Economia e Urbanismo: um encontro necessário
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Economia e Urbanismo: um encontro necessário

As cidades brasileiras precisam de um alinhamento maior entre o planejamento urbano e o estudo das relações econômicas.

27 de novembro de 2025

A relação entre Urbanismo e Economia no Brasil é marcada por uma desarticulação histórica entre quem planeja a cidade e quem produz, financia e ocupa o espaço urbano. Essa distância é observada até mesmo dentro das instituições de ensino superior. Por exemplo, a maioria (ou todos) os cursos de Arquitetura e Urbanismo não têm uma matéria obrigatória de economia e vice-versa. Há uma barreira entre os dois campos do conhecimento que impede ganhos que derivariam de uma boa conversa. Mas por que é tão difícil a comunicação? 

Enquanto o Urbanismo opera, em grande medida, a partir de uma lógica normativa, definindo o que, onde e como se pode construir, a Economia é frequentemente tratada como um fenômeno técnico independente, restrito à regra do mercado, ao financiamento e à dinâmica de preços. Essa errônea separação gera ineficiências, distorções e desigualdades, como subaproveitamento do solo em razão de coeficientes de aproveitamento rígidos, resultando em zonas com oferta de transporte e emprego subdensificadas. O espaço urbano é, ao mesmo tempo, local de ação social e produção econômica.

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Entre o conjunto de medidas para superar essas limitações das cidades atuais, requer que urbanistas e economistas sentem à mesa para uma boa conversa. O objetivo é articular medidas de cooperação para produzir cidades melhores do que as herdadas até agora. 

Um diálogo produtivo exige compreender diferenças e pontos de contatos. A partir daí, distâncias começam a ser encurtadas e pontes construídas para superar questões urgentes como combate ao déficit habitacional, esvaziamento dos centros urbanos, legislações complexas e concorrenciais, deslocamentos excessivos, expansão territorial da criminalidade, crescimento da população de rua, vacância de residências etc. 

Para um primeiro encontro, nada melhor do que uma boa apresentação. Enquanto os urbanistas são formados em arquitetura e urbanismo com foco no objeto físico, os economistas são ensinados a partir de modelos matemáticos abstratos com foco no sistema de produção e utilidade das famílias.

A educação do economista na universidade é direcionada por modelos matemáticos, que são simplificações da realidade. Em muitos casos, uma simplificação excessiva que deixa de lado elementos relevantes, como normas urbanísticas e zoneamento. Não internalizar o papel do parcelamento, uso e ocupação do solo para precificar ativos imobiliários, por exemplo, pode encaminhar a propostas ou resultados pouco efetivos. Ademais, instrumentos como coeficiente de aproveitamento, taxa de ocupação e outorga onerosa do direito de construir geralmente não são explicitados (ou considerados) em discussões, teóricas ou empíricas, sobre heterogeneidade locacional dos preços.  

Os urbanistas, por sua vez, desconsideram as estruturas de mercado em vigor, os instrumentos de incentivos econômicos e os possíveis cenários que o desenho do espaço físico impõe sobre a chance de estar empregado, a oferta de habitação, o espraiamento das cidades, comprometendo a sustentabilidade financeira e produtiva no território. Um exemplo claro é a criação de planos urbanos (polos tecnológicos, corredores criativos, centralidades) que desconsideram o encadeamento econômico das possíveis atividades locais com a economia da cidade. 

Cidades mais justas e economicamente viáveis são fruto da interação entre planejamento urbano e dinâmicas econômicas.

Para essa primeira aproximação, a lição que ambos os lados podem levar para seus escritórios é relacionar o desenho ao sistema produtivo. A regulação urbana é um bom exemplo. Índices urbanísticos que desconsideram a viabilidade econômica e financeira, por exemplo, promovem um equilíbrio que resulta em subutilização do território, segmentação por renda e expansão da cidade para além da capacidade dos cofres públicos. Não faltam exemplos para elucidar os resultados concretos nas cidades brasileiras.

Para focar na cidade de São Paulo, os instrumentos de adensamento nos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana e incentivos às fachadas ativas e uso misto nos térreos são usados como exemplo. No primeiro, foi permitido construir mais e com menos exigência de vagas de garagem nas proximidades dos corredores de transporte. Já no segundo caso, instrumentos como redução de recuos, maior taxa de ocupação, acesso a maior potencial construtivo, flexibilização do tratamento paisagístico e possibilidade de incorporação de fruição pública foram utilizados como estímulo.

O adensamento em eixos de transporte é um bom exemplo de como incentivos urbanísticos podem estimular os agentes econômicos. Entretanto, a falta de análise sistêmica tem resultado em canibalização das operações urbanas consorciadas pelos incentivos dos eixos e concentração em poucos trechos, com adensamento pontual e não contínuo. Estamos diante de uma situação que os instrumentos urbanísticos sobrepõem a análise econômica sistêmica. Portanto, ignorar as externalidades, positivas e negativas, dos múltiplos desenhos urbanísticos sobre o território é fadar o desenvolvimento econômico urbano ao insucesso ou a resultados subótimos e à incapacidade de lidar com possíveis equilíbrios indesejados. 

Os estímulos concedidos às fachadas ativas é um típico caso de ausência de análise sistêmica, pois desconsidera a heterogeneidade do território e suas vocações econômicas. O instrumento urbanístico foi capaz de ampliar a oferta de edifícios de uso misto e melhorar a viabilidade financeira das incorporadoras. O setor produtivo elaborou os projetos para caber no lote e nas suas restrições orçamentárias. Entretanto, o resultado atual é um passivo para a cidade: vazios urbanos com infraestrutura urbana subutilizada.

O conflito federativo no campo do planejamento urbano aprofunda as barreiras entre os dois campos do conhecimento. Enquanto os municípios são liderados por desenhos de espaço e regulação locais, as políticas habitacionais e creditícias são elaboradas pela União e lideradas por cálculos financeiros que devem observar metas fiscais e não o desenvolvimento urbano das cidades. Sob esse modelo de gestão fragmentada, a coordenação fica comprometida. 

O Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) é um exemplo de quando a Economia lidera o Urbanismo. O Programa, que nada mais é do que uma política macroeconômica com um verniz de política habitacional (sem política urbana), está focalizado em crescimento econômico agregado. Ao colocar em perspectiva os resultados do MCMV nos últimos 15 anos, temos famílias com moradias distantes dos polos de emprego e da infraestrutura urbana, cidades com custo social e urbano ampliados e déficit habitacional resistente à queda.

Empreendimento do programa MCMV isolado da cidade, em Viamão (RS). Foto: Ricardo Stuckert/PR

Cidades mais justas e economicamente viáveis são fruto da interação entre planejamento urbano e dinâmicas econômicas. O planejamento deve ser baseado em evidências com integração entre dados (sobre mobilidade, densidade, preços, renda e infraestrutura) e análises sistêmicas. Coeficientes de aproveitamento, gabarito, uso do solo e outras regulações devem viabilizar o desenvolvimento e crescimento sustentáveis das cidades. Por isso, tanto as normas urbanísticas quanto as análises econômicas precisam permear temas como produtividade do trabalhador, a compreensão das diferentes gerações no território, a mobilidade física e social das famílias, a segurança pública e outros. O foco dessa interação é reduzir as ineficiências, distorções e desigualdades das cidades brasileiras.

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A falta de comunicação entre Urbanismo e Economia no Brasil não é apenas um problema técnico, é um problema institucional e cultural que permeia desde as universidades até as secretarias de planejamento urbano. Enquanto não houver integração entre o planejamento do espaço físico e as dinâmicas de mercado que estruturam o território, a cidade continuará sendo produzida a partir das contradições. Definitivamente, precisamos ir além. 

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