3 infraestruturas que dizem ser para pedestres, mas que priorizam os carros (Parte 3)

21 de junho de 2023

No primeiro texto da série sobre infraestruturas que priorizam os carros nas cidades, abordamos as passarelas anti pedestres, que são inacessíveis, excludentes, inseguras e caras (se você ainda não leu, clique aqui para conferir).

Já no segundo, falamos sobre as grades de proteção (ou guardrails) que aumentam o trajeto, impedem o caminho mais lógico e agradável de caminhar, criam sensação de confinamento e insegurança e diminuem a acessibilidade (se você ainda não leu, clique aqui para conferir).

Nesta terceira parte, trazemos outra estrutura que tem no seu nome “pedestre”, alegando que é feita para garantir a segurança de quem caminha, quando, na realidade, mantém a prioridade dos veículos motorizados, e coloca as pessoas em maior risco: os semáforos de pedestres. 

Semáforo de pedestres ou semáforo de controle de prioridade

Semáforo de pedestres. (Instituto Caminhabilidade)

O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) afirma que existe uma regra de responsabilidade, segundo a qual os condutores de veículos são responsáveis pela segurança dos pedestres (artigo 29). Ou seja, quem atravessa as ruas caminhando ou na conversão (artigo 36), tem prioridade e deve ser respeitado pelos veículos. Entretanto, o mesmo código cria mecanismos para tirar a prioridade de quem está a pé, ao dizer, no artigo 70, que nos locais com sinalização semafórica, “tanto o condutor do veículo quanto o pedestre devem atender às luzes respectivas, para alternar o direito de passagem”.

Por que são ruins para quem está a pé?

• Tiram a prioridade das pessoas;

• O tempo de espera é muito alto, o que gera insegurança e desconforto;

• Muitas vezes, o tempo que permanecem abertos para a travessia é muito curto, o que implica em falta de acessibilidade e medo por parte dos pedestres. No geral, o tempo semafórico é calculado com base na velocidade de 1,2 metro por segundo, mas idosos, por exemplo, caminham à média de 0,75 metro por segundo, muito abaixo da prevista, o que dificulta as travessias e provoca acidentes por vezes fatais (Dados de pesquisa da organização Corrida Amiga).

O que pode substituir?

• Diminuir a velocidade máxima permitida nas cidades;

• Ruas compartilhadas entre veículos e pessoas1;

• Tempo semafórico condizente com a velocidade média de todas as pessoas, incluindo idosos, crianças e pessoas com mobilidade reduzida.

Você já tinha notado como essas três infraestruturas não são para apoiar o caminhar mais seguro?

Na nossa caminhada com a ex-vereadora Soninha Francine no projeto Sentindo nos Pés, ela faz boas observações sobre as passarelas anti pedestres e os semáforos para pedestres. Sobre as passarelas, Soninha aponta como os pedestres arriscam a própria vida para atravessar a rua, já que a passarela dificulta e aumenta muito o caminho, e o quanto seria mais simples se fosse instalada uma faixa na via. Já em relação à sinalização semafórica, ela afirma que, em alguns lugares, é pior para as caminhantes, já que é colocada para que elas tenham que esperar, e não os carros. 

Assista aqui.

Guard rail que fica próximo à comunidade da Peinha, em São Paulo. (Instituto Caminhabilidade)

O primeiro passo para eliminar essas estruturas é diminuir as velocidades nas cidades, assumindo um compromisso com as pessoas e com a vida. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda velocidade máxima de 50 km/h em vias arteriais, e 30 km/h em ruas com grande fluxo de pedestres e ciclistas. Essa tendência vem ganhando força na América Latina e capitais como Bogotá e Buenos Aires já reduziram o limite de velocidade no perímetro urbano.

No Brasil, Curitiba e Fortaleza também alteraram as velocidades máximas. A capital do Paraná já viu resultados ao reduzir a velocidade máxima da maioria das vias da capital para 50 km/h, o que causou a diminuição de 32,5% no número de registros de ocorrências viárias  em 11 meses, segundo o Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran).

Fortaleza, por sua vez, teve redução de 67% na média de sinistros com mortes entre 2016 e 2020 em vias que tiveram a velocidade reduzida, segundo levantamento de 2021 da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC). 

Quando a velocidade diminui, é possível mudar a classificação das vias e, com isso, inserir travessias em nível e ruas compartilhadas para, assim, criar prioridade para as pessoas nas cidades. Ou seja, a redução das velocidades têm efeito imediato na diminuição de ocorrências viárias e de fatalidades, e também é indutora de uma mudança mais integral nas cidades. Por isso, reduzir velocidades máximas nas vias é o primeiro passo para que o desenho urbano possa mudar e, dessa forma, melhorar as condições para caminhar. 

ABAIXO-ASSINADO: Queremos cidades com velocidade máxima de 50km/h!

1As ruas compartilhadas são uma solução de desenho de rua que promove o compartilhamento do espaço por pedestres, ciclistas e veículos motorizados. Suas principais características são o pavimento todo no mesmo nível e a redução  da velocidade para os carros, proporcionando uma experiência mais segura, saudável e agradável para as pessoas.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

Referências:

Alcaldía Mayor de Bogotá. Programa de Gestión de la Velocidad. Documento base. Bogotá, 2019.

Grupo Internacional de Información y Análisis de Seguridad Vial. Velocidad y riesgo de incidentes viales. International Transport Forum, 2018.

SampaPé!; Dérive Lab. Manual de Ruas Compartilhadas. 2017. 89 p.

Secretaría de Transporte y Obras Públicas. Plan de Seguridad Vial Ciudad Autónoma de Buenos Aires 2020-2023. Buenos Aires.

SOUSA, Marcos. Pesquisa avaliou os tempos de semáforos de pedestres no Brasil. Mobilize Brasil. 20 de nov de 2019. Corrida Amiga, São Paulo.

Organização Mundial da Saúde. Global Status Report on Road Safety. 2018.

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