Levante a mão quem é moderninho

13 de fevereiro de 2023

Qualquer pessoa escuta o outro falando em modernidade, e já pensa que chegamos no futuro e que o que quer que seja, vai funcionar melhor. E as vezes é assim mesmo, como, por exemplo, com a internet, a medicina diagnóstica e os smartphones.

Só que, em se tratando de cidades e urbanismo, não é.

Dei meia informação aí; na verdade, temos hoje um menu sofisticado de recursos para cidades, como redes de abastecimento de água e de coleta de esgoto, redes de transporte de massa como metrô, bondes/VLT’s, trens metropolitanos e BRT’s (BRT é aquela solução meia-boca — mas que faz um barulho danado — para quem não teve a visão e a coragem de investir no metrô/bondes até o momento).

O menu de possibilidades é farto e bem pensado, mas essa é uma daquelas situações onde o cliente nunca tem tempo e paciência para aguardar o Chef preparar um prato mais sofisticado, e sempre sai do restaurante com uma sacolinha de fast-food, falando alto.

Mas deixemos o cardápio e a falta de paciência de lado e voltemos à questão da modernidade nas cidades.

Nem todo engenho humano se desenvolve num vetor único, de forma evolutiva e incremental, mas, antes, por soluções diruptivas que muitas vezes desafiam o passado impondo uma nova realidade. E assim foi com cidades ao redor de todo o planeta que buscaram no amanhecer do século XX ares de modernidade ao pretender “retificar” tecidos urbanos centenários (as vezes milenares).

Se, para um conjunto de pensadores, a modernidade nada mais é do que o momento atual (naquele vetor único de evolução incremental), para Kant e Weber, a modernidade é aquilo que nega o anterior, aquilo que vem para substituir o que já existia, estruturado a partir da razão.

Não é que suas teses sejam impróprias (porque não são, muito antes pelo contrário); é que as cidades são organismos vivos, e que incorporam de forma incremental tudo o que funciona e melhora, exceto se esse progresso é interrompido por ações externas enérgicas e impositivas, como, por exemplo, as cidades “ideais” teorizadas, nas quais a cidade é totalmente planejada, completamente setorizada, departamentalizada, segmentada por usos, segregada por classes, afluência social e posição na hierarquia estatal.

Nessas “cidades ideais”, mais de quatro mil anos de aprendizado e evolução foram substituídos por utopias jamais testadas, baseadas em princípios risíveis e estéreis, com a pretensão de que seja possível antecipar, prever e dirigir o comportamento humano.

Interessante (na verdade, interessantíssimo) observar que praticamente todos os aspectos perseguidos nos planos atuais de revitalização urbana já se faziam presentes desde as primeiras vilas muradas, como a alta densidade, a verticalidade, o multiúso com habitação, comércio e serviços disponíveis em cada zona ou quarteirão, e acesso à vida comunitária e institucional a uma distância menor do que 15 minutos.

Pois é, não precisava reinventar a roda, nem queimar em praça pública uma Biblioteca de Alexandria em conhecimentos empíricos sobre as cidades. Bastava seguir o curso da história, montar na evolução incremental e adicionar os itens daquele menu de soluções sofisticadas que o Chef prepara com cuidado e atenção quando o cliente tem tempo e paciência.

Sabe quem fez direitinho e não se rendeu à “modernidade” (daquela modernidade que exige negar o passado para construir um futuro melhor)? Paris, Barcelona, Madrid, Londres, Buenos Aires, Santiago, Amsterdã, Nova Iorque, Berlim, Munique, Viena, Lisboa e mais um monte de outras cidades que nunca se renderam a essas modinhas.

E no Brasil, não tem? Tem, mas ou são cidades pequeninas e mais antigas que não sofreram um ataque de modernidade, como Ouro Preto, Paraty e Tiradentes, ou são partes das nossas metrópoles, notadamente aquelas partes urbanizadas no início do século XX e edificadas até 1930 ou 1940, como Copacabana, Ipanema e Leblon, o centro de São Paulo, e de Belo Horizonte (e sua majestosa rede de bondes, desativados “em nome da modernidade”), dentre outros.

Tem saída? Claro, tudo tem saída (só a morte não tem), mas aí é assunto para uma próxima conversa.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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