Uma breve história das cidades-satélites de Brasília
O desenvolvimento urbano da capital foi muito além do Plano Piloto, mesmo antes de sua inauguração.
A Roma Antiga já possuía maneiras de combater o efeito de ilha de calor urbana. Com a mudança climática elevando as temperaturas globais, será que urbanistas podem aplicar alguma dessas lições às cidades hoje?
3 de outubro de 2024À medida que ondas de calor intensas quebram recordes ao redor do mundo, um fato pouco relatado oferece esperança para resfriar as cidades: mesmo sob os períodos mais intensos de calor extremo, alguns quarteirões urbanos nunca experimentam as temperaturas das ondas de calor.
Como isso é possível?
Civilizações antigas reconheceram o poder das cidades de se aquecerem e se resfriarem por conta própria por séculos. Planejadores urbanos na Roma Antiga propunham estreitar ruas para amenizar as temperaturas no final da tarde. Ruas estreitas ajudavam a resfriar o ar ao limitar a área exposta à luz solar direta.
A arquitetura caiada das ilhas gregas demonstra outra estratégia há muito praticada: paredes e telhados de cores claras podem ajudar a resfriar cidades ao refletir a luz solar.
Em regiões quentes e úmidas do sul dos Estados Unidos, Thomas Jefferson sugeriu outro método de resfriamento: construir todos os novos assentamentos em um padrão de tabuleiro de xadrez, com quarteirões muito arborizados intercalados com áreas densamente construídas. Isso poderia promover a redução do calor por meio do movimento convectivo do ar entre zonas frias e quentes.
Como eu exploro no meu livro “Radical Adaptation: Transforming Cities for a Climate Changed World” (Adaptação Radical: Transformando Cidades para um Mundo Mudado pelo Clima), cidades modernas involuntariamente elevam suas próprias temperaturas, criando o que é conhecido como o efeito de “ilha de calor” urbana.
As cidades aumentam suas temperaturas de quatro maneiras principais:
Esses quatro fatores impulsionadores das ilhas de calor, quando combinados, podem elevar as temperaturas urbanas em 5,6°C a 11°C em uma tarde quente de verão — uma mudança significativa no clima, causada pelo ser humano, que pode representar um sério risco à saúde para quem não tem acesso a ar condicionado.
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Aliada ao desenho do ambiente construído, a topografia natural de uma cidade pode acentuar ainda mais as diferenças de temperatura entre bairros. As colinas e os padrões de neblina de São Francisco, por exemplo, consistentemente separam os bairros da cidade em zonas climáticas distintas. E o uso extensivo de sistemas de irrigação de jardins em climas quentes e áridos pode fazer com que as temperaturas urbanas fiquem mais baixas do que as áreas desérticas circundantes, criando as chamadas “ilhas de frescor” urbanas.
Compreender como as cidades aquecem a si mesmas oferece ferramentas poderosas para resfriá-las, à medida que o aquecimento global causado pelo homem eleva as temperaturas médias.
Primeiro, é essencial que as cidades reduzam drasticamente suas emissões de gases de efeito estufa para frear o fenômeno global da mudança climática. Globalmente, áreas urbanas, com suas indústrias, veículos e edifícios, são responsáveis por mais de 70% das emissões de gases de efeito estufa provenientes do uso de energia, e suas populações estão crescendo rapidamente. Mesmo reduções globais coordenadas levarão muitas décadas para desacelerar as tendências de aquecimento, então as cidades ainda precisarão se adaptar.
As cidades também podem desacelerar o ritmo do aquecimento urbano causado pelo efeito de ilha de calor dando passos que às vezes são simples. Pesquisas mostram que os benefícios para a saúde decorrentes da redução desse efeito podem ser significativos.
No Urban Climate Lab da Georgia Tech, minha equipe e eu trabalhamos em parceria com governos municipais para estimar o potencial de resfriamento da gestão do calor urbano — um conjunto de estratégias projetadas para reverter o efeito de ilha de calor. Para isso, nós medimos os benefícios diretos à saúde de ações como a expansão da cobertura arbórea e de outras infraestruturas verdes e a utilização de materiais frios para ruas e telhados.
Nosso trabalho indica que plantar árvores em apenas metade do espaço disponível para arborização — como ao longo de ruas, em estacionamentos e em quintais residenciais — poderia reduzir as temperaturas em tardes de verão entre 2,8°C e 5,6°C, diminuindo mortes relacionadas ao calor em 40%-50% em alguns bairros.
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Reconhecendo esses benefícios significativos, Nova York estabeleceu e cumpriu a meta de plantar 1 milhão de árvores em seus cinco distritos.
Materiais frios de coberturas e superfícies de cores claras também podem ajudar a amenizar a temperatura. Se você usar uma camisa preta em um dia quente, vai se aquecer mais do que se usar uma camisa branca. Da mesma forma, materiais de construção e revestimentos de telhado claros refletem mais o calor solar do que os materiais escuros, absorvendo menos desse calor. Isso é particularmente eficaz nas horas mais quentes do dia, quando a radiação solar é mais forte.
Para aproveitar esse efeito, Los Angeles se tornou, em 2013, a primeira grande cidade a exigir telhados frios em todas as novas residências.
Estratégias agressivas para aumentar a cobertura arbórea nas cidades, uma transição rápida para materiais de cobertura frios e até substituir algumas faixas de estacionamento nas ruas e outras áreas impermeáveis subutilizadas por biovaletas com vegetação pode reduzir consideravelmente as temperaturas urbanas. Ao fazer isso, essas medidas aumentam a resiliência das cidades às crescentes temperaturas.
Nossas avaliações de risco do calor urbano em várias cidades dos EUA, incluindo Atlanta, Dallas, Louisville (Kentucky) e São Francisco, mostram que uma combinação de estratégias de gestão do calor pode reduzir as temperaturas nos bairros em mais de 5,6°C em dias quentes e diminuir as mortes prematuras relacionadas ao calor entre 20% e 60%.
Uma cidade mais fresca é uma cidade mais segura, e sua criação está ao alcance das comunidades.
Artigo originalmente publicado em The Conversation, em agosto de 2024.
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