A mudança de uso é inevitável
Cidades são dinâmicas, e os tipos de uso do solo precisam acompanhar as mudanças pelas quais a cidade passa.
É comum ver, mesmo em edifícios que acabaram de ter “Habite-se”, uma ampliação sendo feita na sua cobertura, tornando-se esta prática quase que uma tradição carioca.
8 de maio de 2023Foi aprovado recentemente, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, o Projeto de Lei Complementar (PLC) 88-A/2022, que “estabelece condições especiais para o licenciamento e a legalização de construções e acréscimos nas edificações no Município do Rio de Janeiro, tipo de legislação conhecida como Lei da ‘Mais-Valia’, ou popularmente, como Lei dos “Puxadinhos.” Nos últimos 13 anos tivemos quatro Leis com este teor.
É comum ver, mesmo em edifícios que acabaram de ter “Habite-se”, uma ampliação sendo feita na sua cobertura, tornando-se esta prática quase que uma tradição carioca. No município, pela quantidade de vezes que se promulgam leis com este teor, fica previsível que qualquer um que faça uma obra fora dos parâmetros urbanísticos terá, em algum momento, a oportunidade de regularizá-la.
O princípio motivador desta prática é o de regularizar diversas construções que ultrapassam os parâmetros permitidos, como a ampliação horizontal nas áreas descobertas, a ampliação de coberturas e o acréscimo de pavimentos, cobrando, para tanto, contrapartidas financeiras.
Ou seja, uma lei de cunho arrecadatório e não uma lei com base num plano urbanístico. Porém, nesta lei encontramos um outro instrumento que chamamos de “mais-valerá”, no qual o proprietário pode pagar pelo acréscimo antes mesmo de iniciar a construção; ou seja, ele acrescenta um pavimento ao seu edifício no momento do seu licenciamento.
Não somos contrários ao aumento dos gabaritos (altura dos edifícios) nas áreas infraestruturadas da cidade — acreditamos que isto pode contribuir para o adensamento urbano, com mais pessoas morando nessas regiões. Mas então qual é o grande problema do PLC 88A/2022?
O problema é que ele chega à Câmara para votação no momento em que está sendo discutida a revisão do Plano Diretor do Rio de Janeiro, lei responsável pelo estabelecimento dos parâmetros de desenvolvimento urbano, uso e ocupação do solo no Município. O Plano Diretor estabelece “as regras oficiais” para construção.
Para termos maior transparência e segurança jurídica, caso o aumento dos gabaritos seja possível, ele tem que constar da Lei de Uso e Ocupação do Solo, e não de uma lei de exceção, que não é do conhecimento de todos e abre uma ‘brecha’ temporal que só beneficia alguns proprietários.
Outra questão que trazemos para discussão é: se os gestores municipais acham que cabe um aumento de gabarito na cidade, por que não colocam isso no Plano Diretor? Para que instituir uma “mais-valerá”? No geral, a lei não traz contribuições para a construção da forma urbana e da paisagem da cidade do Rio de Janeiro.
Contribui, isso sim, para a descaracterização desta que é patrimônio mundial e vive de seu turismo. Feita esta reflexão, o que mais pesa, e nos parece fora de propósito, é que este projeto de lei complementar se apresente no mesmo momento que se está discutindo o novo Plano Diretor — o qual trata exatamente de parâmetros de uso e ocupação do solo.
Para que serve o planejamento urbano? Se é possível fazer um pavimento a mais, ampliar uma cobertura ou uma área descoberta mediante pagamento, que se incorpore à legislação esses novos parâmetros. Assim, valem igualmente a todos, com previsibilidade e segurança, sem fins exclusivamente arrecadatórios.
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