Tipos de atividades e qualidade do espaço público | Parte 1

6 de junho de 2025

O gráfico do Jan Gehl e as atividades necessárias

Se eu fosse dessas pessoas que têm coragem de fazer tatuagem, já teria gravado na minha pele o gráfico que Jan Gehl apresenta na página 11 do “Life between buildings” (Vida entre edifícios, 1971). Interessado em espaços públicos vivos, onde as pessoas possam interagir, ele relaciona a qualidade dos lugares com a quantidade e duração de atividades ao ar livre.

Para isso, a primeira coisa que ele faz é classificar, de forma simplificada, as atividades que podemos desempenhar na rua. São elas: necessárias, opcionais e “resultantes” (essas aspas são dele).

As atividades necessárias são aquelas que você tem que desempenhar de um jeito ou de outro, chova ou faça sol. Comprar algo que está faltando para o almoço, esperar o ônibus para ir ao trabalho, buscar menino na saída da escola. Você precisa fazê-las, e usa a cidade para isso.

As atividades opcionais são aquelas que você escolhe fazer. Decidir ir a um lugar ou ficar mais tempo nele, sentar-se num banco, apreciar o pôr do sol, caminhar mais devagar para ver vitrines.

Enquanto você está fazendo essas atividades, geralmente há outras pessoas nos espaços públicos com você – isso é a nossa já conhecida copresença. As atividades “resultantes” ou sociais ocorrem, então, quando alguma interação se dá entre vocês. Você está voltando para casa e alguém lhe oferece um bilhete de loteria. Você está na praia e pede a alguém para olhar suas coisas enquanto dá um mergulho.

A segunda coisa que Gehl faz é classificar, também de forma simplificada, a qualidade do espaço físico onde as atividades ocorrem, que pode ser pobre ou boa. Nesse momento do livro ele não diz exatamente o que seria uma qualidade boa ou uma qualidade pobre, mas a gente consegue imaginar.

Ele então relaciona as duas coisas, usando circunferências de diferentes tamanhos para ilustrar a quantidade/duração de atividades.

Nesta coluna vou falar das atividades necessárias. Na próxima, completo com as opcionais e as “resultantes”.

Basicamente, se a atividade que você tem que fazer no espaço público é necessária, mesmo que ele tenha péssima qualidade você é obrigado a usá-lo, estar nele, passar por ele. O único caminho do metrô até o meu prédio é mal iluminado, sem calçada, com paredes cegas? Vou permanecer nele o mínimo necessário, mas vou percorrê-lo: que remédio?

Assim, a quantidade/duração de atividades necessárias que ocorre num espaço público de baixa qualidade não é muito grande, mas é consistente. No gráfico, é representada por uma circunferência pequena. Em outras palavras, de uma forma geral, um espaço público de péssima qualidade não nos impede de fazer o que precisamos. Ele só torna a nossa vida miserável.

Mas… e se o caminho for iluminado, acessível, interessante? Vou atravessá-lo assim mesmo – é o meu caminho – mas com menos sofrimento ou, quem sabe, com algum prazer. A quantidade/duração de atividades necessárias não muda muito. No gráfico, a circunferência pequena aumenta só um pouco, pois algumas pessoas que hoje não o percorrem (por terem mobilidade reduzida, por exemplo) agora podem fazê-lo.

O que mudaria mesmo seria nosso estado de espírito. Começaríamos a achar – coisa estranhíssima! – que nossos prefeitos começaram a se importar com seus cidadãos. Logo eles, tão acostumados a pensar: “Pra que investir em espaços públicos? A precariedade e o descaso nunca foram impeditivos para o povo chegar a tempo para bater seu ponto!”

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. ([email protected])
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