E se tudo o que você acredita sobre o preço dos imóveis estiver errado?
Quando nossas intuições básicas e crenças populares sobre o mercado imobiliário estão equivocadas, não é possível encontrar soluções concretas.
Quando a oferta aumenta mais que a demanda; quando há adensamento; e quando ocorre um processo de filtragem.
20 de novembro de 2025Já ouvi todas as versões sobre como o aumento da oferta de moradias faz os preços caírem — mas raramente vejo todas as explicações reunidas em um só lugar. Como acredito que a mudança começa por quem a propõe, vou tentar preencher essa lacuna.
Para quem já acompanha o debate sobre habitação há muito tempo, nada disso é novidade. Mas há mais de uma forma de o aumento do estoque de moradias reduzir o custo geral, e vale a pena registrar esses mecanismos de forma abrangente. Para isso, vou usar três metáforas que adaptei para a economia da habitação: um predador azarado do deserto, uma lei exagerada sobre pizza, e um jogo de dança das cadeiras ao contrário.
Leia mais: Ceticismo em relação à oferta de moradia
Os mercados imobiliários sobem e caem conforme o ritmo da economia. Quando os tempos de bonança chegam, os custos da moradia disparam. Os incorporadores respondem a essa alta construindo mais moradias — mas, crucialmente, eles reagem depois que os preços já subiram.
Quando alguém diz que os incorporadores privados não constroem novas unidades em meio a uma crise, há um fundo de verdade nisso. De modo geral, eles não iniciam novos projetos quando a demanda está caindo. Porém, seguem finalizando os empreendimentos que já estão perto da conclusão, mesmo que o mercado tenha mudado. No fim das contas, incorporadores são quase tão ruins em prever ciclos econômicos quanto os próprios macroeconomistas.
Parte do problema é que construir leva tempo. Nos Estados Unidos, o tempo médio de obra de uma casa unifamiliar varia entre 7 e 12 meses. Para edifícios multifamiliares, esse número sobe para algo entre 12 e 24 meses. Quando os incorporadores decidem construir e a música da última alta econômica para de repente, eles ficam com o problema na mão — e nós acabamos ganhando novas moradias com desconto.

E não, isso não é apenas teoria.
Em 2016, a queda nos preços do petróleo provocou uma desaceleração em regiões produtoras como Houston. À medida que o crescimento do emprego diminuía, os preços das moradias também caíam. Parte disso foi pela redução da renda das pessoas, mas também pelo excesso de oferta criado por incorporadores que haviam reagido à demanda crescente antes de 2016. No ambiente regulatório relativamente permissivo de Houston, esse volume de novas construções foi muito maior do que em lugares com políticas habitacionais mais restritivas. O resultado foi que esse boom de construções, concluídas depois da crise, ajudou a sustentar os baixos custos de moradia de Houston por quase uma década.
Para maximizar esse efeito, porém, é preciso permitir que os construtores construam de fato. Isso significa não só legalizar uma gama mais ampla de tipos de moradia, mas também reduzir os processos de licenciamento excessivamente longos. Um incorporador que possui um terreno mas está travado na burocracia quando a economia desacelera não é obrigado a construir nada. Pode até vender o terreno com prejuízo, mas quem o comprar provavelmente vai deixá-lo parado até que os tempos melhores voltem. Se queremos que locatários e compradores se beneficiem dos “erros” dos incorporadores, precisamos garantir que haja o máximo possível de obras em andamento — não apenas projetos propostos e esperando aprovação.
Os preços da habitação se dividem em duas partes: o valor da construção em si e o valor do terreno onde ela está. Enquanto o edifício é como um carro ou uma geladeira (um bem de consumo durável que se deprecia com o tempo), o terreno segue uma lógica completamente diferente.
O valor da terra não diminui com o tempo. Na verdade, quanto mais acesso um pedaço de terra proporciona (a empregos, serviços, infraestrutura, cultura), mais valioso ele se torna. O mesmo edifício, copiado de Nova York para Topeka, valeria menos, pois há simplesmente muito menos acontecendo no Kansas do que em Nova York, e essa diferença se reflete no preço do mercado imobiliário nova-iorquino.
Assim, quando um imóvel se valoriza ao longo do tempo mesmo com a casa se deteriorando, é o terreno que está se tornando mais caro. Em regiões de alta produtividade, o valor do solo pode representar até 67% do valor total da propriedade, de acordo com estudo do Joint Center for Housing Studies, da Universidade de Harvard.
À medida que o terreno se valoriza, os incorporadores tendem a usar menos terra e criar mais área construída. O aumento do preço da terra impulsiona o adensamento, incentivando as pessoas a construir para cima, e não para os lados.
Pelo menos quando permitimos isso.
As barreiras incluem restrições como tamanho mínimo de lote, recuos obrigatórios, Índices ou Coeficientes de Aproveitamento (CA) e várias outras regras que impedem que o custo seja reduzido substituindo área de terreno por área construída.

Eu poderia tentar explicar em detalhes como cada uma dessas regras funcionam, mas isso seria cansativo. Então, prefiro usar uma metáfora com pizza para ilustrar.
Para muitos de nós, uma experiência compartilhada na juventude é sair de um bar ou balada tarde da noite em busca de algo para comer. Nos EUA, isso frequentemente envolve uma pizzaria que fica aberta pelo menos uns 90 minutos depois do último pedido. Normalmente, esses lugares vendem pizza em fatias. É conveniente, pois às vezes queremos apenas uma fatia. E se conseguirmos manter o grupo de amigos embriagados unido até a pizzaria, cada um provavelmente vai querer um sabor diferente.
Agora imagine que uma lei proibisse a venda de pizza em fatias — só pizzas inteiras. E todas teriam que ser grandes. Além disso, haveria uma norma dizendo que as pizzarias só podem colocar o recheio a partir de uma distância mínima da borda, deixando uma faixa de massa sem recheio. Por fim, imagine uma regra que obrigasse 75% das pizzas a serem apenas de mussarela. Isso seria irritante, ineficiente, e faria com que algumas pessoas simplesmente não pudessem mais pagar por pizza.
Pois bem: em muitos lugares, é assim que regulamos o uso do solo.
Isso não significa que todas essas normas devam ser abolidas. Algumas delas têm razões válidas em certos contextos. Mas, na maior parte das vezes, elas nos obrigam a usar terra demais, elevando o custo das moradias.
E aqui, novamente, entra o exemplo de Houston. Em 1998, a cidade reduziu o tamanho mínimo de lote em uma área central de 464 m² para 325 m², e em 2013 diminuiu ainda mais, para 130 m². Segundo pesquisa de Emily Hamilton, essas reformas permitiram a construção de cerca de 80 mil unidades em lotes pequenos recém-legalizados, ajudando a manter a habitação acessível.
Mas Houston não foi a única cidade a permitir maior densidade.
Em Auckland, na Nova Zelândia, uma grande reforma em 2016 autorizou níveis significativamente maiores de densidade em áreas antes restritas a casas unifamiliares. O resultado? Mais densidade e mais acessibilidade habitacional — exatamente como esperado.
Leia mais: As lições da Nova Zelândia para aumentar a oferta de moradia
Essa é, portanto, a segunda forma pela qual construir mais moradias — ou seja, construir mais unidades em relação ao espaço de terra disponível — ajuda a conter os preços. Mas ainda há uma terceira maneira de pensar sobre a oferta habitacional, e ela envolve um dos jogos infantis mais conhecidos do mundo.
Filtragem (filtering) é o processo pelo qual novas moradias caras se desvalorizam gradualmente, tornando-se mais acessíveis a pessoas de diferentes faixas de renda. Historicamente, foi assim que a maior parte das moradias populares surgiu nos Estados Unidos: durante períodos de rápido crescimento econômico, ondas de construção criavam “safras” de novas unidades que, com o tempo, iam se tornando mais acessíveis conforme envelheciam.
O ponto crucial é que esse processo ocorre em um longo período de tempo. As moradias caras construídas hoje podem levar décadas para se tornarem acessíveis às classes médias ou trabalhadoras. Então, para que isso de fato aconteça, uma cidade precisa permitir um fluxo constante de novas construções. Se a oferta for bloqueada por alguns anos, será preciso pelo menos o mesmo tempo para que as moradias de luxo voltem a se depreciar e se tornem acessíveis.
Dito isso, o desenvolvimento de alto padrão também pode ter impactos imediatos sobre os preços.
Pesquisadores documentaram um efeito cascata no qual novas moradias de luxo são ocupadas pelos moradores mais ricos da região, que liberam as unidades do próximo degrau na escala de preços. Esses imóveis, por sua vez, são ocupados por moradores um pouco menos abastados, e assim o efeito se propaga ao longo de todas as faixas de renda.
É aí que entra a metáfora da dança das cadeiras. Ao contrário do jogo original — de soma zero —, aqui podemos adicionar cadeiras. Podemos criar um mercado habitacional de soma positiva, onde novas construções não apenas acomodam quem já está jogando, mas também abrem espaço para quem ainda quer entrar.
Falar em metáforas é útil, mas exemplos concretos são ainda melhores. Meu favorito vem de uma palestra de Bill Easterly e Laura Freschi, intitulada “A Long History of a Short Block” (“Uma longa história de um pequeno quarteirão”).
Nessa apresentação, os autores contam a história de um único quarteirão de Nova York, ao longo de 400 anos. O terreno começou como área agrícola fora da colônia holandesa. No início do século 19, tornou-se um bairro de classe média alta. Mais tarde, foi tomado por pequenas indústrias e pela prostituição. Pulando para a metade do século 20, artistas e boêmios (que alguns chamam de “primeira onda da gentrificação”) começaram a se mudar para lá, transformando antigas fábricas em moradias. Nas últimas décadas, o mesmo local virou reduto da elite financeira, com lojas de luxo ocupando os espaços comerciais.

Essa história ilustra dois aspectos essenciais da filtragem.
Primeiro: é um processo cíclico. Ao longo de quatro séculos, esse pequeno quarteirão testemunhou idas e vindas entre ricos e trabalhadores, em sucessivas ondas.
Segundo: esse tipo de desenvolvimento adaptativo só ocorre quando é permitido. O processo orgânico e cíclico descrito por Easterly e Freschi morreu com a chegada das regulamentações modernas de uso do solo. Como resultado, o bairro literalmente parou de crescer — sem novas ondas de desenvolvimento, sem aumento do estoque de moradias —, e a população rica se consolidou em um bairro que permanece congelado no tempo desde a década de 1970.
Leia mais: Filtragem: a gentrificação ao contrário
No geral, permitir que incorporadores construam para o topo do mercado é importante. Seja oferecendo moradias caras hoje que se tornarão acessíveis daqui a vinte anos, seja aliviando a disputa pelas unidades existentes agora. Tudo se resume à mesma constatação: aumentar a oferta de moradias para os ricos ainda é aumentar a oferta de moradias — e, direta ou indiretamente, ampliar o tamanho do bolo beneficia todos.
Este texto não pretende ser uma defesa de que o mercado, sozinho, resolverá todos os nossos problemas habitacionais. Há, sim, um papel fundamental para a ação pública, seja por meio de subsídios, produção direta de moradias ou outras estratégias.
O que busquei aqui foi esclarecer como e por que a oferta habitacional importa. A expressão “oferta e demanda” está tecnicamente correta — mas é incompleta. Espero que, ao percorrer esses três mecanismos, o sentido desse princípio econômico fique mais claro e sirva de base para todos os debates sobre habitação que ainda virão.
Artigo publicado originalmente em Urban Proxima, em maio de 2025.
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