E se tudo o que você acredita sobre o preço dos imóveis estiver errado?
Foto: Wikimedia Commons

E se tudo o que você acredita sobre o preço dos imóveis estiver errado?

Quando nossas intuições básicas e crenças populares sobre o mercado imobiliário estão equivocadas, não é possível encontrar soluções concretas.

23 de outubro de 2025

A frustração com o alto custo da moradia é um sentimento quase universal. Seja o aluguel que consome uma parte cada vez maior do salário ou o sonho da casa própria que parece cada vez mais distante, a crise imobiliária afeta a todos nós. Instintivamente, formamos opiniões fortes sobre por que os preços são tão altos e quem são os culpados.

No entanto, uma onda de pesquisas econômicas recentes revela uma verdade desconfortável: nossas intuições mais básicas estão, na maioria das vezes, equivocadas. Este artigo explora o perigoso abismo entre a “economia popular” – nossas crenças intuitivas – e os princípios econômicos estabelecidos, e como esse conflito alimenta a própria crise que tentamos desesperadamente resolver.

A partir do estudo “The Folk Economics of Housing”, de Christopher Elmendorf, Clayton Nall e Stan Oklobdzija (2025), vamos desvendar quatro surpresas sobre o mercado imobiliário que desafiam as crenças populares. Entender esses equívocos não é apenas um exercício acadêmico; é o primeiro passo para encontrar soluções que realmente funcionem.

Surpresa 1: A maioria dos proprietários de imóveis também quer preços mais baixos

A sabedoria popular pinta os proprietários de imóveis como um bloco monolítico, guardando zelosamente a valorização de suas propriedades. Os dados, no entanto, contam uma história muito mais complexa e surpreendente. A primeira peça do quebra-cabeça que desafia nossa intuição é que a maioria dos proprietários, na verdade, prefere preços de imóveis e aluguéis mais baixos.

Respostas dos inquilinos (em cima) e proprietários (em baixo) sobre o desejo de que os preços dos imóveis sejam mais baixos (azul), mais altos (vermelho) ou iguais (amarelo) no futuro.
Fonte: Christopher Elmendorf, Clayton Nall e Stan Oklobdzija (2025).

De acordo com o estudo de Elmendorf, Nall e Oklobdzija (2025), mais de 55% dos proprietários de imóveis preferem preços mais baixos, um número que salta para 85% entre os inquilinos. Esse resultado desafia diretamente a “hipótese do proprietário-eleitor” (homevoter hypothesis), que pressupõe que os proprietários sempre apoiarão políticas que inflem o valor de suas propriedades. A razão para essa preferência não é totalmente clara, mas sugere que preocupações com o custo de vida para si mesmos, para seus filhos e para a vitalidade de sua comunidade podem superar o simples desejo de maximizar o valor do patrimônio.

Surpresa 2: Nossa intuição sobre oferta e demanda falha (apenas) para moradia

As pessoas geralmente entendem os conceitos básicos de oferta e demanda, exceto, curiosamente, quando se trata de moradia. Em pesquisas, o público demonstra uma lógica econômica sólida para a maioria dos mercados, mas essa lógica se desfaz completamente quando o assunto é o mercado imobiliário.

Crenças sobre os efeitos de choques de oferta na habitação e em outros mercados
As duas primeiras linhas afirmam que um aumento na oferta de moradias reduz os preços de compra e aluguel dos imóveis. O público poderia responder que a afirmação estava correta (azul), incorreta (vermelho) ou que os preços não teriam mudança (cinza).
Fonte: Christopher Elmendorf, Clayton Nall e Stan Oklobdzija (2025).

Os dados ilustram perfeitamente essa anomalia:

  • 86% das pessoas previram corretamente que uma queda na oferta de carros novos aumentaria o preço dos carros usados.
  • 59% previram corretamente que um aumento na oferta de trigo reduziria o preço do trigo.
  • • No entanto, menos de um terço dos entrevistados acreditava que adicionar mais oferta de moradia reduziria o preço dos aluguéis. A maioria, na verdade, acreditava que construir mais imóveis faria os preços subirem.

O que explica essa falha de raciocínio? A pesquisa sugere que, para a maioria das pessoas, a relação entre oferta e preço de imóveis não é uma crença equivocada, mas sim uma “não-atitude” – uma opinião formada na hora por quem não tem uma convicção firme. Como o estoque de moradias muda lentamente, as pessoas não têm experiências diretas que formem sua intuição. Esse vácuo cognitivo é então preenchido não por lógica, mas por algo mais primal: a busca por culpados.

Surpresa 3: Culpamos as pessoas erradas

Esse vácuo cognitivo sobre a dinâmica de oferta e demanda leva diretamente a uma consequência perigosa: a culpa pelo alto custo da moradia é frequentemente atribuída aos atores errados. Quando questionados sobre quem são os responsáveis pelos altos preços, os entrevistados são quase unânimes: a culpa é dos incorporadores e dos proprietários de imóveis para aluguel.

Atribuição da culpa pelos “altos preços da moradia em sua região”
Da esquerda para a direita, as barras representam, respectivamente: governo federal e estadual; governo local; bancos de investimento; investidores estrangeiros; incorporadores (maior barra); proprietários de imóveis para aluguel; proprietários de imóveis em geral; ambientalistas; ativistas anti desenvolvimento; migrantes de alta renda; empregadores.
Fonte: Christopher Elmendorf, Clayton Nall e Stan Oklobdzija (2025).

A ironia aqui é profunda. Incorporadores e proprietários são, na verdade, os dois grupos mais responsáveis por aumentar a oferta de moradia. Ao construir novas unidades e disponibilizá-las no mercado, eles são o principal mecanismo que, em um mercado funcional, ajuda a manter os aluguéis sob controle. Culpar quem constrói é como culpar os agricultores pela fome e, em seguida, propor como solução o tabelamento do preço do pão e a proibição de novos tratores.

As consequências desse erro de atribuição são graves e generalizadas, como aponta uma análise do estudo:

“Esse mal-entendido tem consequências generalizadas. Ele transforma construtores em vilões e alimenta políticas como tetos de aluguel e proibições a investidores, em vez de medidas pró-oferta que realmente funcionariam.”

Surpresa 4: As soluções mais populares pioram o problema

O resultado inevitável e desastroso de uma “não-atitude” preenchida pela culpa equivocada é que as soluções preferidas pelo público são, muitas vezes, as mais contraproducentes. As políticas que gozam de maior apoio popular para combater a crise imobiliária são frequentemente as que mais a agravam.

Eficácia relativa percebida e apoio geral às políticas propostas
O eixo vertical representa a porcentagem de eficácia percebida da política (em relação a outras políticas aleatórias) e o eixo horizontal representa o apoio geral à politica (em relação a políticas opostas).
Tipos de política: aumento da oferta de habitação a preço de mercado (verde claro); aumento da oferta de habitação no geral (laranja); subsídios à demanda (marrom); aumento da oferta de habitação social (rosa); controle de preços (azul); restrição de demanda (verde escuro).
Fonte: Christopher Elmendorf, Clayton Nall e Stan Oklobdzija (2025).

O controle de aluguéis é um exemplo clássico. Dados de pesquisa mostram que mais de 85% do público apoia o controle de aluguéis. No entanto, essa política é quase universalmente criticada por economistas. Em uma pesquisa recente, apenas 2% dos economistas concordaram que os tetos de aluguel seriam benéficos, enquanto 74% discordaram.

Enquanto isso, as políticas que os especialistas concordam que realmente ajudariam — como permitir a construção de mais moradias através de mudanças no zoneamento ou reduzir taxas de desenvolvimento — são as menos populares e percebidas como as menos eficazes pelo público. Essa desconexão entre a opinião pública e a evidência econômica é um dos maiores obstáculos para a resolução da crise.

Conclusão: Repensando a crise da moradia

A crise imobiliária é complexa, mas não é insolúvel. O maior obstáculo pode não ser a falta de soluções, mas sim a natureza instável de nossas crenças. A pesquisa revela que, para a maioria, as opiniões sobre a economia da habitação não são crenças firmes, mas “não-atitudes” – um vácuo cognitivo. Esse vácuo nos torna vulneráveis a narrativas simplistas que culpam os atores errados, nos levando a defender políticas que, ironicamente, exacerbam a escassez de moradia.

Esse padrão não é exclusivo dos Estados Unidos. Observando o debate em Nova York, fica claro como o instinto político e a pressão popular frequentemente reforçam essas mesmas crenças — inclusive entre candidatos a prefeito que defendem o controle de aluguéis como solução central para a crise. É um retrato em tempo real da economia popular descrita por Elmendorf, Nall e Oklobdzija.

Isso nos deixa com uma reflexão final e crucial. Se nossos instintos sobre moradia estão tão equivocados, que outras crenças profundamente arraigadas deveríamos questionar para resolver nossos maiores problemas?

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