Andar de carro está prejudicando o cérebro das crianças?
Foto: Wikimedia Commons

Andar de carro está prejudicando o cérebro das crianças?

As crianças americanas estão passando uma parte significativa de seus primeiros anos de desenvolvimento olhando para os tetos internos dos carros e para as telas dos tablets. Esse é um dos muitos efeitos negativos da dependência do automóvel.

13 de outubro de 2025

Segundo uma pesquisa de 2023 da Kelley Blue Book nos Estados Unidos, impressionantes 73% dos pais consideram seus carros uma extensão da casa da família. De fato, nos EUA os pais dirigem em média quase 2.400 km (o equivalente a cruzar metade do país) antes de optarem por um avião ou trem. 65% dos pais passam mais de 30 minutos por dia dirigindo, e 12% passam mais de três horas diárias dentro do carro.

Pediatras, psicólogos do desenvolvimento e qualquer pai ou mãe com bom senso dirão que estímulos visuais variados são essenciais para o crescimento cognitivo saudável. A exposição prolongada a um ambiente estático e pouco estimulante não é exatamente alimento para o cérebro. Ainda assim, as crianças do século 21 passam longos períodos presas em cadeirinhas viradas para trás, com os olhos fixos no interior monótono do automóvel.

Um estudo de 2007 destacou a importância da sincronia emocional e comportamental entre pais e bebês, e como essa conexão molda o desenvolvimento infantil nas primeiras fases da vida. O título técnico, “Parent-infant synchrony and the construction of shared timing”, descreve como pais e bebês se ajustam mutuamente por meio do contato visual, expressões faciais e sons — por exemplo, quando o bebê sorri e o pai sorri de volta imediatamente, ou quando ambos alternam vocalizações.

Já se passaram quase 20 anos desde que eu tive um filho nessa fase, mas lembro bem. Essas interações afetuosas com nossos filhos são cruciais para o desenvolvimento mental e social deles.

Mas e se, como pai ou mãe, eu souber que a falta de estímulo faz mal e, por isso, colocar um tablet na frente dos meus filhos pequenos e um smartphone nas mãos dos maiores?

Leia mais: Com criança, na cidade

A Academia Americana de Pediatria (AAP) constatou que a exposição precoce e prolongada a telas digitais está fortemente associada a atrasos no desenvolvimento da linguagem, cognitivo e socioemocional. O excesso de tempo de tela enfraquece as habilidades de comunicação e interação social. A AAP recomenda uma restrição completa do tempo de tela para crianças até 18 meses, e no máximo uma hora por dia para crianças de até cinco anos. O uso excessivo de telas prejudica o desenvolvimento cerebral, o sono, a atenção e o comportamento, além de aumentar o risco de obesidade por reduzir o tempo de brincadeiras ativas.

As crianças aprendem empatia, apego e inteligência emocional através da interação facial direta. Interagir em tempo real com nossos filhos ajuda a expandir seu vocabulário e compreensão linguística. Espero soar muito óbvio ao dizer que o hábito de deixar a TV ligada ao fundo, de expor constantemente as crianças ao YouTube ou a jogos de celular retarda o desenvolvimento da linguagem e das habilidades sociais.

Naturalmente, uma das maneiras mais eficazes de melhorar a saúde e o desenvolvimento infantil é trocar trajetos de carro e tempo de tela por deslocamentos ativos. “Ativo” não precisa significar apenas caminhar ou pedalar o caminho inteiro. Usar o transporte público pode acrescentar 15 a 30 minutos de exercício diário, já que ir até o ponto de ônibus ou estação de metrô envolve caminhar ou pedalar.

Crianças se deslocando a pé e de patinete em Nova York. Foto: Ed Yourdon/Flickr

Esse tipo de atividade ajuda as crianças a se manterem fisicamente ativas e a reduzirem o risco de obesidade e doenças cardíacas. Mas também oferece inúmeras oportunidades para que os pequenos façam contato visual com outras pessoas e observem o ambiente natural e urbano em um ritmo adequado ao seu desenvolvimento cerebral.

De forma antinatural, muitos bairros foram planejados para que todo deslocamento seja feito de automóvel. Mas eu encorajaria você a buscar oportunidades para substituir pequenas viagens de carro por trajetos de bicicleta. Não deixe que a ausência de ciclovias formais te impeça de experimentar. Vá devagar, pedalando na calçada com seu filho até a biblioteca. Ou melhor: pedale até o supermercado mais próximo apenas para comprar algo pequeno, como um lanche que vocês possam comer ali mesmo, do lado de fora da loja. Depois, pedale de volta para casa.

Cérebros em desenvolvimento precisam de ambientes ativos e estimulantes. Substituir o tempo passivo diante de telas e tetos de carros por mobilidade ativa e interações envolventes faz toda a diferença. É frustrante perceber como tantos de nós, das gerações anteriores, prosperamos interagindo com o mundo real (sim, tocando na grama) e depois, ao nos tornarmos pais, esquecemos completamente esses aspectos da nossa própria infância.

Leia mais: A mobilidade urbana sob o olhar das crianças

Meu objetivo não é te envergonhar por dirigir o tempo todo. É chamar atenção para mais um dos muitos motivos pelos quais estilos de vida dependentes do carro não combinam com a natureza humana. Pense em seus filhos na próxima vez que for convidado a opinar sobre revisão do plano diretor, construção de ciclovias ou expansão do transporte público.

Artigo publicado originalmente em StreetsBlog e Urbanism Speakeasy, em 2025.

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