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A estética futurista dos edifícios deixa claro que a Amazon usa a arquitetura para reforçar sua imagem como uma gigante da tecnologia. Esta atitude não é nova. Estamos falando da starchitecture, a prática de contratar arquitetos famosos para projetar obras icônicas que influenciam toda uma cidade.
Enquanto o mundo corporativo discute o trabalho remoto, a Amazon decidiu dobrar a aposta nos escritórios físicos. No início deste ano, a empresa anunciou seus planos para a nova sede em Arlington, no estado americano de Virgínia. O complexo de edifícios será construído em torno de uma estrutura espiralada com mais de 100 metros de altura, batizada de Helix. Além dos 260 mil m² de escritórios, haverá também 10 mil m² de espaço acessível ao público, incluindo anfiteatro, mercado, restaurantes e praças. A escolha do local, no centro da área metropolitana de Washington, D.C., vai na contramão de empresas que construíram suas sedes em subúrbios, fechadas ao público externo, como a Apple e a Facebook.
A nova sede busca replicar o sucesso do primeiro campus da Amazon, que já emprega 40 mil pessoas. Este complexo foi construído em South Lake Union, uma antiga zona industrial de Seattle. A empresa não esconde seu desejo de transformar o bairro em uma vizinhança cheia de comércio, restaurantes e eventos culturais, para que seus funcionários morem perto e caminhem até o trabalho. O edifício central do projeto, chamado de Esferas, é formado por três estufas de vidro que abrigam um enorme jardim botânico. O complexo também inclui projetos de cunho social, como uma cozinha para treinamento profissional e um abrigo para a população de rua. O vídeo abaixo mostra como o campus de Seattle foi concebido para ser um projeto de transformação de bairro.
A onda de desenvolvimento da Amazon também alcança Berlim, onde a empresa contratou os arquitetos do reconhecido escritório dinamarquês Bjarke Ingles Group, ou BIG, para projetar uma torre de 140 metros de altura. Caso seja construída, a estrutura será o prédio de escritórios mais alto da cidade. A estética futurista dos edifícios deixa claro que a Amazon usa a arquitetura para reforçar sua imagem como uma gigante da tecnologia. Esta atitude não é nova. Os planos da empresa remetem a uma tendência que alcançou seu auge há mais de uma década. Estamos falando da Starchitecture, a prática de contratar arquitetos “estrela” para projetar obras icônicas que influenciam toda uma cidade.
O projeto de Frank Gehry para o Museu Guggenheim é o exemplo mais emblemático de Starchitecture. A repercussão da obra, construída em 1997, transformou Bilbao em um destino turístico de maneira quase instantânea. A cidade espanhola soube aproveitar o estímulo para se reinventar como um polo de arte e cultura. Nas últimas duas décadas, Bilbao inaugurou uma série de intervenções arquitetônicas na cidade, criando um dos circuitos mais incríveis do gênero no mundo. O resultado para a economia da cidade foi tão positivo que o fenômeno passou a ser conhecido como Efeito Bilbao.
Durante a década de 2000, várias cidades tentaram replicar esta estratégia. Arquitetos vencedores do prêmio Pritzker, o “Nobel da arquitetura”, Norman Foster, Zaha Hadid, Jean Nouvel ou o próprio Gehry passaram a ser disputados por prefeitos ao redor do mundo. Em muitos casos, o resultado foi desanimador. Cidades europeias como Graz, na Austria, e Wolfsburg, na Alemanha, gastaram milhões em museus enormes. O fenômeno também alcançou os Estados Unidos, onde foram construídas obras como o Museu da Cultura Pop em Seattle e o pavilhão de Daniel Libeskind para o Museu de Arte de Denver. No Brasil, podemos citar o Museu do Amanhã e a Cidade das Artes, ambos no Rio de Janeiro, projetados pelo Santiago Calatrava e pelo Christian de Portzamparc, respectivamente. Nenhum destes centros culturais atraiu público suficiente para justificar seu custo, o que levou críticos de arquitetura como Witold Rybczynski a afirmarem que o Efeito Bilbao é uma anomalia.
A Starchitecture dos anos 2000 recebeu amplo investimento do poder público. Na época, havia a expectativa de que as cidades recuperariam o valor gasto através do turismo. A arquitetura foi concebida como uma atração em si mesma, por isso houve pouco esforço para organizar exposições e galerias de arte que estimulassem o uso interior do edifício. Por causa desse legado controverso, a Starchitecture não é bem vista por grande parte dos arquitetos. Indiferente a essa má fama, a Amazon parece disposta a repetir alguns capítulos desta história.
Para receber a nova sede da Amazon, Arlington prometeu um pacote de incentivos que pode superar 500 milhões de dólares. Em Nova Iorque, um acordo para construir um complexo em Long Island ruiu quando veio a público a notícia de que os incentivos poderiam chegar a incríveis US$ 3 bilhões. Como contrapartida, a empresa promete criar dezenas de milhares de empregos e transformar as cidades eleitas em grandes polos de tecnologia. Como já mencionado no site, estas alegações são questionáveis. Como na Starchitecture do passado, os novos projetos da Amazon vêm acompanhados de injeções de dinheiro público.
Economistas urbanos com Richard Florida e Edward Glaeser se manifestaram contra a oferta de incentivos. A realidade é que Nova Iorque tem uma concentração de talento e capital humano que a torna atraente em quaisquer condições. Mesmo depois de cancelar o projeto de Long Island, a Amazon continua alugando imóveis para escritórios e operações logísticas na cidade.
É preciso reconhecer, porém, que as novas sedes da Amazon adotam boas práticas urbanísticas. É ótimo que a empresa tenha se preocupado com a inserção dos edifícios no tecido urbano, criando espaços que a comunidade pode usufruir.
O problema é que projetos dessa magnitude trazem consequências diferentes para cada grupo impactado. A inauguração do campus em Seattle causou uma onda de valorização nos imóveis do entorno, algo positivo para os proprietários, mas não para os inquilinos.
Não está claro se a construção civil será capaz de construir moradia rapidamente para abrigar os milhares de funcionários do complexo. Caso isso não aconteça, é provável que inquilinos antigos sejam substituídos por profissionais bem remunerados.
O aumento de aluguéis também pode obrigar pequenos comerciantes a fechar suas portas, dando lugar a cafés, restaurantes e lojas que atendem a um público com maior poder aquisitivo. O risco é criar um bairro atraente para jovens que trabalham no setor de tecnologia, mas inacessível para boa parte da população da cidade.
Sem uma resposta clara a estas questões, a animosidade entre grupos sociais pode ofuscar os aspectos positivos do projeto. Tanto em Nova Iorque quanto em Berlim, as intenções da Amazon foram recebidas com protestos organizados contra a empresa.
A presença de uma grande corporação não precisa ser prejudicial ou ameaçadora. Há exemplos positivos, como a relação entre a Philips e a cidade de Eindhoven, nos Países Baixos. A empresa, fundada em 1891, foi fundamental para que a cidade se tornasse a maior do interior do país. A presença da Philips atraiu outras empresas para a região, tornando Eindhoven um grande polo de inovação para a indústria. Esse processo culminou na criação da Universidade de Tecnologia de Eindhoven, um dos maiores centros de pesquisa da Europa.
Quais seriam as consequências de uma onda de intervenções urbanas conduzidas por grandes corporações? Esta questão pode entrar na agenda dos gestores públicos nos próximos anos. Parcerias com o setor privado são úteis para que cidades melhorem sua infraestrutura sem comprometer o orçamento.
O problema é avaliar até que ponto a vaidade de uma empresa se sobrepõe à qualidade do projeto. Entre Bilbao e Eindhoven, a Amazon parece estar seguindo o primeiro caminho. Com o passar do tempo, é possível que os benefícios que a empresa trará para Seattle e Arlington sejam maiores que as dificuldades.
No entanto, há riscos em permitir que empresas bilionárias moldem bairros inteiros a sua imagem. Como no caso do Museu Guggenheim, um projeto bem sucedido pode dar início a uma corrida para replicar seu efeito, com resultados duvidosos.
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