Manifesto dos urbanistas e arquitetos(as) populares por moradia digna, direito à cidade, justiça social e redução das desigualdades
Leia e assine o manifesto em defesa dos arquitetos(as) e urbanistas populares que atuam nas cidades brasileiras.
Desenhos de trajetos casa–escola mostram que caminhar desperta alegria, cores e detalhes urbanos, enquanto o carro aparece como o modo menos expressivo. Escutar e incluir essas percepções em políticas públicas é essencial para transformar as cidades em espaços mais seguros e acolhedores.
16 de outubro de 2025A educação para a mobilidade urbana, desde o ensino infantil, é um dos primeiros passos para construir um novo olhar sobre as cidades. Por meio de práticas pedagógicas que exploram o potencial educativo do território e envolvem a comunidade escolar, é possível transformar espaços e redefinir os caminhos que temos seguido até aqui. Estudos também apontam ferramentas lúdicas como facilitadoras da aproximação entre a mobilidade ativa e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030.
Essa visão dialoga com a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, ratificada pelo Brasil em 1990, que reconhece o direito das crianças de serem ouvidas e participarem das decisões que as afetam. O Marco Legal da Primeira Infância reforça esse princípio ao determinar que a participação infantil deve promover sua inclusão social como cidadã e ocorrer com métodos de escuta adequados à sua idade e formas de expressão.
Nas cidades brasileiras, porém, as vozes infantis ainda são pouco consideradas na formulação de políticas públicas. As práticas lúdicas aplicadas no ambiente escolar surgem como estratégias potentes para mudar esse cenário, unindo escuta, expressão e aprendizado.
Leia mais: Por que excluímos crianças da vida urbana?
Foi com esse propósito que o Instituto Corrida Amiga, em 2025, desenvolveu uma série de práticas lúdico-pedagógicas na EMEF Profa. Rosângela Rodrigues Vieira, na Zona Leste de São Paulo. Uma delas, intitulada “Como Chegou Aqui?”, mobilizou 127 crianças a retratar seus trajetos casa–escola por meio de desenhos. O ciclo de atividades incluiu também caminhadas pelo bairro e rodas de conversa, compondo um mosaico de percepções infantis sobre mobilidade e cidade.
O caminho até a escola, parte cotidiana da vida de milhões de crianças brasileiras, vai muito além do simples deslocamento, sendo também momento em que se formam as primeiras percepções sobre o espaço urbano, a convivência e o senso de pertencimento à cidade. Quando convidamos as crianças a desenhar como chegam à escola, emergem pistas valiosas para pensar políticas urbanas mais seguras, humanas e inclusivas.
Para aprofundar essa leitura, o conjunto de desenhos foi analisado com apoio de Inteligência Artificial, em diálogo com a metodologia descrita no estudo “Multimodal Large Language Models as Built Environment Auditing Tools”. O modelo foi adaptado para responder perguntas que orientaram a análise:
A análise gerou classificações quantitativas de elementos, categorias e emoções presentes nos desenhos. Esses resultados foram validados com base em anotações de campo, nas falas das próprias crianças e nas experiências vividas durante as caminhadas. Essa combinação entre tecnologia e vivência garantiu que os padrões identificados refletissem fielmente a realidade delas.
Os achados preliminares (que estão sendo aprimorados e em breve serão publicados em revista científica internacional) indicam, sobretudo, que desenhos de quem caminha têm mais elementos urbanos, mais pessoas, calçadas, árvores e situações de convivência. Já os desenhos de quem vai de carro mostraram menos expressividade, poucas cores, elementos reduzidos e sentimentos mais neutros. O transporte escolar apareceu em um meio-termo, misturando sociabilidade com certa neutralidade.
Os desenhos relacionados ao transporte ativo (principalmente o caminhar) também concentram uma presença maior das categorias temáticas — acesso à cidade, meio ambiente, atratividade, calçadas e mobilidade, segurança viária — em comparação aos modos motorizados. Isso sugere uma relação mais ampla e envolvida com o ambiente urbano quando o deslocamento acontece de forma ativa, em linha com pesquisas anteriores que associam a mobilidade ativa a uma percepção mais detalhada e afetiva do entorno. Além disso, a proporção de frases e expressões afetivas foi maior nesses desenhos em comparação com o deslocamento motorizado.
Em contraste, os modos motorizados apresentam menor conteúdo afetivo ou expressões neutras, padrão também confirmado nas falas das crianças, que descrevem esses trajetos como momentos de pouca interação com o ambiente. O gráfico abaixo apresenta as diferenças sistemáticas na forma como as crianças percebem as qualidades urbanas de acordo com o modo de transporte.
Os deslocamentos ativos registram pontuações mais altas em “acesso”, “atratividade” e “ambiente”. Já os modos motorizados apresentam valores mais altos nas categorias “calçada e mobilidade” e “segurança viária”. Nas sessões de escuta, a preocupação com segurança viária foi reforçada, frequentemente representada por falas que traziam semáforos e faixas de pedestres que precisam de manutenção e o perigo dos carros em alta velocidade.
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Essas descobertas são insumos valiosos para o urbanismo contemporâneo. Quando olhamos para a cidade pelos olhos da infância, percebemos que os modos ativos ampliam a experiência urbana, estimulam interações sociais e reforçam o vínculo com o território. Em contrapartida, os modos motorizados tendem a reduzir a percepção do espaço, a expressividade emocional, impactando também questões socioemocionais, cognitivas e físicas das crianças. É uma questão de saúde pública também pensarmos em ruas mais seguras e atrativas que sejam propícias para a mobilidade ativa.
Garantir uma rede de mobilidade a pé de qualidade conectada ao transporte público coletivo, reduzir a velocidade dos carros e criar rotas escolares seguras são caminhos para uma cidade melhor para todas as pessoas, fortalecendo e proporcionando também o direito das crianças à cidade.
Saiba mais sobre o projeto Escola Ativa, realizado ao longo de 2025, na publicação “A Cidade sob o Olhar das Crianças: a Partir da Mobilidade Urbana Volume II”, organizada pelo Instituto Corrida Amiga, com apoio de fomento do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU/SP), por meio do Edital CAU Educa.
Autoria: Silvia Stuchi, Ana Paula Borba, Tatiana Barp, Marcio de Morais, Deise Barp, Luri Russo, Graziela Mingati, Sonia Paulino, Luciana Souza, Viviane Souza.
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