Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Um ensaio sobre o atual problema do mercado de arquitetura e suas possíveis soluções.
17 de novembro de 2014Kenneth Frampton, o maior crítico de arquitetura ainda vivo, prefere não gastar suas palavras comentando a produção de Frank Ghery. Quando questionado sobre o assunto — mais precisamente a sua falta — respondeu de maneira clara: Ghery não faz arquitetura, ou melhor, não o faz com profundidade suficiente; a sua liberdade formal excessiva é quase invariavelmente contraposta uma função que, apesar de criteriosa, é extremamente rasa, quando comparada à complexidade de hospitais, bancos e edificações esportivas. Nas palavras do mesmo: “A galeria de arte não tem programa. isso significa que eu faço o que me der na telha!”
Tomar a opinião como verdadeira é aceitar um problema na formação da cultura, algo que não afeta apenas a “escultores em larga escala”. Museus, galerias de arte, catedrais — projetos onde a articulação logística é relativamente desinteressante — compõem a desigual maioria do que constitui a “arquitetura visitável”. Como resultado desta desproporção, a experiência arquitetônica propagada ao público padece de uma ignorância generalizada no quesito programa. Seus impactos na produção do espaço são mais drásticos do que se pensa.
A ignorância se materializa através do que possivelmente seja o cânone menos questionado da disciplina: não existe boa arquitetura sem bons clientes. Se o conceito de “boa arquitetura” para leigos (o que inclui o potencial cliente de qualquer arquiteto) é baseado em uma série de projetos que são, no sentido mais literal possível, inúteis; se o que define qualidade para profissionais da área pertence a uma realidade completamente distinta do que a população pretende construir; inferir a natureza de uma crise é simples: para o cliente, por mais culto que seja, “boa arquitetura”‘ não vale a pena, não soma, não paga.
O que fazer então? A ideia — lugar comum em faculdades — de que “centros culturais e museus de arquitetura sólida” trariam o amor do público de volta ao campo, parece inocente, facilmente descartável. Uma série de outras medidas, entretanto, ainda são possíveis.
A mídia — de arquitetura ou não — precisa mudar seu foco. Enquanto a menina de seus olhos for o MAR e não o Aeroporto de Recife a situação permanecerá estável. Neste sentido os ingleses tem se mobilizado de maneira produtiva. O Stirling Prize, a premiação de arquitetura mais relevante do país, incluiu, em sua última lista de pré-selecionados, um cinema e um edifício de escritórios, ambos excelentes. O Royal Institute Of British Architects, semelhante ao nosso IAB e que promove tal prêmio, popularizou o slogan “Boa arquitetura tem seu preço mas má arquitetura — ou não-arquitetura — te custará mais”. Apesar de diversas críticas possíveis à instrumentalização de algo que é indubitavelmente mais do que “pura função”, o mercado tem respondido de maneira positiva.
Existe ainda uma outra possibilidade: permitir que pessoas “comuns” visitem edifícios “comuns” — aprendizado através da experiência. O que, à primeira vista, parece improvável, tem se provado possível e cada vez mais se popularizado.
O Open House foi fundado em Londres, em 1992, e atualmente alcança quase 20 cidades. Seu objetivo é simples: abrir para visitação, uma vez por ano, edificações excelentes, com programas “comuns” e funcionamento usual. A frequência do evento parte do entendimento de que “Arquitetura real” não é pública por motivos “reais” — abrir partes privadas do JFK Airport durante um período prolongado seria um risco à segurança do mesmo, por exemplo — mas considera o aprendizado do programa, e de suas soluções espaciais essencial, a arquitetos ou não.
Marcos da arquitetura como a sede do LLoyds Bank em Londres ou o edifício Chrysler em Nova York deixam de ser fotos para se tornarem uma realidade palpável. Apesar de ter um, já esperado,grande público de arquitetos, nos últimos anos a população estranha ao campo tem aumentado e de certa forma se especificado — médicos, por exemplo, têm mostrado interesse em conhecer arquiteturas hospitalares. O cisma, entre clientes e suas aspirações arquitetônicas, tem se reduzido.
A educação do programa, é essencial a um novo mercado de arquitetura. É fundamental a atenção ao ecossistema existente entre espaços e programas — desmontar um relógio não o permite ver em ação. O Open House se contrapõe à museificação, processo lucrativo porém não muito didático, pelo qual casas, bibliotecas, hospitais e universidades deixam sua utilidade original para virar um ponto de peregrinação arquitetônica.
Existem participações populares na produção da arquitetura que escapam a literalidade da auto-construção, e a relação cliente-arquiteto é exemplar disso. A demanda por bons projetos floresce apenas em uma sociedade que entende o valor dos mesmos. Para aumentar a qualidade de seu conjunto construído, a cultura de arquitetura precisará entender que educar arquitetos é apenas meio caminho.
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Texto muito profundo ,nos a uma reflexão cultural sobre a finalidade da arquitetura , o útil e o belo.A crédito que a humanidade necessita de ambos para enaltecer seu modode viver.A harmonia dos fatos nós leva a Paz.Parabens.Excelente.