A Espanha é o segundo país (o primeiro na Europa) da OCDE com maior percentagem de famílias vivendo em apartamentos, ficando atrás somente da Coreia do Sul. Quase 70% das famílias espanholas vivem em apartamentos.
Esse número não é por acaso. Historicamente, durante os séculos 19 e 20, o urbanismo espanhol adotou a receita da verticalização. Uma receita que permitiu que cidades como a Corunha, município no norte da Galiza com menos de 250 mil habitantes, apresentasse densidade populacional de quase 22 mil habitantes por quilômetro quadrado, um valor tipicamente encontrado em grandes metrópoles asiáticas.
Mas a verticalização espanhola difere muito da brasileira. Enquanto no Brasil constroem-se prédios muito altos, com 10 andares ou mais, isolados no meio do terreno, com muita oferta de estacionamento e sem fachada ativa, na Espanha os prédios têm uma média de 5 andares, com comércio/serviços no térreo (e eventualmente nos primeiros andares), uso residencial nos andares superiores e sem afastamentos laterais ou frontais. Garagens são uma raridade. Essa combinação de construção privada é acompanhada por um ordenamento do espaço público de excelência: calçadas e avenidas largas, que permitem comportar faixas de ônibus e ciclovias, além das faixas de trânsito automóvel. O urbanismo espanhol tem o seu expoente no Plano Cerdà, em Barcelona, concebido ainda no século 19.
Já em meados do século 20, a construção em altura se intensificou, em parte devido às políticas habitacionais da ditadura franquista que precisava acomodar os migrantes rurais. Após a queda do regime, o urban sprawl americano chegou à Espanha, mas com pouca expressão. Ainda hoje, o desenvolvimento imobiliário habitacional é maioritariamente direcionado para a construção de apartamentos.
Lições para o Brasil
É muito mais lógico para o Brasil olhar para o urbanismo espanhol do que para o alemão ou chinês. A questão cultural é incontornável e a receita espanhola oferece soluções que podem ser replicadas nas cidades brasileiras. Há duas vantagens claras desse tipo de ocupação do solo: melhor vida urbana e uma operação de transporte público mais sustentável.
Vida urbana: Copacabana é o que mais se aproxima no Brasil do urbanismo espanhol. Devido a elevada atividade ao nível do térreo, as calçadas estão sempre com pessoas circulando, criando um senso de segurança e permitindo a operação de vários tipos de negócio, incluindo serviços de 24 horas. O mesmo acontece na Espanha: a vida urbana é de proximidade, muitas viagens são feitas a pé e, excetuando a viagem casa-trabalho, os pequenos recados e compromissos do dia-a-dia podem ser tratados próximos de casa. É a verdadeira cidade de 15 minutos.
Transporte público: com bons níveis de densidade populacional, nem muito baixos como nos EUA que obrigam ao uso do carro particular e nem muitos altos como na China que obrigam a sistemas de trens e metrôs pesados, e mistura de usos do solo, o urbanismo espanhol é muito favorável para a operação de sistemas de transporte público, especialmente os sistemas de ônibus. As viagens são mais curtas e mais distribuídas pelo território e ao longo do dia, permitindo a operação mais sustentável do sistema.
O Brasil deveria olhar com mais atenção para a Espanha. Além do seu urbanismo, a Espanha construiu, em pouco mais de 30 anos, um sistema de alta velocidade ferroviária, hoje a maior rede da Europa e segunda maior do mundo. São 3000 km de trens de alta velocidade ligando as principais cidades espanholas a 310 km/h. Apesar de ter um território substancialmente menor que o brasileiro, a Espanha oferece lições para o Brasil, tanto no planejamento urbano como regional, com muitos exemplos de sucesso.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.