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Conjunto habitacional Coliseu, na Vila Olímpia. Foto: Prefeitura de São Paulo
Em São Paulo, entre os arranha-céus corporativos, lojas de luxo e hotéis de alto padrão da Vila Olímpia, está localizado um conjunto habitacional de interesse social com 272 unidades. Construído no local da antiga favela Coliseu, o edifício de apartamentos não é apenas uma moradia nova e segura para centenas de famílias de baixa renda que viveram por décadas no assentamento informal, enfrentando incêndios, enchentes e infestações de ratos. Ele é também, segundo defensores, uma prova de que o investimento em um bairro não precisa resultar em deslocamento dos moradores, e de que é possível construir habitação social até nas áreas mais caras de uma cidade.
Em março, o Lincoln Institute of Land Policy convidou um grupo diverso de pesquisadores e profissionais de várias partes do mundo para se juntarem à sua equipe em uma viagem de estudos de quatro dias. Combinando sessões em sala de aula e visitas a campo, o estudo permitiu aos participantes explorar de perto esse exemplo conhecido de captura de valor fundiário. Também conhecida como recuperação do valor da terra, a captura de valor do solo se refere a um conjunto de políticas que permite à comunidade recuperar e reinvestir os aumentos no valor da terra resultantes de investimentos públicos ou outras ações governamentais, como a construção de uma nova estação de transporte ou a mudanças no zoneamento.
“Em São Paulo, temos pelo menos dois bons exemplos de favelas que foram urbanizadas em locais onde a terra é muito cara”, explica Paulo Sandroni, economista que desenvolveu o curso junto com a urbanista Camila Maleronka. “Nossa ideia foi apresentar às pessoas e explicar os instrumentos que utilizamos — primeiro, para capturar o valor incremental do solo, e segundo, para manter as pessoas que viviam nas favelas no mesmo local, mas agora em apartamentos de ótima qualidade.”
O processo funciona assim: a cidade escolhe uma área para receber alguma intervenção pública como parte de uma “Operação Urbana”. Os incorporadores que desejam construir edificações maiores do que o permitido naquela zona podem comprar Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs), que são vendidos na bolsa de valores — o que significa que o setor privado define seu preço. A receita das vendas de CEPACs é então utilizada para financiar obras públicas e habitação social no mesmo bairro.
Mas o fato de ser possível capturar e reinvestir a valorização da terra em habitação social não significa que isso aconteça automaticamente, especialmente em bairros de alto valor imobiliário. “A comunidade do Coliseu teve que lutar contra muitas adversidades, contra diversas forças — de incorporadores, de vizinhos que não queriam que eles permanecessem ali e até de pessoas dentro da própria administração pública”, conta Sandroni. “Mas os líderes desse movimento diziam: ‘Temos o direito de estar aqui. A legislação nos deu as ferramentas para permanecer, e há dinheiro para construir esses prédios.’ Foi um exemplo maravilhoso de desenvolvimento urbano inclusivo.”
Edifício de apartamentos do Conjunto Habitacional Coliseu. Foto: Edson Lopes Jr./SECOM
As ferramentas de captura de valor do solo em São Paulo já foram objeto de inúmeros estudos de caso, mas ver seus resultados de perto, no próprio território, ajudou a dar vida ao conceito para muitos participantes, que vieram de instituições como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento (BERD) e o Centro de Financiamento de Habitação Acessível da África, entre outros.
“Fiquei realmente impressionada com o que vi em São Paulo”, diz Line Algoed, antropóloga urbana da Vrije Universiteit Brussel. “Eu já conhecia o conceito de captura de valor da terra, mas nunca tinha visto seus resultados pessoalmente. Não sabia sobre os CEPACs nem sobre outros instrumentos usados em São Paulo — isso coloca a cidade na vanguarda do urbanismo inovador.”
Os resultados em São Paulo não foram perfeitos, acrescenta Algoed, “mas é muito bom ver que o governo local está tentando mitigar as consequências da especulação imobiliária.”
Hiro Ito participou do curso movido pela curiosidade sobre mecanismos financeiros que possam ajudar as cidades a financiar infraestrutura climática. Ito é gerente do programa Green City Action Plan, do BERD, no qual trabalha com governos municipais para identificar investimentos e políticas que os ajudem a se preparar para os desafios ambientais e as mudanças climáticas. “Já desenvolvemos planos de ação com 47 cidades”, diz Ito. “Mas muitas dessas ações, especialmente as relacionadas à natureza ou à adaptação climática, acabam não sendo implementadas”, muitas vezes por falta de financiamento.
“Soluções baseadas na natureza, proteção contra enchentes, mitigação do efeito de ilha de calor urbana — esses projetos tradicionalmente não geram receita direta”, explica Ito. “Espero que esse tipo de mecanismo possa ser uma nova forma de fortalecer as finanças municipais, para que cidades ao redor do mundo possam fazer muito mais nessas áreas.”
Durante uma visita guiada que incluiu tanto o edifício Coliseu quanto a icônica ponte Octavio Frias de Oliveira (Ponte Estaiada), Ito ficou impressionado com a dimensão e o alcance dos investimentos da cidade, e se perguntou se um instrumento semelhante de captura de valor do solo poderia funcionar em Ancara, na Turquia, onde o BERD está ajudando a financiar a construção de uma nova linha de metrô. “Logo após a viagem, começamos a estudar como poderíamos implementar um instrumento de financiamento baseado no valor do solo para a Prefeitura Metropolitana de Ancara”, conta ele, observando que existem vários terrenos públicos nas proximidades que poderiam ser desenvolvidos. “Poderíamos introduzir mecanismos semelhantes aos CEPACs para arrecadar recursos a partir desse redesenvolvimento? O objetivo final é cobrir o custo das extensões do metrô, mas esses projetos de regeneração urbana também poderiam incorporar benefícios sociais e ambientais.”
Participantes do estudo do Lincoln Institute em São Paulo ouvindo uma das lideranças comunitárias do Coliseu, Rosana Maria dos Santos. Foto: Lincoln Institute
Ito destacou que os instrutores do curso, Sandroni e Maleronka, também explicaram as limitações, fragilidades e desafios da abordagem paulistana. Ele reconhece que o sucesso de um modelo similar depende de certas condições específicas.
“Estamos testando isso na Turquia porque a população urbana está crescendo, então há uma grande demanda por novas moradias — faz sentido, para alguns incorporadores, comprar direitos adicionais de construção”, diz Ito. “Mas nem todos os países onde o BERD atua apresentam a mesma tendência populacional”, acrescenta, observando que os mercados imobiliários de cidades menores da Bulgária ou da Romênia, por exemplo, podem não ser fortes o suficiente para sustentar mecanismos de financiamento como esses. “Mas realmente gostamos da ideia dessa abordagem baseada no mercado para definir o preço… Acho que foi uma maneira muito inteligente de obter o máximo valor possível da área.”
O que mais ressoou para Kecia Rust, fundadora e diretora executiva do Centro de Financiamento de Habitação Acessível da África, foi a premissa de que os direitos de construir no espaço aéreo são um bem público.
“A abordagem geral que possibilitou o investimento em habitação social no Coliseu e em outros projetos, assim como a construção da icônica ponte de São Paulo, o monotrilho, as vias, ciclovias e outras obras públicas, parte de uma filosofia fundamental: os direitos de propriedade privada se estendem em longitude e latitude, mas não em altura”, escreveu Rust em uma publicação no blog, refletindo sobre o curso. “Os direitos de construir no espaço aéreo são um bem público, que o setor público pode vender para gerar receita a ser reinvestida em obras e habitação social”, continuou. “Assim, a cidade não precisa se endividar quando investe na construção de ruas, pontes e moradias populares.”
“Acho que o principal desafio que enfrentamos no contexto africano é que não temos dados nem capacidade de gestão em nível municipal para implementar algo na escala do que vimos em São Paulo”, afirma Rust. “Mas o que eu vi e compreendi foi muito inspirador.”
Vários membros da equipe do Lincoln Institute também participaram do curso, e muitos deles, fora do time da América Latina, nunca haviam visto pessoalmente esse exemplo global de captura de valor do solo. “Toda essa ideia de desenvolvimento sem deslocamento, de como proteger ou mitigar o risco de remoção de comunidades ao investir nelas, é um tema central em grande parte do trabalho que estamos fazendo”, diz Enrique Silva, diretor de programas do Lincoln Institute. Enrique fez questão de convidar pessoas de diferentes áreas da organização: “Essa ideia de aprender juntos, de compartilhar conhecimento e trocar experiências, é algo que eu adoraria ver acontecer com mais frequência.”
Para saber mais sobre o urbanismo das cidades brasileiras e exemplos de estratégias para financiar o desenvolvimento urbano, conheça o curso “Do Planejamento ao Caos“.
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