Combatendo o crime sem policiais: o papel fundamental do espaço urbano
Pequenas intervenções preventivas no desenho urbano podem ser mais valiosas do que vários policiais.
Na gestão urbana, é imprescindível entender as implicações econômicas da regulação do uso do solo e como elas afetam a vida de milhares de pessoas.
18 de novembro de 2024Os famosos edifícios Burj Khalifa (Dubai, Emirados Árabes), Merdeka 118 (Kuala Lumpur, Malásia) e Shanghai Tower (Xangai, China) são exemplos de que a escassez de terrenos urbanos pode ser superada a partir da verticalização. Nesses casos, as limitações geográficas foram superadas com a tecnologia. Assim, é evidente que a disponibilidade de terrenos edificáveis na cidade não restringe a oferta de unidades habitacionais, desde que as moradias possam ser construídas com a densidade necessária para atender a demanda. A regulação do uso do solo impacta diretamente nisso.
Atualmente, há um maior interesse em avaliar como a regulação local do uso e ocupação do solo pode influenciar a elasticidade da oferta de habitação nas últimas décadas. A preocupação não está restrita a cientistas, mas importa a gestores públicos e empresários. Por exemplo, nas últimas eleições à Prefeitura de São Paulo houve candidato propondo a construção de edifícios com um quilômetro de extensão. Na eleição de 2020, outro candidato propunha a alteração do zoneamento exclusivamente residencial e baixo gabarito na capital paulista, especificamente nos Jardins e no Pacaembu. Na gestão do prefeito Fernando Haddad (2013-2016), a tentativa foi mal recebida por moradores da região, por exemplo.
A crescente discussão sobre o tema está associada à restrição da oferta, que implica em elevação de custos e inflação de preços das moradias. Envolve também questões associadas ao deslocamento casa-trabalho, expansão da cidade e custos da máquina pública para provisão de bens públicos. Por outro lado, a regulação desenha limites e direciona o desenvolvimento com fins de planejamento sustentável (ambiental, social e econômico), controle do crescimento urbano, preservação do patrimônio cultural etc.
Do ponto de vista econômico, a regulação é uma solução às falhas de mercado. Os instrumentos que emanam do legislativo e agências reguladoras visam corrigir externalidades negativas, ou seja, proteger terceiros dos possíveis efeitos colaterais negativos da produção. Esse é o racional na Ciência Econômica. Porém, ao descer os andares da torre de marfim que habitam os economistas e sair para o mundo da rua, as coisas ganham outros contornos e distorções, e capturas são a regra, não a exceção.
No caso da regulação do uso do solo e da construção imobiliária, sobram instrumentos reguladores. Os objetivos nem sempre são corrigir externalidades, muitas vezes visam a arrecadação e/ou a contenção do crescimento dos gastos fruto da expansão das cidades. A cesta de instrumentos reguladores encarece o desenvolvimento imobiliário e da infraestrutura, drena a competitividade dos municípios e pouco coopera com o combate do déficit habitacional.
Algumas regulações também são capazes de ampliar a riqueza de quem possui ativos imobiliários, em virtude da escassez de terrenos e alta demanda. Elas também excluem pobres e minorias de determinados locais. Em São Paulo, o zoneamento dos Jardins é um dos exemplos de exclusão, pois impede que mais pessoas morem na área privilegiada. Não é privilégio apenas de bairros da capital paulista, há vasta evidência na literatura especializada que expõe o caráter homogeneizador e excludente da regulação do uso do solo.
Em geral, economistas urbanos interessados no tema encontram evidências de maior restrição ao mercado imobiliário em comunidades mais ricas, com preços dos imóveis mais elevados e população mais educada. Considerando que o código de obras está associado à qualidade do desenvolvimento, a literatura aponta o instrumento como desestímulo às famílias de baixa renda. Cumprir as regras depende da classe social a que a família pertence. No caso da regulação da qualidade, trata-se de um conjunto de regras factíveis aos mais ricos.
Também há um componente político associado à regulação. Residentes desses territórios detêm capital político, capital social e poder de barganha. As agremiações e o suporte ao vereador por meio do voto e financiamento de campanha são alguns canais utilizados por grupos que compõem o NIMBY – acrônimo para Not In My Back Yard (em português, “não no meu quintal”) que rotula moradores contra o desenvolvimento do mercado imobiliário e infraestrutura em suas vizinhanças. O termo é popular também no Brasil e agrega moradores com o mesmo objetivo.
Na contramão, é preciso falar sobre a expressão política dos YIMBYs (yes in my backyards), termo também cunhado nos Estados Unidos e que tem ganhado força entre os americanos, mas não no Brasil (não estaria na hora?). Tanto a administração Trump quanto Biden tiveram focos em eliminar barreiras regulatórias ao desenvolvimento imobiliário. No campo federal, o estado do Oregon, por exemplo, aprovou legislação para eliminar o zoneamento exclusivo de habitação horizontal. O State bill (SB 827) na Califórnia limitou o poder das localidades para paralisar empreendimento residenciais verticais.
Portanto, é preciso revisitar a cesta de parâmetros regulatórios e peneirar os excessos que causam distorções no mercado. A regulação que, de fato, não é traduzida em redução de externalidades negativas e promoção do desenvolvimento urbano, gerando bem-estar social aos moradores de todas as classes, apenas contribui para o aprofundamento da desigualdade, dificuldade em ampliação da oferta de moradia, inflação dos preços dos imóveis residenciais e expansão do mercado informal de habitação.
Rodger Campos é economista e doutor em Economia pela FEA/USP, fundador e consultor da RBA Consultoria Econômica, pesquisador líder do Núcleo de Habitação, Real Estate e Regulação do Laboratório de Cidades do Insper e pesquisador associado do Núcleo de Economia Regional e Urbana da FEA/USP (NEREUS-USP).
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