A “teoria Friends” na gentrificação em Nova York
Como uma das séries de maior sucesso da história pode estar relacionada com o desenvolvimento urbano e as dinâmicas do mercado imobiliário de Nova York nas últimas décadas?
O planejamento urbano no Brasil tem seguido caminhos equivocados há décadas. Nós acreditamos que isso precisa mudar.
23 de junho de 2025“Este livro é um ataque aos fundamentos do planejamento urbano e da reurbanização ora vigentes.”
É assim que Jane Jacobs, uma das maiores referências no urbanismo mundial, inicia seu renomado livro “Morte e Vida de Grandes Cidades”. Apesar de ter sido escrita nos anos 1960, a frase se refere a um tipo de planejamento urbano que ainda está presente em muitas decisões e afeta a qualidade de vida de milhões de brasileiros.
Não é difícil identificar alguns problemas graves nas grandes cidades brasileiras atualmente. Temos um déficit habitacional de mais de 6 milhões de moradias, e 16 milhões de pessoas vivendo em favelas. Em São Paulo, a maior cidade do país, as pessoas gastam em média 2h26min por dia em seus deslocamentos. A cada 15min, 1 brasileiro morre em acidente de trânsito, e a poluição mata 80 mil pessoas por ano. Temos imóveis abandonados, áreas inseguras, parques e praças mal cuidados, enchentes…
Como chegamos nesse caos que vemos hoje nas nossas cidades? Por que padrões disfuncionais têm sido repetidos por décadas? O que precisamos mudar para que as cidades sejam melhores para todos?
Diante da frustração, é comum pensar que deveríamos simplesmente desistir dos grandes centros urbanos, incentivando as pessoas a morarem em áreas mais distantes, cercadas pelo verde ou, quem sabe, criando cidades planejadas do zero, mais organizadas e “eficientes”. Essa foi a lógica fomentada por diversos pensadores a partir do século 19, diante do caos urbano — ainda maior que o atual — gerado pela Revolução Industrial, quando as cidades cresceram exponencialmente com condições muito precárias de moradia, transporte, saúde e higiene.
Entretanto, quando pensamos em destruir ou “resetar” as aglomerações urbanas, acabamos perdendo de vista um entendimento fundamental: por que, afinal, as cidades existem? Por que as pessoas, em algum momento da história, decidiram morar perto umas das outras e concentrar sua produção e as suas trocas nesse local?
Segundo Edward Glaeser, economista e professor da Universidade de Harvard, “as cidades são a melhor invenção da humanidade”. Isso porque o ajuntamento de indivíduos viabiliza o que chamamos de ganhos de escala e de aglomeração. Pela quantidade de pessoas e possibilidades de interação entre elas, as grandes cidades oferecem oportunidades de produção, emprego, cultura e educação que pequenos vilarejos jamais poderiam oferecer. Tentar acabar com isso é uma perda de tempo e energia. Sem os grandes centros urbanos, o modo como vivemos, aprendemos, nos relacionamos, trabalhamos e consumimos hoje seria inviável. Nós precisamos das cidades.
Na tentativa de “consertar” os problemas da cidade industrial, o planejamento urbano desde o século 19 adotou uma abordagem de controle e organização. Surgiram ideias como a Cidade Jardim, o modernismo e o zoneamento, determinando por meio de projetos e leis os espaços, usos, distâncias, alturas e densidades. O advento dos automóveis na mesma época impulsionou e se aliou à ideia de que era preciso afastar as pessoas e as atividades umas das outras para garantir a salubridade nas cidades. O carro era visto como um modo de transporte “ideal”, e o planejamento urbano passou a priorizá-lo.
Essas utopias urbanas geraram consequências indesejáveis que se refletem até hoje no cotidiano das pessoas. Se as calçadas e ciclovias do seu bairro são ruins e perigosas e você sente que precisa usar o carro até para deslocamentos curtos, talvez seja porque a sua cidade foi planejada com foco no automóvel. Consequentemente, você e os seus vizinhos perdem horas no congestionamento. Se mesmo morando em um apartamento em área central, ao caminhar pela cidade você se depara com uma sequência de muros e grades de condomínios, sem vida nas ruas, talvez seja porque a sua cidade decidiu restringir os usos dos lotes e exigiu afastamentos que prejudicaram a conexão dos prédios com a calçada.
Felizmente, na segunda metade do século 20, Jane Jacobs representou o pontapé inicial de uma verdadeira quebra de paradigmas no urbanismo. Hoje entendemos que as cidades devem ser planejadas para as pessoas, que a densidade urbana é importante para otimizar deslocamentos e serviços, que os espaços públicos de qualidade são fundamentais para a diversidade e a vitalidade e que ampliar o acesso das pessoas às oportunidades deve ser uma prioridade. Entendemos, também, que os robustos e minuciosos planos não podem continuar ignorando a cidade informal, onde estão milhões de brasileiros, e muito menos exigir que essas pessoas se desloquem para ainda mais longe.
E apesar de entender tudo isso, com fundamentação técnica e dados comprovados de várias grandes cidades do mundo, continuamos, em muitas decisões de planejamento, seguindo os preceitos que geraram o “caos” que tanto nos insatisfaz. Isso precisa mudar.
Precisamos de cidades melhores. Precisamos de um planejamento focado em garantir a qualidade dos espaços públicos e gerir os espaços privados de forma fluida, acomodando as mudanças constantes das demandas dos moradores. Precisamos de mais do que um conjunto de regras e intenções que é refeito a cada 10 anos sem avaliar o que deu certo e o que deu errado. Precisamos de métricas, dados e resultados, para que possamos avançar com mudanças concretas.
Se você compartilha dessas mesmas inquietações e quer entender como as nossas cidades podem ser mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas, nós te convidamos a conhecer o curso “Do Planejamento ao Caos”. Ao longo de 28 aulas, explicamos de uma forma fácil e dinâmica como as cidades surgiram, quais foram os rumos tomados pelo planejamento urbano e o que podemos fazer hoje para melhorar.
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