3 infraestruturas que dizem ser para pedestres, mas que priorizam os carros (Parte 1)

24 de maio de 2023

As cidades não são neutras e, em geral, priorizam os carros. Isso porque, a partir da criação dos veículos, a mais de 100 anos atrás, a engenharia de trânsito se colocou a serviço de aumentar a fluidez dos automóveis e regrar o movimento das pessoas. O resultado disso é desastroso, e o Brasil é o terceiro país com mais mortes no trânsito do mundo (Global Status Report on Road Safety, 2018, OMS). Aproveitando o Maio Amarelo, mês em que se evidencia a campanha por mais segurança viária, achamos importante trazer a reflexão do quanto nos acostumamos com cidades que não foram feitas para as pessoas.

Praça da Sé, em São Paulo, em 1911, quando os carros ainda não predominavam e, por isso, se caminhava nas ruas compartilhando o espaço com bondes e outros veículos (Acervo Fundação Energia e Saneamento/Divulgação).

Como o carrocentrismo não tem limites, algumas infraestruturas urbanas colocam no seu nome “pedestres” alegando que são feitas para garantir a segurança de quem caminha, quando, na realidade, mantêm a prioridade dos veículos motorizados, e colocam as pessoas em maior risco.

Essas estruturas poderiam ser substituídas por soluções mais simples e que realmente transformassem as cidades em ambientes acolhedores e seguros para caminhar. Certamente, você já passou por elas enquanto estava andando na cidade, e não seguiu o que estavam direcionando a você.

Neste texto, falaremos sobre as passarelas anti pedestres e, nos próximos, apresentaremos outras duas infraestruturas. Acompanhe nossas colunas para conferir.

Passarelas (Antipedestres)

Passarela anti pedestres de Salvador que faz o caminho a pé ser muito mais longo. (Imagens: Nelson Kon)


As passarelas são pontes sobre as ruas que desviam e aumentam em quase 10 vezes o caminho de quem está a pé (Liga Peatonal, México) para que os veículos não precisem parar. Elas são muitas vezes inacessíveis por terem escadas ou degraus no seu trajeto e ainda são implantadas sobre as calçadas, criando obstáculos físicos e visuais.

Materiais da Liga Peatonal, organização mexicana de defesa do caminhar, evidenciando as desvantagens das passarelas e as vantagens de colocar faixas de pedestres no mesmo local.


Por que são ruins para quem está a pé?

• Aumentam o trajeto;

• São inacessíveis e excludentes;

• São inseguras — principalmente para mulheres e crianças;

• São feias e degradam a área da calçada e a cidade;

• São caras para implantar;

• Priorizam os veículos.

O que pode substituir? 

• Travessias em nível (lombofaixas);

• Ruas compartilhadas com velocidade máxima de 30 km/h1;

• Faixa de pedestres, com redutores de velocidade, que conecta os dois lados da via. 

Cidades da América Latina já estão proibindo e destruindo as passarelas. No México, por exemplo, a organização Liga Peatonal lançou em 2019 a campanha #AdiósPuentesAntipeatonales (“Adeus Pontes Anti Pedestres”), o que impulsionou a retirada de 20 passarelas no país graças à vontade política dos governantes e ao impulso da cidadania e das organizações civis.

Já a prefeitura de Medellín e a Área Metropolitana do Vale de Aburrá, na Colômbia, iniciaram em 2020 um processo de retirar as passarelas anti pedestres com o objetivo de promover a acessibilidade e pacificar o trânsito nas ruas, para assim avançar na meta de reduzir as mortes no tráfego de 10 para 5 óbitos a cada 100 mil habitantes. Na Colômbia, essas mudanças vieram após anos de trabalho da organização FundaPeatón, que busca uma cidade segura, acessível e agradável para os pedestres.

1As ruas compartilhadas são uma solução de desenho de rua que promove o compartilhamento do espaço por pedestres, ciclistas e veículos motorizados. Suas principais características são o pavimento todo no mesmo nível e a redução da velocidade para os carros, proporcionando uma experiência mais segura, saudável e agradável para as pessoas.

No Instituto Caminhabilidade, só apoiamos pontes para quem está a pé e de bicicleta quando as barreiras são naturais, como rios e lagos, e criando espaços públicos agradáveis.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Organização liderada por mulheres, movida pela urgência de alcançar a equidade de gênero e enfrentar a crise climática, desenvolve cidades caminháveis com o protagonismo da cidadania. ([email protected])
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