Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
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A taxa de ocupação e o coeficiente de aproveitamento são dois dos parâmetros mais utilizados por zoneamentos e planos diretores.
20 de abril de 2023A taxa de ocupação (TO) e o coeficiente (ou índice) de aproveitamento (CA) são dois dos parâmetros mais utilizados por zoneamentos e planos diretores no Brasil. Entretanto, podem gerar alguma confusão quanto à forma como funcionam, tanto separadamente quanto em conjunto.
Antes de entrarmos na explicação dos dois índices, é interessante examinarmos um pouco a diferença entre os termos “índice”, “coeficiente” e “taxa”, usados para se referenciar a eles, e também o de “parâmetro”, que também estou usando aqui.
“Coeficiente” é um valor que multiplica outro valor, e “taxa” é a “proporção de algo geralmente expressa em porcentagem”. Em ambos os casos, referem-se a operações de multiplicação e divisão, dependendo de quais fatores são previamente conhecidos. “Índice” tem uma definição mais complexa e abrangente, podendo se referir tanto a coeficientes simples quanto a resultados de manipulações mais complexas entre números. Neste caso, foi usado em sua primeira acepção.
Quando digo aqui que essas medidas são “parâmetros”, é porque normalmente eles são encontrados nas tabelas que acompanham os zoneamentos, e é por isso que geram tanto interesse e costumam ser úteis para quem trabalha com urbanismo, planejamento urbano e construção.
Nessas tabelas, para cada zona há uma ou mais colunas referentes ao coeficiente de aproveitamento e à taxa de ocupação máximas para aquela zona (às vezes há mínimas também, mas por enquanto vamos nos ater às máximas, que são suficientes para explicar o termo “parâmetros”).
Portanto, quando adotados no contexto de uma lei municipal como o plano diretor, esses índices costumam estabelecer valores máximos permitidos para cada lote contido na respectiva zona. Funcionam, assim, como parâmetros que servem de referência para o Poder Público decidir se o projeto atende ou não ao que está estabelecido no Plano Diretor no que diz respeito às características descritas por esses índices, taxas ou coeficientes.
Na grande maioria dos casos, quando falamos simplesmente “Coeficiente de Aproveitamento”, estamos na verdade nos referindo ao Coeficiente de Aproveitamento Máximo previsto no zoneamento. Este é o uso mais comum do termo. Entretanto, a rigor o coeficiente de aproveitamento indica apenas o número em si, independentemente de qualquer parâmetro legal (como veremos mais adiante, a relação entre a área total construída e a área do terreno). Ele pode ser maior, menor ou igual ao valor máximo estipulado no zoneamento (ou pode nem se referir a um local real).
Para manter o rigor e a consistência, neste post usaremos sempre o “máximo” (ou mínimo, ou básico) quando nos referirmos ao coeficiente de aproveitamento e à taxa de ocupação enquanto parâmetros. Quando usarmos apenas “coeficiente de aproveitamento” e “taxa de ocupação”, estamos nos referindo aos números “puros”.
A Taxa de Ocupação (TO) é a relação percentual entre a projeção da edificação e a área do terreno. Ou seja, ela representa a proporção do terreno sobre o qual há edificação.
Ambos os índices, Taxa de Ocupação e Coeficiente de Aproveitamento, são razões entre duas medidas. Entretanto, por convenção a Taxa de Ocupação é sempre expressa em porcentagem. Já o CA, como veremos adiante, é expresso como um número puro.
Como a TO leva em consideração apenas a projeção da edificação, ela não está diretamente ligada ao número de pavimentos. Na realidade, se os pavimentos superiores estiverem contidos dentro dos limites do pavimento térreo, o número de pavimentos não fará diferença nenhuma na TO. Se, ao contrário, um ou mais pavimentos tiverem elementos que se projetam para fora, então a TO será alterada, conforme pode ser visto na imagem abaixo.
Como padrão de referência, pode ser usada a seguinte imagem para se ter uma ideia do que representam taxas de ocupação diferentes.
Como é possível notar, aumentos relativamente pequenos nos números correspondem a mudanças bastante acentuadas no proporção visual entre a área da projeção e a área do terreno. Portanto, é necessário cautela no momento de prescrever índices máximos para zoneamentos, pois os números podem ser enganosos. Vale a pena elaborar simulações volumétricas que levem em consideração a interação com o Coeficiente de Aproveitamento, o tamanho médio dos lotes na área e a largura média das vias, entre outros fatores, de modo a estudar a ambiência final obtida com a TO máxima (pior cenário) e definir se ela é desejável.
O Coeficiente (ou Índice) de Aproveitamento é a relação entre a área total construída em um terreno e a área desse mesmo terreno.
Do ponto de vista de sua aplicação enquanto parâmetro em um zoneamento, é mais comum entendermos o CA máximo como um número que, multiplicado pela área do lote (daí a denominação de coeficiente), indica a quantidade máxima de metros quadrados a serem permitidos em um lote, somando-se as áreas de todos os pavimentos.
Os exemplos abaixo mostram duas possibilidades de edificação em um lote de 24 x 30m, ambos com o mesmo CA=2,0. A primeira, que utiliza TO=50%, permite apenas 4 pavimentos, enquanto a segunda distribui a área edificada em 8 pavimentos, cada um com TO de 25%.
Dessa forma, o arquiteto pode testar as possibilidades de edificação resultantes das diversas combinações de Taxa de Ocupação e Coeficiente de Aproveitamento, bem como suas interações com outros aspectos da forma urbana do local, sempre levando em consideração os objetivos para cada zona (adensar, restringir a ocupação, proteger a paisagem, e assim por diante) e os resultados volumétricos gerais previstos em cada caso.
Cada cidade, através de suas leis municipais, define os detalhes sobre a aplicação desses instrumentos.
As explicações acima buscam apresentar os fundamentos básicos sobre o funcionamento e o modo de cálculo desses índices e parâmetros. Entretanto, não há uma regra geral nem uma lei federal que estipule com detalhes como esses instrumentos devem ser aplicados em cada lugar. Sendo assim, cada município define caso a caso os detalhes sobre sua aplicação.
Em outras palavras, é a legislação urbanística municipal quem determinará os detalhes da aplicação do coeficiente de aproveitamento máximo (ou mínimo, ou básico) e da taxa de ocupação máxima. Essa legislação urbanística inclui, normalmente, o plano diretor, a lei de uso e ocupação do solo e o código de obras (ou de edificações). Elas devem definir:
• Quais os limites máximos para cada um dos parâmetros, em cada zona da cidade;
• Os limites mínimos e básicos da Taxa de Ocupação, para viabilizar a aplicação dos instrumentos Outorga Onerosa do Direito de Construir e Transferência do Direito de Construir;
• O que deve ser contabilizado e o que não deve ser contabilizado para efeitos de aplicação dos instrumentos.
Por isso, não é possível saber de antemão esses detalhes. Isso vai depender da realidade de cada município. Entretanto, alguns aspectos parecem se repetir em diversos locais. Por exemplo, não costumam ser contabilizados no cálculo do Coeficiente de Aproveitamento para fins de determinação do atendimento ou não ao parâmetro do CA máximo:
• Sacadas, até um determinado limite máximo de área ou de balanço;
• Garagens (nos edifícios, e mesmo assim apenas em municípios que incentivam os pavimentos-garagem);
• Beirais ao redor da edificação, até um determinado limite;
• Áreas abertas, tais como piscinas;
• Subsolos;
• Áticos, desde que não ultrapassem uma determinada porcentagem da área do pavimento-tipo.
Por outro lado, normalmente são contabilizados tanto na Taxa de Ocupação quanto no Coeficiente de Aproveitamento:
• Varandas;
• Garagens cobertas (em residências unifamiliares);
• Edículas
Portanto, para assegurar-se sobre o que conta e o que não conta na sua cidade, só mesmo consultando as leis mencionadas acima.
Publicado originalmente em Urbanidades em março de 2020.
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Oi Marcelo,
Excelente pergunta. Até onde eu saiba nenhum desses números possui embasamento técnico, sendo basicamente uma disputa política (infrutífera) para aumentar ou diminuir em determinadas regiões da cidade. Por isso, inclusive, nossa insistência em criticá-los nesta plataforma
Anthony
Uma dúvida para a qual até agora não tive resposta:
De onde surgiram os valores de coeficiente de aproveitamento utilizados hoje em dia? Como chegaram na definição de que o ideal para determinada área é 2, 4, 6 ou 10?
Existe algum livro/artigo/estudo que mostre a origem desses coeficientes?
Um abraço,
Marcelo.