Podcast #119 | Rocinha: pega a visão
Confira nossa conversa com Ruan Juliet, morador da Rocinha e comunicador, sobre os desafios da vida na favela.
Precisamos de mais algumas cidades de verdade. Como podemos consegui-las?
25 de setembro de 2025Os norte-americanos que visitam Tóquio, Paris, Seul ou Londres frequentemente ficam impressionados com os sistemas de trem eficientes, a habitação densa e as ruas caminháveis repletas de lojas e restaurantes. E ainda assim, nesses países, muitas cidades secundárias também apresentam essas qualidades. Em Nagoya ou Fukuoka, por exemplo, os trens são quase tão convenientes, as casas quase tão densas e as ruas quase tão agradáveis quanto em Tóquio.
Os EUA são muito diferente. Tem Nova York, e basicamente só ela. Pessoas de Chicago ou Boston podem argumentar que suas cidades também são caminháveis, mas as estatísticas de uso do transporte coletivo mostram o tamanho da diferença entre Nova York e todas as demais:
Chicago, Boston e outras cidades ainda possuem núcleos urbanos antigos, com algumas linhas de trem e ruas comerciais. Mas, em sua maior parte, até essas cidades são espraiadas e rodoviaristas. Isso também fica evidente nos números de densidade populacional: Nova York simplesmente está muito acima de todas as outras:
Não há, nos Estados Unidos, nenhuma outra cidade que se pareça com Nova York.
Algumas razões para isso são históricas. Nova York se tornou uma grande cidade antes da popularização em massa do automóvel, de modo que precisou recorrer ao transporte coletivo para os deslocamentos da sua população. Já muitas cidades, como Los Angeles, Houston e Phoenix, cresceram em períodos posteriores. As políticas rodoviaristas dos EUA, a abundância de terras e o desejo pelo estilo de vida suburbano criaram o padrão de desenvolvimento centrado no carro que vemos em tantas cidades do Oeste e do Sul hoje.
Leia mais: O maior boom imobiliário de Nova York e suas lições para hoje
Mas muitas cidades mais antigas não têm essa desculpa. Tome como exemplo a Filadélfia. Em 1910, Nova York era apenas três vezes maior que a Filadélfia; em 1960, era quase quatro vezes maior; e em 2010, cinco vezes maior. Em outras palavras, a Filadélfia teve seu grande boom de crescimento até antes de Nova York, mas seu resultado em termos de caminhabilidade e transporte é muito mais fraco: menos de 20% dos moradores utilizam o transporte coletivo para se deslocar até o trabalho. Muito pouco do centro da Filadélfia lembra Manhattan.
A razão pela qual Nova York é tão maior que todas as outras cidades americanas é, em parte, matemática — em todo país tende a existir uma cidade que se sobressai sobre as demais em termos de população total. E é, em parte, econômica — Ed Glaeser tem um excelente artigo sobre a história industrial de Nova York. Mas esses fatores não explicam por que Nova York é tão mais densa que outras cidades. Na verdade, como Nova York inclui uma parcela incomumente grande de sua área metropolitana (44%, contra menos de 33% em outras grandes cidades), poderíamos ingenuamente esperar que ela fosse menos densa. São Francisco, por exemplo, é apenas o núcleo central de sua região metropolitana, enquanto Nova York inclui Staten Island e outras áreas periféricas. Ainda assim, Nova York é muito mais densa que São Francisco ou qualquer outra grande cidade americana.
A razão pela qual Nova York é a única grande cidade verdadeiramente densa dos EUA está ligada a políticas urbanas. Outras cidades têm códigos de zoneamento restritivos que limitam o coeficiente de aproveitamento, impõem limites de altura em toda a cidade, exigem números mínimos de vagas e restringem grandes áreas para uso exclusivamente unifamiliar. Veja, por exemplo, este mapa que mostra quanto das terras de São Francisco (em rosa) são zoneadas apenas para residências unifamiliares:
Lembre-se de que estamos falando da segunda cidade grande mais densa do país. Nova York realmente está em uma categoria à parte, em termos de permitir edifícios altos.
Nova York também é única por possuir um sistema de metrô extenso. Ela tem mais quilômetros de trilhos que outras cidades, mas tão importante quanto isso é a forma da sua rede. O metrô nova-iorquino é uma malha densa que cobre toda Manhattan e boa parte do Brooklyn. Outras cidades tendem a contar com sistemas de trens suburbanos que conectam o centro diretamente às áreas periféricas, mas que não são tão úteis para circular dentro do núcleo central. Veja, por exemplo, os mapas dos trens de Nova York, São Francisco e Boston:
As cidades americanas já não conseguem mais construir metrôs. Isso ocorre em parte porque proibimos os métodos baratos que eram usados para construí-los. Mas, em grande medida, é resultado dos mesmos problemas de baixa capacidade estatal e de excesso de participação cidadã que travam praticamente qualquer outro projeto de construção nos EUA.
Em outras palavras, os Estados Unidos têm apenas uma Nova York porque nenhuma outra cidade americana quer se tornar como Nova York. Em todo o país, “manhattanização” é um termo pejorativo usado contra qualquer incorporador que tente aumentar a densidade.
E mesmo assim, o número de americanos que querem viver em Nova York não é pequeno, é imenso. Os aluguéis de apartamentos de um dormitório em Nova York vêm disparando, mesmo com a estagnação no restante do país.
Leia mais: A “teoria Friends” na gentrificação em Nova York
Obviamente, há muita gente que quer morar em Nova York. Em parte, isso se deve aos enormes benefícios de consumo para jovens ricos sem filhos que adoram viver em cidades. E, em parte, porque cidades densas permitem ganhos de aglomeração — todo mundo sabe que, se você quiser contratar bons profissionais em áreas como mercado financeiro, jornalismo, advocacia e assim por diante, estar em Nova York ajuda muito.
Mas será que uma única cidade é suficiente para abrigar todos os americanos que querem viver em cidades grandes e densas, além de todos os que precisam morar lá por razões de trabalho? Não é. A classe média está sendo expulsa de Nova York a uma velocidade alarmante. Americanos tentam se concentrar em outras cidades, mas o “NIMBYismo” (movimento de resistência ao desenvolvimento urbano) não permite que essas cidades construam novas moradias em quantidade suficiente para recebê-los. Como resultado, os aluguéis nessas cidades sobem mais rápido do que os salários.
Os Estados Unidos precisam de mais de uma Nova York. Precisam que Chicago, Filadélfia e outras grandes cidades antigas, com núcleos urbanos caminháveis já existentes, assumam o papel de se “manhattanizar”, de modo que o país não tenha apenas uma Manhattan.
Como isso pode ser feito? O primeiro passo é simplesmente adotar coeficientes de aproveitamento no estilo nova-iorquino, assim como outras políticas mais permissivas de construção. Permita mais densidade, e alguma densidade será construída.
O segundo passo é construir mais linhas de metrô. Como o método de trincheira, que constrói metrôs de forma mais barata, é sempre impopular, isso provavelmente também significa investir em trens elevados e trilhos de superfície. O “NIMBYismo” terá de ser enfrentado, mas isso se aplica a praticamente qualquer coisa que se queira realizar. As cidades também deveriam ter como foco a construção de linhas que permitam aos moradores circular dentro da cidade, e não apenas entrar e sair dela. Isso significa criar redes ferroviárias em um padrão de malha.
Outra ideia é que, se outras grandes cidades conseguirem reduzir o crime, seus cidadãos ficarão menos receosos de permitir mais densidade e transporte coletivo. Nova York é hoje uma das grandes cidades mais seguras dos EUA, com taxa de homicídios inferior a 4 por 100 mil habitantes em 2024. Chicago, em contraste, registrava 17,5. A Filadélfia, 16,9. São Francisco tem uma taxa relativamente baixa, de 6,4, mas ainda enfrenta um grande problema de desordem pública, incluindo consumo de fentanil, acampamentos de pessoas em situação de rua, saques a lojas e uma sensação geral de falta de lei. Reduzir essa desordem — assim como o crime em geral — tornaria muito mais atraente viver em áreas densas, caminhar por ruas comerciais, pegar o trem, etc.
Alguns americanos reagem instintivamente contra os apelos para tornar mais cidades parecidas com Nova York. Preferem suas casas unifamiliares, seus carros, seus shoppings e gramados. Tudo bem. Mas essas pessoas deveriam considerar que, se os EUA tivessem mais uma ou duas cidades como Nova York, os que desejam viver nesse tipo de ambiente se mudariam para lá, liberando mais espaço para todo o restante.
Leia mais: A evolução de Nova York
Os EUA precisam tanto de cidades densas quanto de subúrbios, para atender aos diferentes estilos de vida que os americanos desejam. Hoje estamos excessivamente carregados de cidades ao estilo Los Angeles e com carência de cidades ao estilo Nova York. Precisamos restaurar esse equilíbrio, convertendo mais de nossas grandes cidades antigas em novas e reluzentes “Manhattans”.
Artigo publicado originalmente em Noahpinion, em agosto de 2025.
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