de vereadores, demitíssemos os servidores e assim, utilizássemos o dinheiro destinado ao pagamento da folha para investimentos em benfeitorias que trouxessem melhorias efetivas à vida da população local. A existência de uma legislação que engessa o Estado, cria subsídios cruzados, penaliza o cidadão e gera uma situação de dependência deve ser revista. A solução encontra-se na implementação, de fato, do federalismo, dando mais independência aos municípios e menos concentração de impostos na mão dos Estados e da União. Ainda há tempo de influenciar seu representante na Câmara Federal a tomar a decisão mais perspicaz.
Texto publicado originalmente na Revista VOTO em 9 de agosto de 2018.
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Acredito na autonomia. Dar liberdade a eles decidirem, sem criar subsídios cruzados, onde determinadas regiões tenham que pagar pela existência de câmaras de vereadores para municípios pequenos. Destinar o gasto com pessoal nessas estruturas para outros serviços úteis. Um município pequeno, dotado de acesso a internet, com as pessoas mais conectadas, pode dispensar os políticos para tomar decisões. A cidade do futuro terá mais autonomia, mais participação via conexão entre os cidadãos. Aqui podemos combinar blockchain, redes descentralizadas e inteligência artificial para nos livrarmos das estruturas de decisão antigas e que não mais atendem aos anseios da população.
Faz todo o sentido enxugarmos as estruturas governamentais, mas temos um problema: nossa federação é composta por União, Estados, DF… e pelos municípios, que possuem ampla autonomia para criação e fusão. Ninguém, de cima para baixo, pode forçar os entes municipais a se fundirem – e perderem a possibilidade de brigar pelos próprios direitos.
A maior parte destes pequenos entes são locais que não tinham nada como distritos de municípios maiores. Tudo ia para a Sede: postos de saúde, escolas, creches e outros aparatos governamentais. Quem quer perder autonomia, nesse caso?