Por que excluímos crianças da vida urbana?
Na tentativa de proteger as crianças, mantendo-as dentro dos muros e dos carros, acabamos prejudicando o seu próprio desenvolvimento e contribuindo para o abandono dos espaços públicos nas cidades.
É preciso implementar mudanças contra a perpetuação da oferta excessiva de vagas de estacionamento em áreas urbanas.
29 de maio de 2025Nos últimos anos, as normas de estacionamento têm sido cada vez mais objeto do discurso público e político ao redor do mundo, à medida que aumentam as populações urbanas e, consequentemente, a necessidade urgente de moradias mais acessíveis e cidades mais sustentáveis. Cidades como Nova York, Nairóbi e Pequim vêm concentrando esforços para simplificar as regras relacionadas à construção de estacionamentos, e apesar dos desafios, elas já apresentam resultados positivos associados às novas políticas.
A perpetuação da oferta excessiva de vagas em áreas urbanas pode ter um impacto direto nos custos de habitação e no uso ineficiente do solo, além de aumentar o número de proprietários e condutores de automóveis, o que, em entre outros problemas, piora a qualidade do ar e eleva as emissões de gases de efeito estufa. Nesse sentido, as cidades que continuarem construindo novas vagas de estacionamento e mantiverem políticas antiquadas relacionadas ao tema terão de lidar com graves consequências ambientais e sociais.
Um estudo realizado pelo ITDP Brasil mostrou que, entre os anos de 2006 e 2011, a oferta de vagas na cidade do Rio cresceu cerca de três vezes mais do que a quantidade de carros. A área utilizada para os automóveis poderia suprir cerca de 57% do déficit habitacional da época.
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Ao examinar especificamente o estacionamento fora da via pública, é importante compreender o histórico de decisões e previsões equivocadas de planejamento urbano, as quais perpetuaram a abundância de garagens e estacionamentos subutilizados que encontramos nos centros das grandes cidades.
Por essas razões, o relatório “Quebra do Código: Reformas das Normas de Estacionamento Fora da Via Pública”, analisa com profundidade os esforços de várias cidades e países que eliminaram os requisitos mínimos de vagas de estacionamento e priorizaram ações complementares. A publicação traz estudos de caso de sete cidades: Atlanta e Mineápolis, nos Estados Unidos; Pequim, na China; Cidade do México e San Pedro Garza Garcia, no México; e São Paulo, no Brasil. Em escala nacional, o estudo oferece lições importantes da Nova Zelândia sobre barreiras e soluções que podem servir de guia para governos e formuladores de políticas públicas que busquem implementar mudanças semelhantes.
Com base nas experiências dos estudos de caso presentes na publicação, os autores do relatório recomendam, em última análise, que governos municipais, estaduais e nacionais adotem as seguintes medidas:
A equidade nas ruas começa com a reforma dos estacionamentos, que poderiam ser usados para residências, atividades econômicas ou plantio de vegetação urbana. O estacionamento fora da via pública é, infelizmente, um elemento dispendioso e muitas vezes esquecido no âmbito do planejamento urbano. A oferta de vagas de estacionamento é, nas cidades sem gestão adequada, consideravelmente superior à sua demanda. Aproximar a oferta da necessidade real por estacionamento é crucial para que possamos criar um futuro com cidades compactas e acessíveis, mais habitáveis e sustentáveis. É importante destacar que o objetivo da reforma das normas de estacionamento fora da via pública não é eliminar completamente as vagas de estacionamento, mas sim garantir que o valioso espaço urbano seja utilizado de forma mais eficiente e equitativa.
A remoção dos requisitos mínimos de estacionamento consiste em retirar a quantidade mínima de vagas disponíveis em novos empreendimentos, sejam eles residenciais, comerciais ou de serviços. Esse é um primeiro passo importante para melhorar o estacionamento fora da via pública. Além disso, essa remoção precisa estar alinhada ao encorajamento do uso de modos sustentáveis (como o transporte público e a mobilidade a pé e em bicicleta) para os deslocamentos urbanos. Algumas ferramentas relacionadas, como a adoção de limites máximos de estacionamento — que limitam o número de vagas construídas — e a redução da área frontal de estacionamento e garagens podem causar ainda mais impacto.
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Vale ressaltar que a remoção dos requisitos mínimos de estacionamento é, muitas vezes, considerada algo favorável por empresas e incorporadores imobiliários locais, cujos custos podem ser significativamente reduzidos quando se eliminam os requisitos de estacionamento e realocação de espaço. Os espaços urbanos que anteriormente seriam necessários para o estacionamento e armazenamento de veículos podem, então, ser utilizados para a construção de novas unidades habitacionais, comércios, equipamentos de saúde, parques e muito mais. Isso pode, sem dúvida, angariar apoio público, político e econômico.
Artigo originalmente publicado em ITDP Brasil, em fevereiro de 2025.
A oferta excessiva de estacionamento nas cidades é um dos sintomas de um planejamento urbano que tem privilegiado o automóvel individual há décadas. As cidades brasileiras precisam parar de repetir erros do passado. Conheça o curso “Do Planejamento ao Caos” para saber mais sobre onde o planejamento tem errado e o que temos que mudar.
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