As pessoas, antes de tudo
O arquiteto dinamarquês Jan Gehl, nascido em 1936, é professor aposentado da Real Academia Dinamarquesa de Belas Artes, onde começou a realizar pesquisas sobre o comportamento das pessoas nos espaços públicos. Ele conta que começou a seguir esse caminho após uma pergunta que sua mulher, psicóloga, lhe fez: “Por que vocês, arquitetos, não se interessam pelas pessoas?”
Suas estratégias para favorecer a vida pública por meio do desenho dos lugares iniciam-se com o seu livro Life Between Buildings (Vida entre edifícios), de 1971. Foram depois enriquecidas com contribuições de seus trabalhos posteriores, fruto especialmente de anos de experiência acumulada em consultorias prestadas principalmente a prefeituras em todo o mundo.
Em Life Between Buildings, Gehl apresenta o famoso gráfico que já comentei aqui e aqui. Também relaciona importantes oportunidades vinculadas ao fato de podermos encontrar, ver e ouvir outras pessoas no espaço público.
Gehl não trabalha muito com uma escala maior, da cidade, para fazer relações e compreender por que certos locais são menos favoráveis à apropriação que outros. Em outras palavras, o contexto não está muito presente em suas reflexões, mas sim a interface e o lugar. Ele se interessa, portanto, pela escala local, e eu resumiria suas preocupações em três grupos.
1) Conhecer o ser humano. Se as pessoas devem vir primeiro no processo de planejamento e desenho, é fundamental saber como elas funcionam, quais suas possibilidades e limitações. Qual o alcance da nossa visão, do nosso olfato, da nossa audição? A que distância de outras pessoas – amigos, conhecidos, desconhecidos – nos sentimos confortáveis? Qual nossa velocidade de deslocamento, sejamos crianças, idosos, adultos? Se devemos desenhar a cidade não para ser apreciada de dentro de um veículo, mas para ser apreciada no passo do pedestre, a 4 ou 5 km/h, que detalhes são importantes para que esse deslocamento seja estimulante, agradável, seguro?
2) Compreender o funcionamento das pessoas nos lugares. Jan Gehl diz que as prefeituras estão cheias de informações sobre tráfego, déficit de vagas etc., mas não possuem uma só informação sistemática sobre a vida pública de suas cidades. Assim, utiliza técnicas de levantamento que consistem principalmente em identificar o tráfego de pedestres e as atividades estacionárias. São levantamentos simples, mas que demandam tempo de observação e permitem um mergulho na realidade local, por meio de contagens in loco. Seu método e técnicas estão reunidos no livro “A vida na cidade: como estudar”, de 2013.
3) Adotar estratégias de contato. Gehl mostra várias maneiras de promover ou impedir o contato pessoal, visual e auditivo por meio de arranjos físicos, e que para favorecer a vida pública é preciso eliminar (ou não criar) barreiras. As estratégias são constrangedoramente simples e facílimas de identificar. Conhecê-las nos permite, de antemão, saber se um local será ou não propício à passagem e permanência de pessoas.
O mais fascinante do trabalho do Gehl é que seus conceitos estão aí, materializados por todo o planeta, com maior ou menor grau de sucesso, mas sempre com poder importante de transformação, por meio dos serviços prestadas por seu escritório, criado em 2000, com sua ex-aluna, Helle Søholt, o Gehl Architects. Vale passear por seu portfólio de projetos para acender a esperança de que o conhecimento aplicado realmente pode melhorar as cidades para as pessoas.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.