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A natureza no ambiente urbano cumpre um papel cada vez mais importante de tornar as cidades mais resilientes e habitáveis. Enquanto os impactos da mudança do clima se intensificam, áreas verdes reduzem as ilhas de calor e melhoram a qualidade do ar. Soluções baseadas na natureza (SBN) como parques alagáveis e jardins de chuva contribuem para a adaptação urbana, melhorando a gestão dos recursos hídricos enquanto aumentam a biodiversidade.
No Brasil, como em outros países, a expansão urbana frequentemente significou suprimir áreas naturais. Cidade tornou-se sinônimo de concreto, e mesmo praças são muitas vezes espaços cinzas com pequenos jardins. Se o acesso facilitado a espaços públicos de qualidade e áreas verdes pode ser considerado um indicador de qualidade de vida, a falta desse acesso revela a iniquidade que caracteriza as cidades brasileiras.
Reduzir essa desigualdade significa estender a parte significativa da população oportunidades de lazer, relaxamento e atividade física, enquanto se promove qualidade de vida, saúde pública, mitigação e adaptação climática. Mas para que as políticas e o planejamento possam abordar esses desafios, é preciso que os enxerguem.
O que a natureza em áreas urbanas tem a ver com dados? No contexto de políticas públicas, tudo. Dados nos ajudam a “ver” a natureza, ou a falta dela, e a planejar ações com base em evidências. Não basta implantar soluções verdes. É preciso implantá-la nos locais onde é mais necessária, de acordo com o objetivo da política ou ação.
Para ampliar o acesso da população de renda mais baixa a espaços verdes e de lazer, pode-se cruzar um mapeamento dessas áreas com dados socioeconômicos do Censo e dados do sistema de mobilidade, incluindo rotas do transporte público e presença de ciclovias. Para priorizar a implementação de SBN para resiliência, pode-se mapear as regiões mais expostas e vulneráveis a ameaças climáticas. E compreender as relações entre ameaças climáticos e impactos na saúde permite às cidades construírem junto à população melhores políticas públicas para a adaptação.
A seguir, saiba mais sobre essas abordagens, implementadas em duas cidades brasileiras.
Mapear o acesso a áreas verdes
Um estudo do WRI Brasil mostrou que em Belo Horizonte a população de mais alta renda tem acesso a 5,4 vezes mais áreas verdes do que a população de renda mais baixa. Essa falta de acesso, geralmente, está associada à distribuição de espaços públicos de qualidade na área urbanizada, à oferta de modos de transporte e à localização das moradias.
A capital mineira dispõe de uma ampla base de dados abertos. Assim, os pesquisadores puderam cruzar dados georreferenciados de parques e praças, dados de GTFS (que detalham as linhas de transporte público) e os dados socioeconômicos do Censo, adaptando uma metodologia desenvolvida pelo Ipea para medir o acesso a oportunidades.
O estudo mostrou que, em uma caminhada de 15 minutos, os 10% mais ricos têm acesso a quatro vezes mais áreas verdes do que os 10% mais pobres. De transporte coletivo, a disparidade é maior: em 30 minutos, moradores de áreas ricas acessam mais de 5 vezes mais áreas verdes do que os dos bairros mais pobres.
A metodologia gera mapas que podem apoiar o planejamento de ações pare ampliar a equidade e o acesso a oportunidades para populações mais vulnerabilizadas, seja priorizando a construção de áreas verdes ou a ampliação da rede de transporte sustentável que atende as regiões com os maiores déficits, ou adotando estratégias para promover novas centralidades e oportunidades de moradia próximas aos terminais de transporte e áreas verdes existentes, como o desenvolvimento orientado ao transporte sustentável (DOTS).
É possível enriquecer a metodologia incorporando aspectos qualitativos sobre as áreas verdes, como o a cobertura vegetal e disponibilidade de equipamentos para diferentes grupos, além de recortes que permitam medir o acesso por raça, gênero e idade, em uma abordagem interseccional de características que se combinam e podem agravar as desigualdades de acesso.
Instalação de equipamentos deve considerar necessidades de diferentes faixas etárias. Foto: Nereu Jr/WRI Brasil
Diagnosticar exposição e vulnerabilidade para priorizar SBN
Os eventos climáticos mais frequentes e intensos afetam sobretudo as populações mais vulnerabilizadas. Nas inundações no Rio Grande do Sul em 2024, por exemplo, famílias que ganham até dois salários mínimos foram 5 vezes mais atingidas do que aquelas que ganham de cinco a dez salários. Populações mais pobres são mais expostas. Dados do MapBiomas mostram que a porcentagem das favelas situadas em regiões de alto risco no Brasil (18%) é 6 vezes maior do que a média da área urbana total (3%).
O planejamento de ações que contribuem para a adaptação de cidades, como as soluções baseadas na natureza, precisa priorizar as regiões e populações mais expostas e vulneráveis. Campinas integrou metas para a implementação de SBN em seus planos ambientais a partir de uma estratégia que indica áreas prioritárias para ação, com base em análises e indicadores de vulnerabilidade a ameaças climáticas. O trabalho contou com o apoio do WRI Brasil, que aplicou metodologia similar em Belo Horizonte.
Diagnóstico territorial: mapas para priorização de áreas de implementação de SBN em Campinas.
A metodologia parte de análises territoriais em que são mapeadas as principais vulnerabilidades climáticas e socioambientais, assim como os fragmentos naturais e ecossistemas. Também leva em conta as políticas ambientais existentes, de modo a potencializar sinergias em prol da adaptação. Por fim, gera um mapa de áreas prioritárias, resultado da sobreposição do mapeamento de áreas vulneráveis, de áreas prioritárias para recuperação e sugere ações com maior potencial, com base em critérios socioeconômicos, ambientais e de viabilidade. O diagnóstico territorial permite traçar planos de ação e implantação de SBN para o enfrentamento de cada perigo.
Sabe-se que a exposição a ameaças como calor extremo e poluição está associada a milhares de mortes todos os anos em cidades brasileiras. O acesso e o bom uso de dados sobre os riscos do calor extremo para a saúde pública são críticos para informar a definição de ações para reduzir a morbidade e mortalidade relacionadas ao calor e priorizar as populações vulneráveis.
Em Belo Horizonte e Campinas, o WRI Brasil é parte de uma iniciativa conjunta com o WRI e o projeto de Mudanças Climáticas e Saúde Urbana na América Latina (Salurbal) da Drexel University, que busca explorar o papel dos fatores sociais e do ambiente construído nos impactos do calor sobre a saúde.
Até 2026, a iniciativa combinará pesquisa e engajamento nas duas cidades, para qualificar os dados e apoiar o desenho de políticas de adaptação em processos colaborativos com o poder público e as comunidades afetadas.
A ampliação o acesso a espaços públicos de qualidade e a redução da vulnerabilidade a eventos extremos são passos importantes na construção de ambientes urbanos mais verdes, saudáveis e resilientes. Os exemplos de Campinas e Belo Horizonte evidenciam que dados de qualidade são parte do caminho para mapear desafios e orientar o planejamento de ações pelo clima, a natureza e as pessoas.
Artigo originalmente publicado em WRI Brasil, em março de 2025.
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