O que o Parque Ibirapuera em São Paulo tem a ver com o Nobel de Economia?
Na perspectiva do desenvolvimento econômico, vemos que alguns aspectos da configuração urbana de São Paulo são excludentes.
Há valor econômico nesses itens que, apesar de “intangíveis”, podem ser bem caros? São investimentos ou despesas? Haveria retorno?
20 de novembro de 2019Na incorporação do edifício B32, falamos muito a respeito de “inserção urbana” e de “elementos simbólicos”. Horas de discussões apaixonadas sobre a venda de uma rua sem saída e uma praça aberta, sobre uma baleia de ferro e vidro, falando do sonho de uma cidade melhor. Uma conversa estranha no meio imobiliário, mais acostumado a falar de taxa de vacância e custo de construção. Achávamos importantes esses assuntos. O B32 serviu de plataforma de discussão dessas propostas de difícil quantificação. Buscávamos compreender se existe um significado econômico, e empresarial, para esses conceitos distantes dos usuais “metros quadrados de locação”.
Sempre cruzo com algum “investidor inteligente” que insiste em me ensinar como tudo deve ser quantificável, para ser projetado em um cash flow descontado do qual se extrairá, além da Taxa de Retorno Interna (TIR), todas as respostas. Nessas avaliações “técnicas”, precisas até a décima casa decimal, não haveria como quantificar itens como “design” ou conceitos imprecisos como “integração urbana e espaço públicos”. E se não são quantificáveis, não deveríamos executá-los, pois seriam decisões sujeitas a considerações subjetivas, o que significaria navegar sob os ventos do capricho, inaceitável para um incorporador profissional. Análise precisa seria apenas aquela resultante de mais ou menos metros quadrados e da taxa de locação, tudo medido “matematicamente” pela ubíqua TIR, suprassumo da objetividade na gestão de negócios imobiliários.
A questão é: há valor econômico nesses itens que, apesar de “intangíveis”, podem ser bem caros? São investimentos ou despesas? Haveria retorno? Ou — como o título deste texto questiona, e sob a perspectiva de uma incorporação imobiliária –, o urbanismo se paga?
Não é fácil responder, mas vale a pena tentar.
O que faz o valor do metro quadrado de um prédio valer mais ou menos? Podemos dizer que seu valor seria definido por seus atributos concretos — sem trocadilho —, entre os quais:
Todos aqueles atributos inerentes ao endereço, fator exógeno ao prédio em si, tais como potencial de acessibilidade, logística, entorno público ou privado e imagem ou prestigio do local. Eles afetam fortemente o valor do imóvel.
Atributos da qualidade e funcionalidade do espaço e sua atratividade para o potencial usuário; i.e., qualidade dos materiais e construção, a funcionalidade do espaço com área por laje, pé-direito, capacidade de vagas na garagem, espaços complementares, etc…
Atributos tais como qualidade maior ou menor das instalações de energia, ar condicionado, sistema de transporte vertical, etc.
No entanto, além destes três aspectos — ou talvez entremeados a eles —, existem outros, de uma natureza mais abstrata, de difícil quantificação, mas que, no final, influem de forma bem concreta no valor do prédio.
O design arquitetônico, ao criar beleza, essa elusiva qualidade de agradar aos sentidos, é um dos fatores mais impactantes de qualquer imóvel. O design molda formas e texturas capazes de irradiar valores, ideias ou marcas e, igual a um artista genial, faz a obra “falar”, faz o prédio “te dizer algo”, sem deixar, ao mesmo tempo, de atender as necessidades de espaço e conforto. Uma implantação urbana, que integre com a cidade, tem um poderoso apelo simbólico, reforçando localização, identidade e pertencimento. Uma obra de arte em um espaço público, ao cativar a imaginação das pessoas, certamente fortalece a legibilidade daquele espaço como endereço. A certificação LEED, critério bastante tangível, mas que transmite uma ideia abrangente e às vezes difícil de conter em uma definição precisa — a sustentabilidade —, é uma precondição de análise para muitos inquilinos.
Atributos intangíveis se mesclam a outros objetivos, para criar um dos aspectos mais importantes na valorização dos ativos imobiliários: a diferenciação.
Elie Horn, talvez o maior empresário do mercado imobiliário atual, é famoso por sua perspicácia empresarial e capacidade de rapidamente adaptar-se às mudanças no ambiente de negócios — quem sabe a razão de seu sucesso. Em momentos de inflexão, sempre exclama, com aquela sua entonação oxítona característica: “o mundo mudou, o mundo mudou”. Realmente, o mundo mudou e continua mudando.
Hoje, software vale mais do que hardware, ideias valem mais do que coisas. Marcas valem mais do que todo ativo imobilizado de muitas empresas. O aplicativo Uber, zero de hardware, imóvel ou fábrica, vale quase tanto quanto a General Motors ou a Ford. Imensas “flagship stores” são instaladas nos pontos comerciais mais caros do mundo, mais para “vender conceitos e estilo de vida” do que produtos. No mundo atual, “meaning is the new Money”. Pessoas, além de bens materiais, anseiam por significado em suas vidas, e o anseio das pessoas é o anseio dos inquilinos dos prédios de escritórios.
É por tudo isso que um prédio não é só vidro, aço e concreto. É design, é imagem, é cidade, contexto urbano e endereço. Alguns prédios — nem todos, é verdade — possuem essa dimensão abstrata, simbólica, e são valorizados por isso. “Mas como isso se reflete na conta do banco?”, pergunta nosso cético “investidor inteligente”.
Se os inquilinos valorizam aqueles atributos, para si e para suas empresas, eles irão pagar aluguéis proporcionalmente maiores ou, no mínimo, irão migrar de prédios piores (sem aqueles atributos) para prédios melhores (com) — como parte da chamada fuga para qualidade (flight to quality, no jargão do setor). A força de atração desses atributos certamente vai incrementar a demanda do espaço, que por sua vez, no encontro com a curva de oferta, vai gerar aluguéis maiores e mais presentes.
Esses aluguéis, quando contratados, irão gerar um fluxo de receitas ao longo de alguns anos. O valor do prédio é resultante desse fluxo. Os investidores adotam um desconto simplificado. Na assunção de cash flow permanente, dividem o aluguel anual pela taxa de retorno anual que aceitariam para carregar aquele ativo em sua carteira. O resultado é o valor do prédio. É dessa interação competitiva de investidores e do fluxo de aluguéis que resulta o preço do prédio.
Interessante observar que no mercado residencial a valoração dos imóveis é mais afetada pela demanda de aquisição do que de locação, destino de pequena parcela do estoque de imóveis residenciais. Além disso, ser dono da casa própria tem conotações sociais e culturais acima de razões puramente econômicas, de investimento e renda. Ocorre, portanto, uma menor correlação entre o preço e o aluguel, pois resultam de demandas e ofertas mais ou menos independentes. É por isso que o mercado residencial inverte a equação quando fala “quero 0,5% de aluguel no meu apartamento”. Ou seja, o aluguel é derivado do preço do imóvel e não o inverso, como no mercado de escritórios. Os proprietários não utilizam a locação para definição do preço de seus imóveis.
Em edifícios de escritórios, o preço do ativo será dado pelo fluxo de aluguéis e sua taxa de desconto, e aquele valor irá variar conforme variarem as taxas de desconto — Cap. Rate, no jargão dos que gostam de parecer entendidos. Um aluguel anual descontado à uma taxa de 10% ao ano (a.a.) resultará em certo valor; caso a taxa de desconto seja reduzida para 5% a.a., o resultado será o dobro. Mesmo fluxo de aluguéis, distintos preços.
E o que define essa taxa de desconto? Além dos fatores primordiais como as taxas de juros vigentes no mercado financeiro, risco, etc., serão os atributos do ativo, tangíveis ou intangíveis, que definirão a taxa de desconto a ser aceita. Quanto maior a atratividade dos investidores em relação àquele imóvel, maior sua aceitação por menores taxas de desconto. Mais uma vez no jargão, “Trophy Properties”, ou propriedades troféu, únicas, são vendidas a taxas de capitalização menores.
Resumindo, aqueles itens intangíveis, como design e integração urbana, vão ensejar um menor cap. rate e consequentemente um maior valor. Ou seja, dentro de certo cenário financeiro, superadas certas características tangíveis básicas, o valor do ativo será afetado pelos aspectos intangíveis do imóvel. E aqueles gastos em design e urbanismo, mesmo que de difícil mensuração, talvez sejam os gastos que propiciem, proporcionalmente, a maior taxa de retorno.
Como diria o grande Elie Horn: “o mundo mudou”. Realmente tudo está mudando e para ser perspicaz no mercado imobiliário de hoje, teremos que investir em diferenciação, em design, em atributos simbólicos e, principalmente, em integração urbana. Contrariando o maniqueísmo dos menos perspicazes ou o cinismo dos mais presunçosos, a feliz conclusão é: investir em urbanismo se paga, e é bom para cidade sem deixar de ser bom para o investidor. Seria o chamado Ganha/Ganha. Ganha o investidor, ganha a cidade, e ganhamos todos nós.
Assim, caro colega incorporador, apesar do nosso mercado ser de “imóveis” e de “sólidos” ativos, não fica bem para você ser um “sólido cabeça dura, imóvel no tempo”. Lembre-se que o mundo mudou. Faça um bom negócio, invista na cidade!
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Caro Rafael, Parabéns pela resiliência e perseverança em proporcionar a todos seus relacionamentos de trabalho atuais e antigos essa visão de longo prazo que é no final do dia o que valoriza qualquer ativo, desde a Cidade até um apartamento. Não é a toa que adoramos viajar e conhecer lugares com urbanização moderna e bem planejada, Seoul, Berlim, Nova York, entre outros. Sem dúvida essa visão permeia pelos bem sucedidos executivos que você ajudou muito a formar e que hoje pilotam as principais empresas de desenvolvimento imobiliario de São Paulo.
Como Urbanista, fui atraído a ler este artigo esperando um texto de algum arquiteto. Para minha surpresa e gratidão, me envolvi numa conversa com investidores imobiliários, que costumam olhar o imóvel associado a números e estatísticas. Minha atenção aumentou com a imagem do imóvel da Brascan no Itaim, onde adquiri duas unidades, um escritório e um flat. As coisas mudam, e a idéia inicial de ter um pool de escritórios, depois de 10 anos acabou inviável, uma pena, mas são as condições do universo, em constante mudança. Observamos que as cidades mudam, mas nem sempre a sua estrutura básica, de quadras e lotes acompanha as necessidades, de certa forma impedindo o desenvolvimento maior da arquitetura da necessidade. O futuro para os visionários, como nos filmes de Flash Gordon e outros, embora apresentem prédios de formas inusitadas, hoje praticadas por países mais afortunados como Dubai, Shangai, entre outros, percebe-se que esses prédios modernos e ousados, estão assentados de forma muito bem comportada e tradicional, nos lotes urbanos, cada um num lote. Essas paisagens, por melhor e moderno que tenham as concepções dos prédios, como urbanismo, ficaram no passado. Daqui a 100 anos, ou até muito antes disso, o mundo terá mudado bastante nos seus meios de transporte, superando até a resistência do ar, nas super-velocidades ao viabilizar o movimento dos veículos no vácuo, assim como é possível que a lei da gravidade tenha uma tecnologia que a controle. Assim, desde já, o urbanismo já poderia se atualizar. Um dos pontos de entrave pode estar no controle do Poder Público sobre as propriedades, com o uso do solo ( natural e criado – por meio de lajes) e as vias e áreas verdes. Com as mudanças no uso e ocupação do solo e o adensamento das construções, as vias públicas e as redes de infraestrutura urbana ficam inadequadas tecnicamente e em capacidade pela desproporção de áreas privadas em relação as áreas públicas. A partir de um adensamento e das inovações em mobilidade e acessibilidade, além de impactos e deterioração urbana, a estrutura e infraestrutura urbana precisam adotar novos desenhos, com riscos de entrar em colapso na mobilidade, segurança e saneamento, afetando os valores dos imóveis, por melhor que foram projetados, com material nobre de grande durabilidade e continuem eficientes como edifícios. Eu esperava que esses aspectos estivessem presentes no seu texto, mas o que aprendi foi compensador. Temos grandes mudanças a fazer, em especial nas metrópoles, onde se concentram as grandes quantidades, mas justamente essas questões, como a de tráfego, abastecimento de energia, saneamento básico, etc. estão aguardando soluções. Por exemplo, as soluções viárias para o grande transito, como os viadutos feitos nos EUA e mundo afora, e que apareceu no nosso minhocão, muitos estão sendo demolidos e condenados, pois os técnicos em tráfego não entenderam a integração urbana dessas estruturas. Mas, aguardemos pelas mudanças positivas na estrutura urbana e que certamente mudarão os nossos edifícios. Mais uma vez, parabéns pelo artigo.
Muito bom. Parabéns
Excelente, Rafael! No fim, o que importa mesmo é o que os edifícios fazem pela cidade, em vez de simplesmente vampirizá-la. Por mais incorporadores com esta visão. Abraço, e parabéns!
É isso ai, valeu Eduardo. Abs
Bom dia, parabéns pelo artigo! Representa muito do que eu lido diariamente. Trabalho com estudos de viabilidade econômica no planejamento urbano de uma prefeitura.
Quanto à taxa de desconto, entendo que ela vá representar o WACC (Custo Médio Ponderado do Capital), índice de difícil cálculo quando não são conhecidas as premissas de cada empreendimento. Portanto, aqui utilizamos a medida de 1,5 CDI, entendendo esta medida como custo de oportunidade para o incorporador.
Não entendo quando no texto afirma que quando maior a atratividade dos investidores menor será a taxa de desconto. Entendo que uma maior atratividade gerá maior retorno potencial, aumentando o valor do empreendimento via receita futura, não via redução da taxa de desconto.
Obrigado e abraços.
Julio
Obrigado pelo comentário. Na forma que entendo, O CAP Rate é uma perspectiva do investidor que esta “comprando” o ativo e não do incorporador e seu custo de oportunidade. E o valor do ativo é definido tanto pelo fluxo de receita gerada como pelo Cap Rate. O primeiro é definido pelo mercado, oferta e demanda daquele espaço, gerando um fluxo maior ou menor conforme o posicionamento do produto nesse mercado. O segundo, o cap rate, é definido por outro mercado, pela perspectiva do investidor: quanto de retorno ele demanda para entrar naquele ativo. Caso ele considere que aquele ativo vai continuamente atrair inquilinos por muitos anos a frente, que vai estar atual nos mercados futuros, que tem “sex apeal”, etc.. , mais outras considerações do mercado financeiro, de investimentos alternativos, etc, define na cabeça dele o Cap que ele aceita. Sao duas curvas independentes e de dois mercados difierentes, de certa forma: a curda da demanda para locação, com seu mercado de espaços ofertados e demandados e a curva de investimentos imobiliarios ou outras alternativas. Exemplificativamente: um prédio de escritórios, velho e caindo aos pedaços pode ser uma boa compra para um turn around a 15 ou 20% ; um escritório bem localizado e de qualidade pode ser comprado a 8a 9% mas um edifício excepcional, com forte imagem, com perspectiva de ser atual por muitas décadas, um Trophy property com se fala, pode ser adquirido por 5% ou menos.
Por fim, a atratividade do empreendimento atua em dois mercados separados – dos inqulinos e dos investidores
Muito bom texto. Parabens