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Cidades brasileiras frequentemente alegam não possuir recursos para ampliar ou melhorar a sua infraestrutura, mesmo para algumas finalidades básicas como zeladoria de espaços públicos ou implantação de ciclovias, ambas de relativo baixo custo.
É verdade que boa parte do dinheiro público está concentrado na União, sobrando pouco para as administrações municipais. Também é frequente a existência de estruturas burocráticas inchadas que consomem fatias significativas da arrecadação municipal, ou seja, onde a arrecadação é destinada para custear a própria máquina pública, limitando os recursos para obras ou melhorias na cidade.
No entanto, administrações municipais “deixam dinheiro na mesa” ao terem uma visão limitada, principalmente, do valor imobiliário desperdiçado no seu espaço urbano. Ele pode ser usado como uma importante ferramenta de financiamento de infraestrutura, sem necessariamente depender exclusivamente de aumento de impostos para arrecadação municipal. Aqui estão algumas formas de fazer isso:
Potencial construtivo
Regulações urbanísticas limitam a capacidade construtiva de determinadas áreas da cidade, normalmente alegando justamente a “falta de infraestrutura” para comportar um aumento populacional. O que se verifica, na prática, é que essa urbanização acaba sendo empurrada para as bordas das manchas urbanas, com custos de infraestrutura ainda mais altos ou, pior ainda, para a informalidade, situações em que a implantação de infraestrutura se torna quase inviável.
No entanto, ao restringirem seu potencial construtivo, municípios também estão colocando um teto na sua capacidade de financiar o aumento da própria infraestrutura que julgam ser limitada. Dois instrumentos já existentes para a arrecadação por meio do potencial construtivo são a outorga onerosa (ou solo criado) e os CEPACs (Certificados de Potencial Adicional de Construção). Ambos têm a lógica de permitir maiores potenciais mediante o pagamento de uma taxa para o município, de forma a auxiliar na melhoria da infraestrutura para permitir o adensamento de determinada região.
Curiosamente, o Brasil apresenta cases de reconhecimento mundial na aplicação desses instrumentos, principalmente na cidade de São Paulo. A arrecadação de outorga onerosa que, na capital paulista, é destinada ao Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano), aliada à arrecadação da emissão de CEPACs em grandes Operações Urbanas, têm gerado bilhões de reais para a construção de projetos essenciais, como moradias de interesse social e obras de mobilidade.
Balneário Camboriú, apesar da discussão a respeito da sua qualidade arquitetônica e verticalização acelerada, faz um bom trabalho de capturar outorga onerosa, arrecadando valores surpreendentes para um município de médio porte. Esse instrumento foi utilizado, por exemplo, para financiar o alargamento da faixa de areia e o projeto de reurbanização da orla assinado pelo Jaime Lerner Arquitetos Associados. Balneário Camboriú também conquistou o feito de ter praticamente toda a cidade coberta por esgotamento sanitário, outro tipo de investimento que a outorga onerosa pode ajudar a viabilizar.
Obras de reurbanização da orla de Balneário Camboriú em andamento, em 2025. Foto: Google Earth
Venda de imóveis públicos
Prefeituras normalmente têm em suas mãos inúmeros imóveis ociosos, para não dizer abandonados. Pedro Duarte, vereador do Rio de Janeiro, argumenta que os municípios desenvolveram ao longo dos anos diversos caminhos de entrada de imóveis em sua carteira, mas não desenvolveram ferramentas para se desfazer ou dar outro uso para esses imóveis. Um estoque imobiliário amplo e diverso é complexo de gerir e, principalmente, converter em usos sociais, como habitação social, escolas ou centros culturais, como muitos defendem. Ou seja, dificilmente um imóvel abandonado pela Prefeitura será a melhor alternativa para converter em algum desses usos, por causa da arquitetura, localização ou qualidade da estrutura.
A forma economicamente mais eficaz, com raras exceções, é de leiloar esses imóveis, convertendo-os em capital, para em seguida investir em outros imóveis ou infraestruturas prioritárias para o município. A Prefeitura de Porto Alegre, por exemplo, tem utilizado essa estratégia.
O potencial do bom uso dos imóveis públicos pode ser exemplificado com o caso de Copenhague, que financiou toda a construção do seu metrô dando uso a terrenos públicos subutilizados, principalmente ao longo de uma área portuária abandonada.
Além do capital imobiliário desperdiçado em terrenos privados (com a restrição de potencial construtivo) e públicos (com a ociosidade), é preciso olhar também para os custos de oportunidade do uso do espaço público urbano. De acordo com a NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), cerca de 80% do espaço viário nas cidades é ocupado por carros particulares, que não pagam diretamente pelo uso do espaço. Ao fornecer de forma gratuita para o automóvel um espaço que é de todos, essa política se torna socialmente regressiva, já que proprietários de automóveis compõem a parcela mais rica da população da cidade.
É possível quantificar este efeito olhando para o caso da Rua Gonçalo de Carvalho, em Porto Alegre, considerada a “rua mais bonita do mundo” pelos seus moradores. Atualmente, a rua permite que cerca de 130 carros ocupem vagas públicas diariamente sem qualquer tipo de cobrança. Considerando que o preço para estacionar em garagens adjacentes é de R$ 25 por dia, temos uma renúncia fiscal anual de R$ 650 mil apenas nesse trecho de via.
Rua Gonçalo de Carvalho, em Porto Alegre. Foto: Google Earth
Usuários de automóveis podem argumentar que já pagam impostos como o IPVA, que compensariam o custo da sua ocupação do espaço viário. No entanto, o custo de construção e manutenção das rodovias, somado ao custo das externalidades envolvidas no uso do automóvel, desde a poluição do ar às milhares de mortes que enfrentamos nas ruas brasileiras, supera tremendamente as arrecadações atreladas ao uso do automóvel, como argumenta Cristiano Scarpelli.
Entender o custo de oportunidade do espaço público – e nosso subsídio ao automóvel – provavelmente deve iniciar com a cobrança por estacionamento, já praticada pela implantação das Zonas Azuis. O passo seguinte seria considerar, em grandes cidades, a implantação de taxas de congestionamento, ou seja, uma forma de precificar o trânsito de automóveis pela cidade para gerenciar o uso do espaço urbano.
Em uma disputa pela oferta de espaço público, cidades brasileiras historicamente optaram por gastar recursos para privilegiar cada vez mais o automóvel individual. A construção de viadutos, túneis e alargamentos viários incentivaram ainda mais o uso do automóvel, desincentivando outras formas de mobilidade e, muitas vezes, destruindo tecidos urbanos históricos de cidades brasileiras. A política da taxa de congestionamento inverte essa equação, criando formas de gerir a demanda por espaço e, ao invés de exigir investimentos do município, geram uma receita.
Cidades como Singapura, Estocolmo, Londres, Milão e recentemente Nova York implementaram tais políticas para gerir o seu espaço viário. A empresa pública Transport for London (TfL), uma das empresas de transporte mais qualificadas do mundo, publicou no seu relatório de 2022 quais são suas fontes de arrecadação, mostrando que a taxa de congestionamento foi responsável por quase 10% da sua receita bruta anual, com 423 milhões de libras. A taxa auxilia nos investimentos em outras formas de transporte pela cidade, como expansão da malha cicloviária ou um subsídio cruzado para as operações de transporte de massa.
Quando olhamos para as cidades brasileiras, não é difícil identificar a necessidade de investimento em melhorias nas ruas, nos espaços públicos e na infraestrutura. Pensar em novas formas de viabilizar isso é uma estratégia, em última instância, que leva a uma melhora na qualidade de vida das pessoas.
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