Espaços abertos positivos
Imagem: Kalboz/Flickr.

Espaços abertos positivos

No projeto de espaços abertos, considero que um dos conceitos mais importantes é o de conformação de espaços abertos “positivos”.

24 de agosto de 2023

No projeto de espaços abertos, considero que um dos conceitos mais importantes — e mais difíceis de serem explicados — é o de conformação de espaços abertos “positivos”. Até onde pude apurar, essa denominação foi dada por Alexander et al (1977) no “Linguagem de Padrões” e continua sendo utilizada por outros autores (ver, por exemplo, CARMONA et al, 2003), apesar de não ser um termo amplamente adotado.

Tão difícil quanto defini-lo em palavras é conseguir com que os alunos entendam o conceito e, mais importante, apliquem-no em seus projetos (e, por que não dizer?, também os profissionais, vide os exemplos trágicos de espaços urbanos existentes por aí). Por isso, este post vai tentar defini-lo utilizando-se primordialmente de imagens, na esperança de que o contraste entre os tipos de espaços permita um entendimento mais fácil e completo desses conceitos.

Espaços positivos e negativos

Segundo Alexander et al (1977, p. 518), espaços abertos positivos são aqueles que “possuem um formato distinto e definido, tão definido como o de uma sala”. Em estudo posterior, Alexander et al (1987, p. 66) definiram espaços positivos como “coerentes e bem conformados”.

Para entender melhor, convém considerar uma espécie de deslocamento do foco de atenção na consideração das relações entre edifícios e os espaços abertos, deslocamento no qual o foco de atenção passa dos primeiros para os últimos. Estes passam a ser o elemento principal, e as edificações são vistas como meios para conformar os espaços abertos. Ou, em outras palavras, “‘Edifícios rodeiam os espaços abertos’ e NÃO ‘Os espaços abertos rodeiam os edifícios’” (ALEXANDER et al, 1987, p. 67). Os espaços abertos é que devem possuir formas mais simples e “íntegras”, inteiras, legíveis, enquanto que as edificações acabam possuindo formas mais irregulares, atreladas à sua função de conformar os espaços abertos.

Quando isso não acontece, temos espaços negativos ou, para usar um termo mais usual, residuais. Nesse caso, a edificação é posicionada em um local central e os espaços abertos são aqueles que “sobram” ao seu redor. Esses espaços tendem a ser percebidos como incompletos, desagradáveis, sem unidade e, via de regra, são usados para canteiros sem importância ou como espaços exclusivamente de passagem.

Veja, por exemplo, o conjunto do CTC, no campus da UFSC, abaixo. É possível perceber que a forma das edificações não fazem a menor menção ao espaço aberto. Elas foram determinadas segundo sua própria lógica (o que não quer dizer, infelizmente, que isso garanta alguma coisa em termos de qualidade na solução arquitetônica), e criam uma série de espaços residuais ao seu redor e em suas reentrâncias.

Centro Tecnológico da UFSC
Centro Tecnológico da UFSC. (Imagem: Google Maps)

Examine, na imagem abaixo, a forma aproximada da edificação destacada e, especialmente, as várias formas dos espaços em branco: praticamente todas são “retalhos”, espaços sem força, sem integridade, sem ambiência. Por isso, dificultam a conformação de subespaços e áreas de estar, e não incentivam sua apropriação pelas pessoas.

Centro Tecnológico da UFSC
Centro Tecnológico da UFSC. (Imagem: Google Maps)

Por outro lado, veja a Praça do Campidoglio, abaixo. As edificações conformam perfeitamento o espaço aberto, definindo claramente três lados que funcionam como limites, enquanto um deles fica aberto, conferindo ambiência e direcionalidade ao espaço e valorizando os visuais tanto para o edifício principal quanto a partir do espaço aberto para a cidade, que fica em um nível mais abaixo.

Fatores que auxiliam a construção de espaços positivos

Um primeiro fator, tratado por Alexander et al (1977), é a convexidade do espaço. Um espaço é convexo quando é possível traçar uma linha reta entre todos os pontos localizados no seu interior sem atravessar nenhuma borda do espaço aberto. Em outras palavras, em espaço convexos todos os pontos em seu interior conseguem se “enxergar” mutuamente.

A imagem abaixo mostra dois exemplos: o primeiro deles, à esquerda, representa um espaço convexo. Todas as possíveis combinações de pontos teriam linhas de visão mútua semelhantes à linha tracejada, no sentido de que passariam apenas dentro do espaço. Na imagem da direita, ao contrário, é fácil perceber que há uma razoável quantidade de “pares” de pontos cuja linha de visão entre si passaria por fora do espaço, conforme exemplificado pela linha tracejada. Esse espaço não é convexo.

Espaço convexo (esquerda) e não convexo (direita).
Espaço convexo (esquerda) e não convexo (direita). (Fonte: Carmona et al, 2003, p. 138)

O segundo é um certo grau de “contenção espacial” (CARMONA, 2003, p. 139), que por sua vez depende da relação entre a altura das edificações do entorno e suas distâncias no eixo horizontal. Em casos em que os edifícios estão localizados junto ao espaço aberto, essa relação tende a favorecer a contenção espacial, enquanto que edifícios muito distantes desfavorecem ou mesmo comprometem inteiramente essa sensação de contenção ou ambiência.

Obviamente, esse fator está intimamente relacionado com a continuidade dos edifícios ao redor do espaço aberto; nos casos em que essa continuidade é prejudicada pela existência de grandes afastamentos entre as edificações, ou até mesmo pela existência de grandes avenidas e/ou outros elementos do sistema viário, a sensação de ambiência tende a sofrer. Segundo Carmona (2003), a forma mais fácil de criar esse senso de contenção espacial é agrupar edifícios ao redor de um espaço central.

Entretanto, isso nem sempre é possível ou até mesmo desejável, dependendo de cada situação. Nesses casos, é possível atingir efeito semelhante através de outros elementos, tais como desníveis e o uso de vegetação. Veja, por exemplo, a estratégia utilizada pelos projetistas da Deichmann square, Chyutin Architects, para reforçar o senso de ambiência e fechamento: nas laterais em que não havia edificações, eles utilizaram-se de suaves taludes para ajudar a criar um fechamento (quase) vertical para o espaço aberto.

Essa contenção espacial possui, certamente, diferentes graus, dependendo do modo como suas bordas estão configuradas, como se relacionam e conformam o espaço aberto e como se relacionam entre si, permitindo um maior ou menor campo visual “escapar” de dentro do espaço. Edificações que se estendem por trás de outras edificações tendem a bloquear as visuais para fora do espaço e, com isso, ampliar a sensação de contenção.

Carmona (2003) nota que, de acordo com Camilo Sitte (1992), as praças que se mostraram mais bem sucedidas em seus estudos eram aquelas que permitiam linhas de visão para outras praças (sobre isso, vale a pena dar uma olhada também nos estudos da Sintaxe Espacial e as análises feitas sobre esses visuais para fora das ambiências criadas pelos espaços abertos).

Camilo Sitte também estudou esse fenômeno e destacou o uso de configurações do tipo “catavento”, nas quais as vias não passam diretamente pelo espaço, o que diminuiria a sensação de contenção do espaço; ao contrário, as vias eram interrompidas pelas edificações para “recomeçarem” em outro alinhamento, aumentando a sensação de definição da ambiência.

Podemos concluir que espaços bem conformados, positivos, tendem a proporcionar maior qualidade ao usuário e criar espaços mais agradáveis. Entretanto, é preciso buscar o equilíbrio no grau de fechamento do espaço, sob pena de criar um ambiente excessivamente autocentrado e desconectado do seu entorno e das demais atividades acontecendo na cidade ao seu redor.

Um fechamento equilibrado deve ser capaz de, ao mesmo tempo, proporcionar uma sensação de acolhimento mas também realizar conexões (visuais, funcionais, ou mesmo simbólicas) com outras partes da cidade, sejam outros espaços semelhantes a ele ou não, de forma a integrar-se adequadamente à riqueza e complexidade da dinâmica urbana.

Exemplos

Negativos

Positivos

Referências

ALEXANDER, C.; ISHIKAWA, S.; SILVERSTEIN, M. A pattern language: towns, buildings, construction. New York: Oxford University Press, 1977.

ALEXANDER, C. et al. A New theory of urban design. New York: Oxford University Press, 1987.

CARMONA, M. Public places, urban spaces: the dimensions of urban design. Oxford; Boston: Architectural Press, 2003.

SITTE, C. A construção da cidade segundo seus princípios artísticos. São Paulo: Ática, 1992. v. (1a. ed. 1889)

Publicado originalmente em Urbanidades em maio de 2014.

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