Contexto, interface e lugar | Parte 3

27 de setembro de 2024

As esferas de análise de um espaço público: atributos locais – lugar

Nas colunas passadas, vimos o contexto e a interface, ambos constituindo esferas de análise de um espaço público. Agora, finalmente, é a vez de analisar o lugar, ou seja, o próprio espaço público, pois, garantidas as outras condições, se ele está vazio, então o problema está só nele, mesmo.

Assim, para favorecer o uso e apropriação cotidianos, o espaço público deve:

1- Ser passagem para outro lugar. A gente não vai ver muitas pessoas em uma rua sem saída ou em um local segregado. Possuir tráfego de passagem de pedestres é atributo fundamental de um espaço público vivo, e isso significa que ele deve ter localização favorável na área da cidade que ocupa, estando preferencialmente conectado a outros lugares, fazendo parte de um sistema maior de espaços públicos.

2- Ter tamanho condizente com suas características (localização, papel no contexto urbano, interface, população real ou potencial). Como regra geral, é importante evitar o superdimensionamento, e por isso alguns autores arriscam estabelecer dimensões máximas, o que eu acho improdutivo, pois há espaços que têm vocação para serem amplos.

3- Estar no nível do solo, acompanhando o relevo, o que favorece a comunicação com os edifícios que compõem sua interface e amplia a acessibilidade em toda a área. Espaços rebaixados ou elevados dificultam o fluxo de passagem e põem as pessoas muito em evidência, o que não raro inibe sua permanência.

4- Ser de fácil acesso. Atravessar a rua, chegar de bicicleta, descer de uma parada próxima de transporte público para alcançá-lo são ações que as pessoas devem fazer sem esforço, em segurança. Ele deve também oferecer boas condições de circulação em seu interior, sem barreiras físicas ou visuais.

5- Oferecer suporte para a realização de diversas atividades, passivas e ativas, improvisadas ou programadas, diurnas e noturnas, de semana e de fim de semana, de verão e de inverno, que interessem às mais variadas pessoas, sozinhas ou em grupos. Sobretudo, ter lugar para se poder sentar.

6- Ser agradável em termos de conforto térmico, luminoso, sonoro e de qualidade do ar. Ser bem iluminado à noite.

7- Ter um investimento em implantação e manutenção que se harmonize com o papel que ele tem na cidade. Pracinhas de bairro com desenho e elementos constituintes que exijam altos custos de implantação ou manutenção, por exemplo, tendem a ter dificuldade em manter-se em boas condições de uso.

8- Possuir identidade, distinguir-se dos demais espaços públicos por alguma característica própria, o que chamará a atenção para si e favorecerá a localização e a orientação das pessoas na área em que se insere. Para isso, pode apresentar elementos que simbolizem sua história, cultura, população, flora, fauna etc. e que o tornem memorável. Deve ainda ser legível, estar desenhado de forma a auxiliar na orientação de quem o está percorrendo, reconhecendo as partes de seu todo.

9- Favorecer a sensação de segurança e provocar afetos positivos, como o de pertencimento.

10- Ser belo e possuir elementos constituintes que também o sejam. Abrir espaço para que, dele, se aprecie a beleza circundante.

Com os atributos do lugar, finalizamos esta trilogia. Ao analisarmos um espaço público a partir dela, conferindo item a item, podemos saber quais são os entraves para sua plena utilização. Alguns podem ser vencidos a curto prazo; outros, a médio e longo prazos. Muitas das soluções podem ser testadas antes de serem definitivamente implementadas, e não custa lembrar que eventos não vão resolver o problema da baixa apropriação cotidiana: é com desenho que fazemos isso.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. ([email protected])
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