Aprendendo com o urbanismo de Curitiba | Dia 1
Foto: Anthony Ling

Aprendendo com o urbanismo de Curitiba | Dia 1

Confira os principais aprendizados da nossa Missão Urbanística, viagem de estudos urbanos do Caos Planejado para Curitiba. No primeiro dia, conhecemos o projeto Bio Favela e visitamos algumas comunidades da cidade.

6 de outubro de 2025

Em 2025, o Caos Planejado realizou a sua segunda Missão Urbanística, na cidade de Curitiba. Ao longo de quatro dias, um grupo de entusiastas do urbanismo de diferentes áreas realizou um roteiro extenso de visitas e caminhadas, experimentou o emblemático sistema de transporte coletivo e conversou com diversas entidades, com diferentes pontos de vista sobre as dinâmicas da cidade. Trazemos aqui um diário dos editores com alguns aprendizados dessa experiência. 

Bio Favela e a cidade informal

Curitiba normalmente é lembrada pelo urbanismo da sua cidade formal: um planejamento desenhado por Jaime Lerner, com um modelo que tenta coordenar uso do solo e mobilidade através de um sistema de transporte coletivo de massa que, posteriormente, veio a ser internacionalmente reconhecido e chamado de DOTS (Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável) e BRT (Bus Rapid Transit). A cidade também é conhecida pela qualidade dos seus espaços públicos, com a preservação do seu centro histórico e seus parques e praças. Alguns parques, inclusive, foram construídos como áreas alagáveis, para reter águas pluviais, muito antes do conceito de “cidade-esponja” ser cunhado pelo arquiteto chinês Kongjian Yu.

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Conscientes do que iríamos ser expostos durante a Missão Urbanística, tomamos uma decisão de iniciar nossa experiência pela cidade invisibilizada: aqueles que não estão contemplados pela maioria dos planos e projetos, mas que fazem parte da cidade tanto quanto os outros. Fomos recebidos pelo Instituto Athus, braço da Central Única das Favelas do Paraná (CUFA-PR) no Paraná, e conhecemos principalmente as iniciativas do Bio Favela, projeto que promove a transformação de comunidades periféricas por meio de educação, arte e cultura.

Visitamos três favelas: duas que se desenvolveram na CIC (Cidade Industrial de Curitiba) e outra ainda mais distante, junto ao limite municipal com Araucária. Aprendemos com pessoas que vivenciam de perto os desafios que envolvem a vida nesses territórios.

Favela na CIC (Cidade Industrial de Curitiba). Foto: Anthony Ling

Em meio às reflexões, ouvimos que “a favela é uma consequência histórica de uma promessa que não foi cumprida”. É verdade, e essa promessa é o acesso à cidade formal, onde os planos atuam. As ocupações informais recebem apoio principalmente do terceiro setor, pois não são reconhecidas pelo poder público como parte da cidade. Apenas após conversas de anos — às vezes décadas — se consegue serviços públicos básicos para pequenas bolhas dentro das comunidades: uma ligação de energia, saneamento básico, pavimentação adequada. Enquanto isso, as políticas habitacionais são raramente direcionadas às favelas. A principal política do país, o Minha Casa, Minha Vida, deixa famílias endividadas, muitas vezes isoladas de empregos e serviços e, em outros casos, em condomínios que se tornam favelas verticais.

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Em Araucária, participamos de uma sessão do Café Social, um grupo de apoio para mulheres. Uma das mulheres, mãe, tinha perdido sua filha de três anos em um incêndio que tinha ocorrido na favela devido a uma instalação elétrica inadequada. Outra tinha perdido o filho, que tirou a própria vida. A demografia desse encontro também era totalmente diferente da área central de Curitiba, sendo a maioria das mulheres negras, pardas ou indígenas. Muitas delas eram imigrantes, algumas do Amazonas, algumas da Venezuela, famílias que trilharam centenas de quilômetros atrás de oportunidade. Ouvir esses depoimentos foi como ouvir um grito de socorro, reforçando a necessidade de se aproximar dessas realidades para entender a emergência habitacional e urbana que enfrentam — e que afeta toda a sua vida.

Felizmente, pudemos presenciar o impacto que o Instituto Athus e o Bio Favela têm gerado nessas comunidades. Para além das intervenções físicas, o projeto oferece propósito, identidade e saúde emocional para pessoas que enfrentam incontáveis desafios por serem diariamente negligenciadas pela cidade formal. Além do Café Social, vimos que em uma das comunidades da CIC, o trabalho comunitário conseguiu transformar uma área em que os jovens aspiravam participar do tráfico de drogas em um local seguro, com crianças brincando na rua, espaços comunitários bem cuidados e atividades esportivas e culturais diárias para os jovens, trazendo outro significado para suas vidas.

Espaço para atividades esportivas na CIC (Cidade Industrial de Curitiba). Foto: Anthony Ling

Projetos como o Bio Favela nos mostram que ainda há muito a ser feito por essas comunidades, não apenas em Curitiba mas em todo o Brasil. Nossa política urbana precisa definitivamente (e urgentemente) de uma nova perspectiva sobre a questão habitacional. 

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