O que o Parque Ibirapuera em São Paulo tem a ver com o Nobel de Economia?
Na perspectiva do desenvolvimento econômico, vemos que alguns aspectos da configuração urbana de São Paulo são excludentes.
Entenda por que Marcos Paulo Schlickmann é contra o passe livre e a favor do pedágio urbano, e qual a relação entre os dois.
6 de janeiro de 2015Se alguém me perguntasse — sem me fornecer mais absolutamente nenhuma informação — qual é minha opinião sobre o passe livre e sobre o pedágio urbano, eu responderia que sou contra o passe livre e a favor do pedágio urbano.
Mas qual a relação do passe livre e do pedágio urbano?
O passe livre torna a oferta atual de transporte público coletivo* (ônibus, metrôs, etc.), que é paga, em gratuita para o consumidor final. O pedágio urbano torna a oferta atual de transporte privado individual* (rede viária: ruas, estradas, avenidas, etc.), que é gratuita, em paga para o consumidor final.
É importante notar que só porque um recurso é disponibilizado gratuitamente não quer dizer que ele não tem custo. Alguém, em algum momento da transação econômica, vai pagar: como diz o ditado, não há almoço grátis. Portanto — e isso convém compreender profundamente — a ideia de que todos temos “direito” ao transporte deve ser refletida com cuidado.
Tornar o transporte público gratuito para o usuário final gera o mesmo problema do congestionamento de trânsito que vemos atualmente: um uso excessivo gerado por uma demanda artificial de um serviço gratuito, também conhecido como o problema do “free rider”. É um problema transversal a qualquer serviço ou produto subsidiado, descrito neste artigo como algo que não é pago diretamente pelo consumidor final e sim por impostos, receita de publicidade ou por outras formas indiretas de arrecadação. No caso do transporte os custos são socializados, semelhantes à educação e à saúde públicas.
Assim, tanto o passe livre quanto as ruas gratuitas criam um uso excessivo, pois a viagem para o cabeleireiro tem o mesmo custo que a viagem para o médico: zero. O sistema atual que fornece a rede viária gratuitamente para o motorista é um erro, pois com certeza alguém indo para o hospital com uma queimadura de 3º grau estaria disposto a pagar muito mais para usar a rede viária do que alguém indo para o cabeleireiro. Em uma rua pedagiada o motorista apenas preocupado com a sua estética poderia mudar o horário ou o dia do corte de cabelo para um período onde o trânsito nas ruas é mais barato, ou até mudar para um cabeleireiro mais próximo, fora da área pedagiada. O mesmo vale para passageiros do transporte público.
Mas antes de chegar a uma conclusão, vamos esmiuçar as propostas para entendê-las com mais clareza.
Há pouco mais de um ano nosso amado país presenciou uma enxurrada de protestos iniciada pelo Movimento Passe Livre contra um aumento de R$0,20 na passagem de ônibus da cidade de São Paulo. Acompanhei de perto e ouvi grande parte das vozes e propostas que, ao longo dos protestos, acabaram fugindo da questão transporte e evoluindo para uma crítica generalizada ao estado da Nação.
Os defensores da Tarifa Zero (ou Passe Livre) propõem o subsídio total do transporte público para todos os usuários (ou, pelo menos, para os estudantes). É uma ideia que, como todas as outras, deve ser discutida à luz da razão, evitando os calores políticos.
Atualmente algumas cidades brasileiras (todas com menos de 35 mil habitantes) possuem passe livre, sendo Maricá, no Rio de Janeiro e com 150 mil habitantes, a maior e mais recente a adotar parcialmente esta política. Fora do Brasil algumas experiências apresentam variados graus de sucesso.
O que é o congestionamento? Realmente é um efeito interessante, sendo uma das três externalidades negativas mais estudadas, juntamente com os acidentes e a poluição causados pelo excessivo tráfego de veículos motorizados.
Basicamente há pouca estrada (oferta) pra muito carro (demanda) em certas horas do dia ou em certas zonas da cidade. Há várias formas para resolver este problema, dentre elas: construir mais estradas (aumentar oferta); mudar as leis de zoneamento que, por consequência, mudaria as origens, destinos e os percursos (gerir a oferta e a demanda); ou pedagiar as estradas (gerir a oferta e a demanda). As duas primeiras soluções são caras e demoram muito tempo para atingir resultados. A última, chamada de pedágio urbano (ou taxa de congestão), é cada vez mais reconhecida pelos economistas e engenheiros como a melhor e a mais rápida.
Além de administrar a escassa oferta viária, o pedágio urbano também se justifica como forma de um motorista compensar o transtorno, na forma de atraso, causado por ele sobre os demais motoristas. A decisão de, por exemplo, ir de carro por uma rede congestionada (ou quase congestionada) gera um custo — uma perda de tempo — no motorista que vai atrás, aumentando seu tempo de viagem.
O exemplo acima serve também para justificar subsídios ao transporte público, pois dessa forma estamos recompensando financeiramente a contribuição social do indivíduo que deixou o carro em casa e foi de ônibus.
É verdade que se pensarmos nos lucros abusivos de algumas empresas de ônibus, na má gestão dos contratos, no desespero do passageiro, nos incentivos à compra e ao uso do carro e nos desincentivos ao uso do transporte público etc., a proposta do passe livre se torna muito apelativa. No Brasil essa questão é ainda mais delicada pois quem vai de ônibus é, normalmente, pobre. Quem vai de carro é, normalmente, pertencente à classe média ou alta. Logo, o pobre paga para ocupar um lugar pequeno no ônibus e o rico não paga para ocupar um lugar grande na rua.
Mas devemos ter cautela. A ideia do passe livre até pode funcionar (e funciona em algumas cidades) mas nós devemos questionar se é realmente necessária. Os entusiastas do passe livre esquecem que já existem muitas pessoas que não pagam a passagem inteira, pois existem inúmeros descontos para estudantes, idosos, crianças, portadores de necessidades especiais e ainda empresas que pagam o transporte de seus funcionários. Devemos também questionar se o sistema de transporte está pronto para receber esta nova demanda; se é financeiramente sustentável; se o sistema não vai piorar; e se os passageiros continuarão a respeitar o sistema ao torná-lo gratuito. A demanda tem um comportamento que varia muito ao longo do tempo e do espaço, e adotar uma única política de tarifa (zero) vai, certamente, levar a desigualdades no sistema com alguns passageiros pagando muito e outros passageiros pagando pouco ou nada.
Na minha opinião, o transporte público deve ser barato mas não deve ser gratuito, exceto em redes pequenas e casos muito particulares onde os custos são facilmente controláveis. Nestes casos seria necessária uma maior arrecadação de impostos ou um maior redirecionamento dos impostos locais para o transporte. Os contratos entre os operadores de transporte e as agências reguladoras teriam de ser redesenhados para evitar que o operador tome atitudes desleixadas e não respeite o passageiro, pois se atualmente ele já tem poucos incentivos a ter cuidado na prestação do serviço, imagine com passe livre, um arranjo onde o governo — através de impostos — é quem pagaria a conta.
Para finalizar a questão do passe livre é importante pensar no custo de oportunidade, um conceito que raramente se discute: e se ao invés de usarmos esse dinheiro para o passe livre (que certamente seria necessário) usássemos para melhorar a rede de transporte público construindo metrôs, VLTs ou BRTs?
Sou favorável ao pedágio urbano, mas acho que é ainda cedo para adotá-lo nas cidades brasileiras. Apesar de Londres ter um sistema notável de pedágio urbano ele não existe há muito tempo, sendo criado em 2003. Londres também possui um sistema excelente de transporte público, estando preparada para receber os novos passageiros que deixaram o carro em casa. Boas políticas de estacionamento, cobrando pelas vagas públicas, podem substituir o pedágio urbano a curto prazo, pois assim limitam viagens sem estacionamento privado no destino e motoristas que ficam à procura de vagas, criando ainda mais congestionamento. Mas um dia o pedágio urbano terá de ser adotado e sem dúvida parte da receita gerada deverá ser destinada ao transporte público.
Pelo mundo há vários arranjos que recorrem a fontes externas para financiar parte dos custos do transporte público: sistemas de captura de valore publicidade são os mais comuns. Na Europa o transporte público é subsidiado, em média, em 50% e recebe preferência. No Brasil na maioria dos casos não há subsídio nenhum. Vale lembrar que medidas operacionais como faixas de ônibus e preferência nos cruzamentos podem diminuir substancialmente os custos do transporte público. As faixas são excelentes mecanismos para melhorar o transporte público, pois retiram o ônibus do meio engarrafado, dessa forma os passageiros não sofrem o custo externo (a perda de tempo) causado pelo congestionamento.
Como reflexão final: e se, ao invés de termos transporte gratuito, ele fosse pago e gerido pelo setor privado, com o Estado dando recursos diretamente ao cidadão? Ou ainda, o que aconteceria se o estado saísse totalmente da equação e deixasse o sistema ser gerido somente pelo setor privado? Essas questões ficam para um próximo texto!
*Para quem quer entender melhor os conceitos transporte público, privado, coletivo e individual, sugiro este link.
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Bom dia, Renato! Muito obrigado pela correção.
Realmente o artigo indicado não está mais no ar, mas encontramos e encontramos o mesmo conteúdo em outra página:
https://nabicicleta.com/2013/11/23/textos-de-marcos-paulo-schlickmann-4-alguns-conceitos-basicos-do-transporte-urbano-de-passageiros-1a-parte/
Obrigado mais uma vez e uma ótima semana
Seja vc pobre ou de classe média, no Brasil qualquer dinheiro que vc consiga economizar já é 1 lucro. É claro que entre ir cortar o cabelo ou ir ao médico há 1 hierarquia de necessidades, mas não dá pra pensar o impacto da gratuidade em situações particulares.
Aqui no Rio, pra e ir e voltar do trabalho – imaginando que vc só pegue 1 ônibus de cada vez – vc gasta mensalmente quase 200 reais. Dinheiro que poderia ser muito bem gasto por 90% da população (os que tem renda menor que 6 mil) injetando dinheiro na economia local – cultura e compras, principalmente – e até ajudar na poupança.
Empresários, pequenos comerciantes e quem possui empregadas domésticas tbm não precisariam se preocupar o quão longe o trabalhador mora pra não pagar por muitas passagens.
Mas como é dito no texto, temos que nos preocupar em pensar sobre o nível da qualidade do novo sistema pra poder por em prática.
Eu sou surdo quero passe livre pedágios brasil
Excelente artigo! O Link fornecido no final do texto não está funcionando.