Podcast #120 | Urbanismo Social
Confira nossa conversa com Carlos Leite e Fabiana Tock sobre as iniciativas de urbanismo social no Brasil e no mundo.
Encerrando esta série, relatamos os últimos dias da Missão Urbanística Caos Planejado, conhecendo espaços públicos, o sistema de transporte coletivo e a atuação da iniciativa privada em Curitiba.
11 de outubro de 2025Leia a primeira e a segunda parte desta série de artigos aqui:
Aprendendo com o urbanismo de Curitiba | Dia 1
Aprendendo com o urbanismo de Curitiba | Dia 2
Para conhecer o centro da cidade, fizemos uma caminhada com a arquiteta e urbanista Laís Leão, eleita vereadora em Curitiba. Passamos por parques, praças, pela famosa Rua XV (ou Rua das Flores) e pelo Mercado Municipal.
A maior lição desse passeio (e talvez da viagem como um todo) foi a valorização do espaço público. Essa lição, que também é uma herança da gestão de Jaime Lerner, já havia sido mencionada nas outras visitas e conversas com instituições, mas tivemos a chance de comprová-la pessoalmente. Não faltam parques e praças extremamente bem cuidados e limpos, com gramas aparadas e mobiliário urbano de qualidade.
No centro de Curitiba, visitamos o Passeio Público, primeiro parque da cidade. Inaugurado em 1886, ele já foi construído para endereçar um problema de alagamentos na área. A própria Prefeitura é responsável por sua manutenção, e o parque é um exemplo de zeladoria não apenas no cuidado com a arborização, canteiros, gramados, lagos e chafarizes, mas também com as diversas espécies de animais que habitam o parque, tanto em meio à sua própria natureza quanto no pequeno zoológico que é mantido há mais de um século.
Além disso, a própria quantidade de praças na região central e de parques na cidade como um todo chama atenção quando comparada a metrópoles como São Paulo, por exemplo, onde o planejamento foi incapaz de reservar esses espaços antes da ocupação do território.
A Rua XV, ou Rua das Flores, foi um exemplo emblemático de reconquista do espaço público tomado pelos automóveis. Outro ato arrojado de Jaime Lerner e, na época, contrário à opinião dos comerciantes, a rua teve seu primeiro trecho pedestrianizado no decorrer de um único final de semana. Ele foi fechado em uma sexta-feira e, com poucos dias de trabalho, foi inaugurado na segunda-feira com a rua de petit-pavê, ou pedra portuguesa. Ao despertar a curiosidade da população, a Rua XV encheu e foi um sucesso para os comerciantes, que pediram então a continuidade nos trechos adjacentes. Até hoje é um exemplo de espaço público de sucesso que a cidade abraçou. Ao andar por ela, vimos árvores, bancos, iluminação no nível do pedestre e fachadas bem conectadas com a rua.
É claro que ainda há muito espaço para melhorias nos espaços públicos. Embora muitas áreas sejam, em geral, convidativas para os pedestres, as calçadas de Curitiba, mesmo nos melhores bairros da cidade, apresentam muitas irregularidades na pavimentação. Além disso, um modal que infelizmente ainda não parece ter ganhado tanto espaço na cidade é a bicicleta. Curitiba tem uma rede cicloviária pouco extensa e sem muitos trechos protegidos.
Também utilizamos algumas vezes o sistema de ônibus da cidade, pelo qual ela é conhecida. No geral, a experiência foi positiva, com boa frequência, ônibus pontuais, em bom estado e informações fáceis de encontrar. Em muitos horários, havia lugar disponível para sentar, o que também é reflexo da queda de demanda que o sistema vem sofrendo nos últimos anos.
O BRT, com pagamento antecipado e embarque nas famosas estações-tubo, funciona bem. A visita ao local, no entanto, revela alguns desafios adicionais: toda estação tubo possui um cobrador humano para coletar dinheiro físico, por exemplo. Em um dos trajetos, nós também conhecemos um dos 34 terminais do BRT, que são parte fundamental do sistema “tronco-alimentador”: os terminais promovem a integração de linhas de ônibus convencionais, que trazem passageiros dos bairros, para os ônibus biarticulados dos eixos principais. Eles possuem uma infraestrutura de apoio maior, com algumas lojas de conveniência e banheiros.
Notamos também que o valor da tarifa é elevado em comparação com outras capitais, custando R$ 6,00 (set/2025). Curitiba é a oitava capital mais populosa do país, e nenhuma das outras sete que estão à frente dela chega a ter esse valor. Na maioria dos trajetos havia também uma diferença significativa no tempo da viagem de ônibus em comparação com o carro ou Uber, mostrando que os automóveis se apresentam de forma mais vantajosa para o usuário mesmo nas áreas bem abastecidas pelo transporte coletivo. Pela experiência do usuário, percebemos que se ganhava algum tempo ao utilizar os corredores exclusivos dos ônibus biarticulados, mas se perdia muito tempo quando se dependia de linhas convencionais, fora dos corredores, e que exigiam integrações, o que era frequente.
Leia mais: Por que o uso do transporte público em Curitiba ainda é tão baixo?
A URBS é a empresa conhecida por fiscalizar e monitorar as operações do transporte público coletivo de Curitiba, assim como a bilhetagem do sistema. Debaixo do seu guarda-chuva também está a gestão de equipamentos como terminais e estações-tubo, bem como todos os equipamentos “rentáveis” no espaço público — totens de publicidade, cessão de espaço aéreo para passarelas privadas, gestão dos lojistas permissionários de estações e até mesmo da Rua XV.
Em nossa visita para aprender mais sobre a entidade, chama atenção a sua forma de financiamento. O funcionamento do transporte em si depende de um fundo que possui apenas três formas de entrada: as tarifas, os subsídios e a publicidade nos ônibus. Porém, os custos de funcionamento da própria URBS são totalmente financiados pelas locações dos seus imóveis, como os da rodoviária, por exemplo.
O controle da bilhetagem também permite que ela tenha acesso facilitado às informações sobre o transporte e os passageiros, para planejar melhorias e intervenções. Além disso, a empresa possui um centro de controle operacional, com funcionários de plantão 24h por dia que analisam um dashboard com imagens e informações em tempo real e buscam solucionar irregularidades no sistema de forma rápida.
Explorando outras perspectivas sobre a cidade, visitamos também a URBTEC, uma empresa de consultoria em desenvolvimento urbano sustentável com atuação em todo o Brasil. Atualmente, a URBTEC está envolvida no Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana de Curitiba (PDUI-RMC), que vem sendo debatido nos últimos meses. O documento passou a ser exigido pelo Estatuto da Metrópole em 2015 e essa é a sua primeira versão em Curitiba.
Entre os desafios que envolvem esse tipo de atuação junto ao poder público, vimos, a partir da experiência da URBTEC, que a burocracia nos processos de planejamento urbano ainda são prejudiciais em muitos aspectos. Nesse sentido, um dos maiores valores que a consultoria entrega está na sistematização de dados para apresentar um diagnóstico simplificado, de fácil compreensão e visualmente atrativo.
Leia mais: Podcast #96 | Curitiba e urbanismo na prática
Finalmente, sob a ótica do mercado imobiliário, conhecemos a incorporadora curitibana Weefor. Com uma abordagem inovadora, a empresa busca construir empreendimentos que verdadeiramente tenham impacto positivo na cidade. Os projetos são definidos a partir de concursos de arquitetura cujos critérios envolvem a integração do edifício com o entorno. A Revista Projeto é uma parceira na elaboração do concurso, selecionando um júri independente que, após uma rankeamento técnico das propostas, a partir de diversas análises, faz um julgamento qualitativo que deve ser respeitado pela incorporadora. O escritório vencedor é então contratado para realizar o projeto executivo do empreendimento. Além disso, a própria Weefor realiza diversas pesquisas na vizinhança e ações de envolvimento com a comunidade.
Para ampliar seu impacto transformador no território, parte do faturamento de cada empreendimento é direcionado para o Instituto WF e resulta em ações diversas. Com o valor resultante do primeiro empreendimento, a Weefor construiu um centro comunitário na Vila Joanita, uma ocupação em Curitiba com moradores em situação de vulnerabilidade. No segundo empreendimento, a ação foi a construção de bicicletários integrados ao transporte coletivo em cidades da Região Metropolitana. No terceiro, estão sendo realizadas melhorias em praças públicas da cidade. O Instituto WF é, assim, uma reverberação da produção imobiliária de qualidade em microatitudes que ajudam a transformar a cidade como um todo.
_
A Missão Urbanística do Caos Planejado é uma programação anual cujo destino muda a cada edição. Ela é uma experiência imersiva de aprendizado sobre a cidade, que gera lições valiosas. Ficou com vontade de participar da próxima edição? Entre na nossa comunidade!
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiarConfira nossa conversa com Carlos Leite e Fabiana Tock sobre as iniciativas de urbanismo social no Brasil e no mundo.
No livro “Cidade Suave”, o urbanista David Sim aponta quais são as características de cidades que promovem conforto e acolhimento no cotidiano de seus habitantes.
O Jardins, em São Paulo, se tornou símbolo de ineficiência urbana: maior acessibilidade a empregos da cidade, escassez de moradias, exportação de congestionamentos e bilhões em valor que poderiam ser capturados e reinvestidos — até mesmo em uma nova linha de metrô.
Hong Kong enfrenta hoje grandes desafios de acessibilidade habitacional, que são um resultado da forma como suas regulações foram estabelecidas.
Em Dakar, há pouca regulação sobre os lotes privados, e os espaços públicos também não recebem a devida atenção. Quais são as consequências dessa ausência do poder público na prática?
Confira nossa conversa com Ruan Juliet, morador da Rocinha e comunicador, sobre os desafios da vida na favela.
Todo projeto de rede cicloviária deve ser conectado, direto, seguro, confortável e atrativo.
Cidades com áreas centrais mais adensadas permitem mais qualidade de vida, mais eficiência e menos impacto ambiental. Mas o crescimento das cidades brasileiras tem caminhado na direção oposta.
Cidades são dinâmicas, e os tipos de uso do solo precisam acompanhar as mudanças pelas quais a cidade passa.
COMENTÁRIOS