Combatendo o crime sem policiais: o papel fundamental do espaço urbano
Pequenas intervenções preventivas no desenho urbano podem ser mais valiosas do que vários policiais.
A área mínima das unidades se tornou uma matéria controversa, restringindo a oferta de habitações menores e com baixos custos de manutenção.
18 de julho de 2019A área mínima das unidades se tornou uma matéria controversa. Diversas associações de moradores não desejam a permissão da construção de unidades com áreas muito reduzidas. Isso se faz em contradição com a contemporaneidade, visto que este tipo de apartamento atenderia um grande número de jovens solteiros, separados e idosos que necessitam de uma unidade de menor tamanho com menores custos de manutenção.
No final do século XIX, ainda no Império, o decreto N° 9.511 de 1885 estabelecia apenas o tamanho das habitações pelo número de pessoas, para uma ou duas pessoas e para famílias até seis adultos ou oito (sendo seis adultos e duas crianças). O decreto N° 762 de 1900 estabelecia que nenhum cômodo teria superfície inferior a 9 m², mas não fixava área mínima para as unidades.
No início do século XX, as casas mais antigas de 1 ou 2 pavimentos situadas no Centro do Rio de Janeiro começaram a ser transformadas em pousadas, casas de cômodos e de pensão, divididas em pequenos quartos, tendo os banheiros na parte dos fundos. Com a edição do decreto N° 2.087 de 1925 pelo prefeito Alaor Prata, foram estabelecidas condições mínimas para os compartimentos destinados a habitação, com área mínima de 8 m² e uma janela em plano vertical abrindo diretamente para o espaço exterior. Seriam também admitidos sótãos, águas furtadas e mansardas com área mínima de 10 m².
Em seu Plano de Remodelação, Extensão e Embelezamento (1930), Agache escrevia: “acreditou-se, primeiramente, poder abandonar a solução de ‘zoning’ à iniciativa particular, mas tornou-se evidente que, afora raras exceções, a iniciativa particular interessava-se unicamente pela construção de imóveis de rendimento, sem se preocupar com o ponto de vista da higiene e da moral”. As pesquisas empreendidas para remediar este estado de coisas conduziram a reforma dos regulamentos para construção, a publicação de leis relativas ao zoning e à preocupação das habitações módicas. É preciso convencer-se que a grande cidade necessita de toda a escala de tipos de habitação, desde a pequena casa campestre até os grandes edifícios. No seu anexo “Legislação e Regulamentos”, Agache propõe que nas habitações que tiverem três compartimentos (sala, banheiro e cozinha), um desses compartimentos deverá medir, pelo menos, doze metros quadrados.
O Código de Obras, aprovado pelo decreto N° 6.000 de 1937, estabelece em seu glossário que “casa de apartamentos é aquela com dois ou mais apartamentos, destinada a residência permanente compreendendo cada apartamento pelo menos dois compartimentos, um dos quais de instalação sanitária”. Ele define também Habitação Coletiva como o “edifício que serve de residência permanente a pessoas de famílias diversas”.
Em 1967, a Lei N°1.574, já no Estado da Guanabara, em seu Quadro Geral do Uso da Terra, estabeleceu as zonas e tipos de uso. Durante este período (1937-1967) foram construídos na cidade diversos edifícios com apartamentos com área mínima, conhecidos como quitinetes. Dois de seus exemplos, o Edifício Rajah na praia de Botafogo com 400 unidades e o n° 200 da Rua Barata Ribeiro, tornaram-se símbolos de unidades para usos diversos, denominados “garçoniéres”, o que levou a população a criticar a sua existência e assim estes tipos de unidades foram proibidas na maior parte das áreas residenciais da cidade.
Ao longo das décadas seguintes, as novas posturas urbanas traziam em seus decretos e leis determinação de áreas mínimas para as unidades que variavam por região ou zoneamento. Na década de 1970, o Decreto N° 322/1976, em seu Quadro X, determinava áreas mínimas das unidades que variavam de 30 m², em Bairros da V e VI RAs, até 60 m², em regiões mais afastadas da área central e também em vias comerciais denominadas Centros de Bairros (CB). Na década de 1980, os decretos para Maracanã, Andaraí, Vila Isabel e Grajaú determinaram a área útil das unidades em 40 m². Na década de 2000, o Projeto de Estruturação Urbana (PEU) de São Cristóvão e da Taquara determinou, para edificações novas, área útil mínima de 30 m². Mais recentemente, em 2019, o novo código de obras permite que as unidades residenciais tenham 25 m² de área útil mínima com exceção da Área de Planejamento 4.2, região da Barra da Tijuca. Na AP2 deverá ser atendido ainda a área média mínima de 35 m².
Talvez o cerne da discussão na cidade não passe pelo tamanho das unidades a serem construídas em novas edificações. Questões mais importantes se apresentam, tais como habitação em área central e como incentivá-la. Acima disto nos parece que as legislações deveriam entrar menos em pormenores das edificações e sim se preocupar com a relação entre edifício e cidade e qual a contribuição de uma nova edificação para o espaço urbano e seu contexto. Pensando por este caminho, poderíamos extrair as leis através destas questões: a forma urbana proposta gerando as leis.
Texto publicado originalmente em DCArquitetura em 17 de junho de 2019.
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiarPequenas intervenções preventivas no desenho urbano podem ser mais valiosas do que vários policiais.
Confira nossa conversa com Janice Perlman sobre sua pesquisa nas favelas do Rio de Janeiro.
Cabo Verde, na África, tinha uma política habitacional muito voltada para a construção de novas moradias, mas reconheceu que era necessária uma nova abordagem com outras linhas de atuação. O que o Brasil pode aprender com esse modelo?
Os espaços públicos são essenciais para a vida urbana, promovendo inclusão, bem-estar e identidade coletiva, mas frequentemente são negligenciados. Investir em seu projeto, gestão e acessibilidade é fundamental para criar cidades mais justas, saudáveis e vibrantes.
O conceito da "Cidade de 15 Minutos" propõe uma mobilidade facilitada sem depender do automóvel. Como a cidade de São Paulo se encaixaria nesse contexto? Confira a análise do tempo de deslocamento dos moradores para diferentes atividades.
Conheça os projetos implementados no Rio de Janeiro para melhorar a mobilidade urbana e o acesso das crianças às suas escolas.
A taxa de vacância indica a ociosidade de imóveis em uma cidade ou região. Para construir estratégias para equilibrá-la, é preciso entender o que esse número realmente significa.
O efeito cascata na habitação, também conhecido como filtragem, sugere uma forma de lidar com o problema da acessibilidade habitacional. Porém, sua abordagem pode ser simplista e é preciso entender as complexidades da dinâmica do mercado e das cidades.
A proposta de pulverização de empregos como solução para a mobilidade pode soar promissora, mas gera diversos impactos econômicos, sociais e espaciais na dinâmica urbana e no mercado imobiliário.
Esta bom senso deveria vir dos empreendedores. Infelizmente a minoria quer oferecer um imóvel de qualidade a preço justo. Mas entendo que seja perda de tempo a legislação entrar neste nível de detalhe. Burocratiza e alonga o processo de aprovação da construção. De tempos em tempos a legislação vai alterando, se permite área menor, a forma da cidade não se mantém e a consequência de ter existido a lei e não ter existido foi a mesma.
É da natureza Humana que sejam atendidos suas necessidades primárias; de forma grosseira, ” Comer, cagar e dormir.” Trocaria a última palavra por se higienizar, muito mais ampla. Sem essas necessidades básicas atendidas o homem não consegue progredir em seus desejos mais amplos. Isto é biológico, princípio básico de habitabilidade. Cabe ao Estado estabelecer e oferecer de “sobrevivência” ao cidadão e as cidades. Outras questões pertencem a subjetividade, também de suma importância principalmente na sociedade do século XXI.