Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
O sonho da casa própria é limitado a poucas pessoas e cidades, e longe da realidade da maioria dos brasileiros.
12 de setembro de 2022Sabemos que as cidades brasileiras são excludentes. Não dão preferência ao transporte público, prejudicando os mais pobres. Segregam os bairros mais ricos, levando a classe trabalhadora a morar nas periferias urbanas. E mesmo lá, boa parte da população só pode pagar por casas no mercado informal.
Não à toa, o governo brasileiro vem tentando corrigir, há décadas, questões urbanas, principalmente o desenvolvimento de casas para as classes mais baixas. O Minha Casa Minha Vida e seu sucessor, o Casa Verde e Amarela, possuem questões em seus mecanismos, mas demonstram preocupação com o acesso de classes mais baixas ao mercado de imóveis.
A Urbit, empresa de inteligência imobiliária, levantou uma série de dados sobre o acesso popular ao mercado imobiliário. Parte do estudo é analisar preços imobiliários, gerando informações para empresas atuantes no mercado, além de verificar outras características das quais um imóvel pode se beneficiar, como a presença de escolas, hospitais e pontos de ônibus.
A empresa também analisa indicadores socioeconômicos regionais, para ter certeza que a população local tem capacidade de comprar os produtos ofertados pelo mercado. Sobrepondo a renda da população economicamente ativa, de acordo com a PNAD-Contínua, à distribuição de preços imobiliários do seu banco de dados, é possível verificar qual tipo de apartamento uma pessoa em determinada faixa de renda consegue comprar.
Na PNAD-C trimestral, auxílios (tal como Bolsa-Família, Auxílio Emergencial, Auxílio Brasil e outros em esferas estaduais e municipais) não são contabilizados, ainda que façam parte da renda das famílias.
Sobrepondo um índice pelo outro, podemos ver, em certas condições, qual tipo de apartamento, na distribuição, uma pessoa em determinada faixa de renda consegue comprar, considerando taxas de juros e 360 meses de parcelas, e mesmo prazo de acumulação de renda.
São considerados juros a 8% ao ano, que as famílias apenas comprometerão 30% de sua renda mensal e que 30% do imóvel é quitado como entrada, ou seja, sem juros. O índice evolui o quanto mais pessoas em idade economicamente ativa podem comprar imóveis mais caros em uma cidade.
Todo o mais constante, é calculada a faixa de imóveis mais caros que aquela renda consegue pagar nesses 30 anos. Abaixo, podemos ver a pontuação de algumas capitais do país no nosso Índice de Affordability para o primeiro semestre de 2022:
A renda média do brasileiro foi de R$ 1.350 em 2021 e, na maioria das capitais, de 30 a 40% da população economicamente ativa do país não têm recursos, mesmo contando com a renda de um parceiro, para participar deste mercado com os níveis atuais de renda, preços e as taxas de financiamento imobiliário.
No Minha Casa Minha Vida, existia a possibilidade de até 95% de subsídio no valor dos imóveis. No Casa Verde e Amarela, de acordo com o Ministério de Assistência Social, os subsídios federais podem chegar a até 20% do valor do imóvel.
Os estados e municípios, parceiros no programa, podem se responsabilizar cada um por até 20% do mesmo valor, podendo chegar a 60% do valor de compra, mas sem dados oficiais, trabalharemos com um abono de 40% no valor total, com casas custando no máximo 300 mil reais, um pouco acima do teto do programa, 264 mil.
Geralmente, esses subsídios são aplicados primeiro abonando a entrada. Notamos um aumento considerável da demanda potencial na cidade de São Paulo, com cerca de 15% da população com acesso melhorado ao mercado de imóveis. É possível observar o impacto do programa na zona traçada das imagens, em São Paulo e no Rio de Janeiro, considerando seu uso amplo no mercado secundário.
A capital menos acessível no momento do estudo é Recife, com o maior índice de desemprego entre as capitais, é a que apresenta a pior curva: acesso extremamente concentrado entre os 10% mais ricos, com pouquíssimas oportunidades para quem se encontra fora dessa faixa de renda. Não à toa, sua população recorre a casas com baixa infraestrutura, não captadas pelo mercado formal aqui pesquisado, e seus moradores estão mais propensos a sofrer com estruturas precárias e impactos ambientais.
A cidade com maior acessibilidade da população aos apartamentos do mercado formal é Brasília, que possui a maior média salarial do Brasil. Sua renda bem superior, mas com preços não muito diferentes de Rio de Janeiro e São Paulo, proporcionam o mercado mais acessível dentre as capitais, mas é uma condição difícil de replicar. O sonho da casa própria é limitado a poucas pessoas e cidades, e longe da realidade da maioria dos brasileiros.
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