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Definindo o espaço público: conceitos fundamentais
Os espaços públicos são essenciais para a vida urbana, promovendo inclusão, bem-estar e identidade coletiva, mas frequentemente são negligenciados. Investir em seu projeto, gestão e acessibilidade é fundamental para criar cidades mais justas, saudáveis e vibrantes.
O espaço público é um componente dinâmico e essencial da nossa experiência urbana coletiva. Ruas, parques, praças e praias funcionam como cenários cotidianos onde a vida acontece — locais onde nos reunimos, brincamos, protestamos e descansamos. Esses espaços são indispensáveis para nossa saúde, democracia e identidade compartilhada. Afinal, o que seria de uma cidade sem seus espaços públicos?
Apesar de sua importância, os espaços públicos raramente são definidos de forma clara, e mesmo quando há tentativas nesse sentido, pode ser difícil chegar a um consenso sobre suas dimensões. Essa falta de clareza pode explicar por que os espaços públicos são frequentemente subestimados — só percebemos sua importância quando eles desaparecem ou sofrem grandes alterações. Esse também pode ser um dos motivos pelos quais projetar espaços públicos bem-sucedidos representa um grande desafio. Compreender o valor multifacetado desses espaços é fundamental para preservá-los e aprimorá-los para as futuras gerações. Portanto, vamos explorar essa questão com mais profundidade para esclarecer melhor o tema.
No livro “Why Public Space Matters” (“Por que o espaço público importa”), a antropóloga urbana Setha Low traz uma abordagem abrangente para compreender as múltiplas dimensões do espaço público. Com base em décadas de pesquisa etnográfica, Low identifica seis dimensões centrais que sintetizam seu valor:
Justiça social e práticas democráticas: Os espaços públicos promovem inclusão social, representatividade e reconhecimento da diversidade. São locais de ação coletiva e contestação, onde a vida democrática é negociada e exercida.
Saúde e bem-estar: Ambientes como parques e praças incentivam a atividade física, a saúde mental e a resiliência, ao mesmo tempo que contribuem para a segurança e o bem-estar emocional. Um bom projeto garante acessibilidade para todos.
Lazer e recreação: Os espaços públicos estimulam a criatividade, a socialização e o descanso, oferecendo oportunidades de diversão e conexão por meio de esportes, festivais e momentos de contemplação.
Economia informal e capital social: Esses espaços sustentam vendedores ambulantes, artistas e empreendedores, além de auxiliarem imigrantes e recém-chegados na construção de redes sociais e na integração às comunidades.
Sustentabilidade ambiental e ecológica: Os espaços públicos oferecem serviços ecossistêmicos essenciais, como sombra, qualidade do ar e drenagem de águas pluviais, ao mesmo tempo que promovem a conscientização.
Identidade cultural e sentimento de pertencimento: Os espaços públicos ancoram comunidades em sua história e tradições por meio de monumentos, expressões artísticas e rituais compartilhados que fortalecem o senso de pertencimento.
Pode-se notar que a maioria dos espaços públicos em nossas cidades atende a poucos, se é que atende a algum dos critérios estabelecidos por Low. Com muita frequência, espaços negligenciados e sem planejamento adequado são chamados de “espaços públicos”. Da mesma forma, há uma crença equivocada de que espaços públicos bem-sucedidos podem ser criados simplesmente vinculando-os ao comércio. Nada poderia estar mais distante da verdade. A criação de espaços públicos autênticos exige uma intencionalidade cuidadosa.
Dessa forma, nem todo espaço aberto pode ser considerado um verdadeiro espaço público. A distinção está no uso e no público que ele se propõe a atender. Espaços públicos autênticos são, por natureza, inclusivos e acolhedores para pessoas de todas as idades, habilidades e origens. Eles expressam pertencimento por meio do desenho — com áreas de lazer para crianças, mesas de xadrez para idosos, caminhos acessíveis para cadeiras de rodas e carrinhos de bebê, entre muitos outros elementos. São espaços que permitem que todos se sintam relaxados e “em casa”, ao mesmo tempo que recebem bem os recém-chegados.
Espaço aberto na área central de Brasília, mas que não se configura como um verdadeiro espaço público. Foto: Google Earth
Em essência, o valor do espaço público reside na sua capacidade de entrelaçar as diversas (e por vezes conflitantes) dinâmicas da sociedade em uma rede coesa. Esses espaços compõem a infraestrutura física e social que sustenta a vida comunitária.
No entanto, os espaços públicos estão cada vez mais ameaçados. Crises como pandemias podem levar a fechamentos temporários, tornando sua ausência profundamente perturbadora. Em períodos de desenvolvimento acelerado ou descontrolado, esses espaços correm o risco de desaparecer de forma definitiva, sacrificados em prol de interesses comerciais que priorizam o lucro em detrimento das pessoas. O medo e políticas excludentes também podem torná-los inacessíveis, comprometendo seu papel democrático.
Apesar de sua profunda relevância, os espaços públicos frequentemente ocupam uma posição secundária nas agendas de planejamento urbano. Tanto formuladores de políticas quanto moradores costumam subestimar seu valor até que seja tarde demais. A perda de espaços públicos vai muito além de uma questão estética. Esse descaso é trágico, sobretudo considerando o potencial transformador desses espaços para tornar os bairros mais saudáveis, inclusivos e integrados.
No seu melhor estado, os espaços públicos equilibram a utilidade com o cuidado. São locais onde conflitos podem ser expressos de forma segura e resolvidos democraticamente. São palcos para celebrações e cenários de protestos, espaços onde a história é honrada e o futuro é imaginado. Eles não são estáticos; evoluem junto com as comunidades que servem, refletindo suas lutas, alegrias e aspirações.
À medida que as cidades crescem e se transformam, o papel dos espaços públicos torna-se ainda mais essencial. Eles não são luxos, mas sim necessidades para sociedades prósperas. Investir em espaços públicos — por meio de um projeto cuidadoso, políticas inclusivas e uma gestão ecologicamente responsável — garante que eles continuem sendo locais de conexão, criatividade e acolhimento.
O espaço público é onde nos reunimos como indivíduos e como coletivo. É onde encontramos pontos em comum, mesmo diante de nossas diferenças. Esses espaços não são meros cenários da vida urbana; são seu coração, sua alma e sua promessa.
Artigo originalmente publicado em Spacing, em janeiro de 2025.
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