Como Copenhagen se tornou a joia do urbanismo mundial | Parte 1
Conhecida como “a cidade mais feliz do mundo”, a capital da Dinamarca é uma referência em qualidade de vida urbana. Mas nem sempre foi assim.
Cidades com áreas centrais mais adensadas permitem mais qualidade de vida, mais eficiência e menos impacto ambiental. Mas o crescimento das cidades brasileiras tem caminhado na direção oposta.
21 de agosto de 2025O modelo de ocupação urbana das grandes cidades brasileiras tem grande impacto em uma parte relevante da população. Em 2023, as 10 maiores regiões metropolitanas brasileiras concentravam um terço da população do país. A forma como essas pessoas moram, trabalham e se divertem, incluindo seus deslocamentos entre essas atividades, tem impacto significativo na produção de carbono e no consumo de recursos florestais e hídricos, na eficiência dos gastos públicos e na qualidade de vida.
O adensamento — número de moradores por km² — nas áreas urbanas centrais é fator determinante para cidades mais saudáveis e sustentáveis. Mas como as nossas cidades têm evoluído nessa métrica? E como os nossos patamares de adensamento se comparam com os de outras grandes cidades pelo mundo?
Os números do censo de 2022 demonstram que o modelo de crescimento espacial das nossas cidades vai na contramão das melhores práticas urbanísticas.
Entre 2000 e 2022, a população nas 10 maiores regiões metropolitanas brasileiras cresceu 15,8%, enquanto nas suas áreas centrais encolheu 2,7%. Se compararmos apenas o crescimento populacional nas 10 maiores capitais com o de suas respectivas áreas metropolitanas, chegamos a um crescimento seis pontos percentuais menor nas capitais. Ou seja, a população brasileira tem crescido em direção às regiões periféricas das nossas cidades, não às suas regiões centrais.
Numa análise individualizada, chama a atenção positivamente o desempenho de São Paulo e Rio de Janeiro. Ambas as cidades tiveram crescimentos de população nas suas áreas centrais em patamares semelhantes aos crescimentos de suas regiões metropolitanas. Em São Paulo, 13,2% na área central e 15,8% na região metropolitana. No Rio, 6,2% na área central e 6,8% na região metropolitana. Ambas contam com políticas públicas de atração de moradores para as regiões centrais, como é o caso do Reviver Centro no Rio e Todos pelo Centro em São Paulo. Pelos resultados do censo de 2022, esses são bons exemplos a serem expandidos nessas e nas demais capitais.
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As áreas centrais das cidades brasileiras são muito pouco adensadas em comparação com outras ao redor do mundo, tanto em países ricos quanto em desenvolvimento. Por exemplo: enquanto as regiões centrais de São Paulo e Rio de Janeiro têm densidades de 15 e 8 mil habitantes por km², respectivamente, Nova York, Barcelona e Santiago do Chile têm 29, 23 e 20 mil, respectivamente.
Cidades com áreas centrais mais populosas e adensadas permitem melhor qualidade de vida da população, pela redução do tempo gasto em viagens e maior facilidade de acesso a equipamentos de saúde, educação, cultura e lazer. Adicionalmente, o adensamento das regiões centrais promove a redução de emissões de gases de efeito estufa e a diminuição do desmatamento.
Outro argumento importante é o da maior eficiência nos gastos públicos. A expansão horizontal das cidades em direção às suas periferias e terrenos ainda não dotados de infraestrutura requer mais investimentos per capita em energia, água, saneamento e transporte, em comparação com o crescimento nas áreas centrais.
O adensamento é um modelo espacial que foi determinante na formação das cidades e implica na capacidade de projetar formas urbanas que possam ser agradáveis e capazes de gerar coexistência e confiança entre estranhos. A qualidade do desenho urbano do espaço público e, numa escala ampliada, do sistema de áreas livres, é o modo de assegurar percepções favoráveis e suporte político ao adensamento.
O adensamento permite uma redução substancial do consumo de carbono porque viabiliza a diminuição do desmatamento, a preservação dos recursos hídricos nas “franjas” das regiões metropolitanas e a redução do consumo de matéria-prima retirada da natureza em novas construções prediais e de infraestrutura.
Além disso, quanto mais adensada a região, menor o deslocamento das pessoas e menor o consumo de energia, seja em transporte individual, seja em transporte público.
Uma comparação simplificada é a de um indivíduo “A” que se desloca 2h por dia em transporte coletivo ao trabalho versus o indivíduo “B” que o faz andando ou de bicicleta por 30 min por dia. A pegada de carbono do indivíduo “A” é significativamente maior que a do indivíduo “B”. Por exemplo, uma pessoa que realiza duas viagens de 20 km de ônibus no Brasil por dia consome aproximadamente 80 kg de CO2 por mês. O deslocamento por trem ou metrô representa uma redução de quatro vezes nessa pegada de carbono. O deslocamento a pé ou de bicicleta representa um consumo de carbono próximo a zero. O adensamento, assim, permite um maior número de pessoas vivendo no padrão do indivíduo “B”.
Para maximizar o impacto positivo do adensamento urbano, os governos devem privilegiar nos seus instrumentos de planejamento os incentivos aos usos variados do solo, incluindo a moradia (o mais importante e impactante), o comércio e o serviço, os escritórios, a saúde, a cultura e o entretenimento. Esse modelo é conhecido como o “urbanismo de proximidade”, ou a “cidade de 15 minutos”, marca cunhada pelo urbanista Carlos Moreno. O seu princípio é que o tempo curto dos deslocamentos casa-trabalho-serviços-diversão reduz principalmente o uso do transporte individual e, portanto, as emissões de gases de efeito estufa. Cidades caminháveis, baseadas na convivência de atividades distintas em raios de proximidade, são o grande objetivo a ser perseguido.
No Brasil, o impacto do adensamento no meio ambiente é ainda maior, pois o transporte público é, na sua maioria, de baixa qualidade, levando muitas vezes as pessoas para o transporte individual, mais poluidor.
Outro aspecto a ser privilegiado nos instrumentos de planejamento urbano das cidades é o incentivo à mistura de moradores com níveis de renda distintos. Não basta apenas incentivar a verticalização e ocupação das regiões centrais das metrópoles brasileiras. Os governos devem buscar modelos de incentivo à produção habitacional para baixa renda nessas regiões, evitando a criação de guetos nas regiões periféricas, onde as ações de controle do crescimento desordenado que impacta o meio ambiente são mais complexas e caras.
Um estudo realizado pelo Instituto Pólis em 2024 estimou que a destinação para moradia de imóveis subutilizados na região central de São Paulo geraria uma redução na emissão de 4,4 milhões de toneladas de CO2 ao longo de 20 anos. O estudo leva em consideração três fatores: (1) a redução do consumo de cimento e aço em novas construções, (2) a redução do uso dos deslocamentos entre as periferias e a região central, e (3) a redução do desmatamento em áreas periféricas.
Se as cidades crescem através do aumento do adensamento, menor é a pressão na construção das periferias e “franjas”, evitando a deterioração de recursos hídricos e florestais. A construção de casas e prédios nas regiões periféricas inevitavelmente destrói mais recursos naturais do que o adensamento de regiões urbanas já ocupadas.
Leia mais: Densidade urbana: a amiga improvável do meio ambiente
Outra consequência nociva da ampliação da mancha urbana é a maior necessidade de investimento em novas infraestruturas urbanas, como redes de transporte, energia, água e saneamento. Em áreas de maior densidade, as redes são compartilhadas por um maior número de pessoas por km². O crescimento da densidade em regiões já ocupadas custa menos em impostos para toda a população.
Por exemplo, se um novo bairro para 10 mil habitantes na “franja” da cidade é criado, o governo e as concessionárias públicas terão que construir redes de infraestrutura completamente novas. Caso essas mesmas 10 mil pessoas morem em regiões centrais, o investimento nas redes existentes será uma fração daqueles necessários no novo bairro. O impacto desses novos moradores na rede de transporte no bairro central pode refletir em um vagão a mais no metrô, enquanto na periferia requereria a criação de uma nova linha de ônibus e a construção de novas vias e calçadas.
A política pública de adensamento dos centros reduz os custos per capita para toda a sociedade.
O adensamento melhora a qualidade de vida das pessoas pela redução do tempo perdido em deslocamentos, maior convivência social e maior facilidade de acesso a atividades de cultura e entretenimento.
Um estudo do escritório de estatísticas do Reino Unido indica que a cada hora diária despendida no transporte para o trabalho, as pessoas reduzem sua satisfação com a vida em 0,12 pontos numa escala qualitativa de 0 a 10 pontos.
Outro aspecto é a melhoria na saúde de quem mora perto do trabalho. Diversos estudos indicam que pessoas que despendem mais de 2 horas nos seus deslocamentos diários têm maior propensão a problemas de saúde. Um estudo de 2012 publicado no Jornal Americano de Medicina Preventiva concluiu que pessoas com longos períodos de deslocamentos para o trabalho têm 33% mais risco à obesidade e 21% à hipertensão.
Cidades mais densas também tendem a ser mais vibrantes em termos econômicos e culturais. Áreas urbanas densamente povoadas se beneficiam de uma maior proximidade entre empresas, instituições culturais, restaurantes e espaços de lazer. Isso fomenta o empreendedorismo e a inovação, criando um ambiente mais dinâmico para negócios e turismo e ampliando a oferta de empregos.
O acesso à cultura e ao entretenimento tem impacto direto na qualidade de vida das pessoas. Áreas mais densas propiciam um número maior de museus, teatros, universidades e atividades ao ar livre. A urbanista Jane Jacobs defende que apenas as grandes cidades conseguem patrocinar grandes museus. O fluxo de pessoas e recursos financeiros permite que esses equipamentos sejam construídos e mantidos nas regiões centrais das grandes cidades. Não se trata de discriminação contra as regiões periféricas, mas um resultado da dinâmica da própria economia das cidades.
Leia mais: Uma URV para os Centros Urbanos
A implementação de políticas de adensamento deve ser liderada pelas cidades brasileiras, com políticas contundentes de verticalização e adensamento urbano nas regiões centrais, foco dos investimentos públicos nessas áreas e desincentivo ao espraiamento. Adicionalmente, os governos estaduais e federal também podem ter papéis relevantes com investimentos em equipamentos públicos e em segurança nessas regiões.
Entre as políticas públicas mais eficazes para aumentar o adensamento nas regiões centrais estão os incentivos ao retrofit (modernização) de prédios antigos e à conversão de prédios comerciais para o uso residencial, além da urgente venda de imóveis públicos ociosos.
O aumento do adensamento dos nossos centros deve ser um objetivo permanente dos governos. Centros vivos e vibrantes representam cidades mais saudáveis e sustentáveis.
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