Aprendendo com o urbanismo de Curitiba | Dia 2
Foto: Anthony Ling

Aprendendo com o urbanismo de Curitiba | Dia 2

No segundo dia da Missão Urbanística do Caos Planejado, visitamos o IPPUC, órgão responsável pelo planejamento da cidade, e conhecemos mais sobre a história e o legado de Jaime Lerner na cidade.

9 de outubro de 2025

Leia a primeira parte desta série de artigos aqui: Aprendendo com o urbanismo de Curitiba | Dia 1

Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba – IPPUC

Fomos recebidos pelo IPPUC, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, instituição cuja história e atuação é chave para entender o urbanismo da cidade nas últimas décadas. No início dos anos 1960, foi realizado um concurso para o Plano Preliminar de Curitiba, com a contrapartida de que a equipe vencedora teria que contratar profissionais locais para a equipe de trabalho, de forma a conseguir dar continuidade ao trabalho do plano. Quem ganhou o concurso foi Jorge Wilheim, de São Paulo, e ainda em 1964, Jaime Lerner se formou na primeira turma de arquitetura e urbanismo da UFPR e participou da equipe de trabalho do Plano. Essa equipe era chamada de APPUC (Assessoria de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba) e, em seguida, foi transformada em IPPUC com respaldo legal.

O IPPUC se consolidou ao longo dos anos como uma fortaleza institucional de Curitiba, um caso único no Brasil. É uma autarquia que funciona como uma secretaria e tem a sua presidência indicada pela Prefeitura, mas historicamente a pessoa indicada é sempre um funcionário de carreira do Instituto, e não um cargo político. A entidade foi criada com o propósito de elaborar o plano urbanístico de Curitiba e realizar pesquisas e estudos para o planejamento da cidade. Hoje, o IPPUC também é responsável por projetos arquitetônicos de equipamentos públicos, como escolas, e é um braço indispensável a ser consultado por outros órgãos para qualquer obra, como um redesenho viário para a expansão do BRT. 

A presença de uma instituição como o IPPUC na cidade permite a continuidade dos planos ao longo do tempo (desde os anos 1960, Curitiba tem basicamente o mesmo Plano Diretor, com as vias estruturais permitindo mais adensamento). Também permite evitar processos custosos e exaustivos que prefeituras do Brasil todo enfrentam para contratar consultorias caríssimas a cada 10 anos para elaborar seus planos diretores. Ainda, em um ciclo virtuoso, em 32 dos últimos 60 anos Curitiba elegeu prefeitos que haviam sido técnicos do IPPUC.

O principal projeto que conhecemos no IPPUC foi o impressionante e recém-lançado Hipervisor Curitiba, uma plataforma que integra, processa e mapeia diversos dados urbanos em um gêmeo digital (uma maquete virtual da cidade). Ele possui o cadastro e as dimensões físicas de 1,2 milhões de edificações, podendo visualizar camadas como zoneamento, padrão de renda, idade dos edifícios, entre outras. Dados são coletados de inúmeras fontes para alimentar o modelo, como de bilhetagem dos ônibus, da secretaria de saúde e do “156” (um call center da Prefeitura que já tem 40 anos e recebe 6 milhões de chamadas por ano).

Sala de monitoramento do Hipervisor no IPPUC. Foto: Anthony Ling

A partir de uma central de monitoramento do Hipervisor, análises são feitas e ações são planejadas envolvendo diferentes órgãos e secretarias. Nessa dinâmica, a integração dos diferentes atores é fundamental para atingir objetivos concretos e oferecer respostas rápidas aos desafios que surgem. A identificação de imóveis ociosos, por exemplo, pode ser feita utilizando informações das empresas de abastecimento de água e energia. 

A forma de valorizar e utilizar os dados é provavelmente a maior lição do IPPUC para as cidades brasileiras. Isso reflete um planejamento urbano baseado em informações concretas e decisões técnicas em prol do bem comum, sem ser pautado em opiniões pessoais e “achismos”.

Leia mais: Transformando cidades em dados

Instituto Jaime Lerner

Tivemos a chance de conversar com aqueles que propagam o legado do arquiteto e urbanista mais famoso de Curitiba, Jaime Lerner. Em sua longa atuação como prefeito, Jaime enxergava a cidade como uma estrutura integrada de vida, trabalho e mobilidade. Ele defendia a aproximação das diferentes funções e usos do solo e o incentivo ao transporte coletivo e à mobilidade a pé em detrimento do carro. Sua abordagem foi especialmente inovadora e importante por ter sido introduzida em uma época em que os ideais modernistas — de zoneamentos rígidos de uso do solo e obras incentivando o uso do automóvel — pautavam a maioria das decisões urbanas. Curitiba é hoje uma das únicas capitais brasileiras que não é cortada por grandes viadutos em sua zona urbana, por exemplo.

O sucesso do planejamento urbano proposto por Jaime Lerner, pelo qual Curitiba é conhecida internacionalmente até hoje, veio de um conjunto de soluções que se retroalimentam. Um dos grandes diferenciais foi a chance de preparar o crescimento da cidade, direcionar sua expansão e pensar na sua infraestrutura previamente. Jaime iniciou seu trabalho em Curitiba quando a cidade ainda tinha cerca de 600 mil habitantes, com muito espaço para crescer. Na época, ao invés de criarem grandes avenidas para automóveis, criaram o chamado Sistema Trinário, dividindo o eixo central em três vias. A via central é voltada ao sistema de ônibus, com uma solução que posteriormente se tornou o que chamamos de BRT (Bus Rapid Transit), e as ruas paralelas adjacentes seriam para o fluxo de automóveis.

Estação-tubo do BRT no Sistema Trinário. Foto: Anthony Ling

É importante apontar também que o “BRT” não nasceu com esse nome e nem com a estrutura que possui hoje, sendo apenas uma canaleta exclusiva para um ônibus convencional. Foi na busca por melhorias operacionais dessa canaleta ao longo de muitos anos que se chegou ao modelo atual, de plataformas elevadas e com cobrança fora do veículo, que conhecemos como “Bus Rapid Transit”. O termo foi criado internacionalmente com base na experiência de Curitiba.

Leia mais: Curitiba: 50 anos de lições do primeiro BRT do mundo

Buscando combinar o planejamento da mobilidade com o uso do solo na cidade, a proposta de Jaime Lerner foi aumentar a densidade e o potencial construtivo e diversificar usos nos corredores do BRT. Essa estratégia foi posteriormente chamada de DOTS (Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável), e hoje é conhecida e utilizada em várias cidades do mundo. Chegando de avião em Curitiba, é fácil identificar quais são os eixos do transporte, pois os prédios adjacentes a eles são bem mais altos do que no resto da cidade, devido a essa estratégia.

Vista aérea de Curitiba. Foto: Anthony Ling

Durante a conversa, foi mencionado que Jaime Lerner constantemente dizia que ele tinha um “compromisso com a imperfeição”. Isso significa que ele não almejava projetar para resolver os problemas do futuro, mas fornecer respostas céleres e consistentes para os problemas do presente. Entender que a cidade está constantemente mudando, assim como as diversas necessidades de sua população, é uma premissa fundamental do bom planejamento urbano.

Parque Barigui, praças e feiras

Fomos também ao Parque Barigui, um dos mais importantes de Curitiba. Inaugurado em 1972, também como parte da primeira gestão de Lerner como prefeito, a grande área verde foi reservada como um espaço alagável, para mitigar os efeitos de possíveis inundações na cidade. Outros parques de Curitiba também possuem essa função. Caminhando pelo parque, é possível ver o skyline da cidade e alguns de seus principais arranha-céus.

Parque Barigui. Foto: Anthony Ling

Visitamos a recém-revitalizada Praça da Ucrânia, que hoje conta com pavimentação e mobiliário urbano invejáveis, incluindo também um novo playground. Também fomos na Praça Osório, próxima do centro da cidade, que é maior e mais arborizada, com um chafariz central. Ambas são palco das famosas feiras livres de Curitiba, onde artesãos, produtores locais e pequenos restaurantes se reúnem. Apesar da prática ser comum em diversas cidades brasileiras, Curitiba se destaca por ter uma forte cultura de feiras noturnas. Essa dinâmica dialoga com uma característica fundamental para ruas mais vibrantes e seguras: a necessidade de ter atividades ocorrendo em diferentes horários do dia.

Feira noturna na Praça Osório. Foto: Anthony Ling

Em vários aspectos, ouvimos e presenciamos em Curitiba um planejamento urbano que, apesar de ter desafios, busca ser cada vez mais humano e mais sustentável, e que tem muito a ensinar às outras cidades brasileiras. 

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