Como tornar as cidades mais suaves?
Imagem: Cidade Suave/Editora Vicinitas

Como tornar as cidades mais suaves?

No livro “Cidade Suave”, o urbanista David Sim aponta quais são as características de cidades que promovem conforto e acolhimento no cotidiano de seus habitantes.

8 de setembro de 2025

Ao descrever como uma cidade deveria ser, é comum o uso de adjetivos como “inteligente”, “resiliente”, “eficiente” e “dinâmica”. Caracterizar uma cidade como “suave”, por outro lado, gera um certo estranhamento que introduz uma abordagem diferente e muito focada na experiência humana. Essa é a proposta do livro Cidade Suave: Densidade, Diversidade e Proximidade na Vida Cotidiana”, publicado em 2019 por David Sim — arquiteto, urbanista e professor que trabalhou ao lado de Jan Gehl.

Seguindo a mesma linha de pensamento do famoso livro “Cidades Para Pessoas”, David Sim foca nas questões humanas do dia a dia e o que faz uma cidade ser agradável e aconchegante. “Suave”, nesse contexto, “tem a ver com facilidade, conforto e cuidado na vida cotidiana”. Com o crescimento dos centros urbanos e a necessidade de adensar as ocupações, diante dos danos causados pelo espraiamento e pelo rodoviarismo, o autor busca responder, de maneira prática, como essa densidade pode ser acompanhada de qualidade de vida. Isso se resume às interações sociais, às maneiras de se locomover e à convivência com o clima e a natureza.

A escala da vizinhança

A interação com outras pessoas é o cerne da existência das cidades. No dia a dia isso acontece, em primeiro lugar, no entorno imediato do local de moradia: no prédio, no quarteirão e no bairro. Assim se constrói a vizinhança, a partir da proximidade física de pessoas com diferentes perfis, objetivos e histórias de vida, algo que só é possível com a densidade. Ambientes urbanos densos e diversificados geram oportunidades inesperadas de interação, o que, para além da produtividade econômica, traz resultados sociais e psicológicos positivos.

Leia mais: Como os espaços públicos repelem ou atraem as pessoas

Explorando as configurações espaciais de quarteirões que concentram densidade e mantêm a sensação de bem-estar, o autor destaca a tipologia de ocupação perimetral da quadra com um pátio aberto no centro. Provavelmente, o exemplo mais famoso desse tipo de quarteirão se manifeste no Eixample, em Barcelona, idealizado por Cerdà em 1860. Porém, existem modelos semelhantes em diversas cidades, como em alguns bairros de Lima, no Peru. David Sim explica, por meio de diagramas e ilustrações, que essa tipologia pode proporcionar altas densidades, definições claras entre área pública e privada, espaços comuns e protegidos para os moradores, melhores microclimas, maior potencial de desenvolvimento de fachadas ativas e maior caminhabilidade.

Além disso, o autor expande as possibilidades de acomodar usos diversos em quarteirões desse tipo. Por meio de um bom estudo espacial, é possível ter, por exemplo, escritórios e moradias em um mesmo prédio. Ou um supermercado no meio de um quarteirão predominantemente residencial. Ou mesmo uma casa de família no térreo, virada para o pátio interno, não limitando esse andar apenas ao uso comercial. São ideias ainda distantes para muitas cidades brasileiras, mas que se provam viáveis em diversos exemplos ao redor do mundo.

A dimensão humana na mobilidade

A famosa frase “nem todo mundo tem as mesmas 24 horas” descreve perfeitamente as desigualdades da mobilidade urbana no Brasil. Enquanto alguns passam 30min por dia dentro de um carro com ar condicionado para ir até o trabalho, outros gastam mais de 2h em pé, em um ônibus lotado. Quando olhamos com sensibilidade para o cotidiano urbano das pessoas, vemos que a experiência de locomoção tem um enorme impacto na (falta de) qualidade de vida. E isso envolve tanto os tempos quanto os tipos de deslocamento.

Nesse sentido, a cidade se torna mais “suave” à medida que a locomoção deixa de ser uma atividade maçante e se torna uma experiência rotineira agradável. Nas grandes cidades, isso só é possível ao permitir densidade e diversidade, além de desincentivar o uso do carro e priorizar o conforto de pedestres, ciclistas e usuários do transporte coletivo. Infelizmente, muitas políticas urbanas e regulações no Brasil ainda fazem o oposto. Os zoneamentos de usos, a exigência de afastamentos obrigatórios e as construções de novos viadutos e alargamentos de pistas para carros evidenciam isso.

Como relatado no livro, a qualidade da experiência de pedestres e ciclistas está diretamente relacionada ao desenho dos edifícios e das ruas. Edifícios próximos das calçadas, com térreos ativos, tornam a caminhada mais agradável. Calçadas generosas, com travessias seguras, lugares para sentar e atividades acontecendo ao redor promovem o bem-estar e incentivam o movimento e o contato com o ambiente externo. Da mesma forma, os ciclistas devem ter seu próprio espaço, estando, ao mesmo tempo, protegidos dos carros e com fácil acesso aos edifícios e ao que acontece nas calçadas.

Rua em Copenhagen com ciclovia protegida, travessia segura e fachadas ativas. Foto: Anthony Ling

Em relação ao transporte coletivo, o autor destaca as vantagens dos transportes de superfície — como ônibus e VLT — em relação aos sistemas subterrâneos, como o metrô. Segundo ele, os transportes de superfície conseguem proporcionar uma conexão maior das pessoas com os espaços da cidade por meio da visibilidade que elas podem ter ao longo do trajeto. Com esse tipo de veículo, é possível observar o bairro, decidir descer um ponto antes ou depois do previsto e usar a própria calçada como plataforma de embarque.

Lidando com o clima e o meio ambiente

A discussão sobre a importância de desfrutar de momentos ao ar livre ganhou força no Brasil durante a pandemia de COVID-19, na qual as desigualdades de acesso a parques e praças de qualidade foram gritantes. De certa forma, tornou-se intuitivo em um mundo urbanizado o entendimento de que ter contato com o ambiente externo e com a natureza é fundamental para a qualidade de vida. O livro “Cidade Suave” mostra que isso também é possível (e necessário) em cidades com alta densidade urbana.

Nos projetos dos edifícios e quarteirões, é importante priorizar a luz e a ventilação naturais, evitando a sensação de enclausuramento. As janelas e portas devem servir como filtros entre o interior e o exterior, com diferentes camadas. As janelas venezianas de Barcelona, por exemplo, possuem três diferentes camadas que oferecem combinações distintas de níveis de iluminação, ventilação, visibilidade e privacidade. As marquises, varandas e galerias também permitem diferentes tipos de interação com o ambiente externo.

Nessa relação, o microclima também é uma chave fundamental, especialmente considerando os desafios dos eventos climáticos extremos. Os pátios internos, a arborização e o sombreamento são alguns elementos importantes para a qualidade de vida em países tropicais como o Brasil.

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Além disso, David Sim explora a ideia de “trazer a natureza para dentro da cidade”, que significa criar espaços públicos de qualidade, como respiros em meio à ocupação urbana. Para isso, incentivar experiências sensoriais com a vegetação e principalmente com a água eleva a experiência dos usuários. Cidades que já possuem alguma amenidade natural, como cursos d’água, devem ter uma atenção especial na relação entre esses espaços e o ambiente construído, aproveitando o que já existe para promover encontros de qualidade com a natureza. Esses espaços devem ser de fácil acesso e impulsionar a socialização com outras pessoas.

Por fim, David Sim destaca que “o sucesso da forma urbana deve ser medido segundo sua entrega de maior qualidade de vida para as pessoas que lá vivem e sua resiliência e adaptabilidade às constantes mudanças na sociedade, no meio ambiente e na economia”. Os critérios mais comuns nos nossos planos diretores, como Coeficientes de Aproveitamento e alturas de prédios, não medem esse sucesso. Se tivermos um olhar mais voltado para a vida humana no cotidiano, podemos traçar metas verdadeiramente transformadoras e tornar as cidades brasileiras mais suaves.

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